domingo, 18 de janeiro de 2009

O BOTO VERMELHO - CONTO

rua quintino bocaiva

Rua Quintino Bocaiúva

CONTOS DOS RIOS DA AMAZÔNIA (Titulo Original)

Autor: Lemos, José

No ano de 1957, quando estive no Paraná do Ramos, município de Urucurituba, me foi dada a oportunidade de conhecer mestre Elísio, um morador da região, ótimo carpinteiro e melhor ainda, contador de histórias.

Entre muitas que ouvi, lembro-me de uma relacionada a existência de um boto vermelho (que Jacques Cousteau chamou de cor-de-rosa), velho conhecido de nosso ribeirinhos. Foi assim que mestre Elísio relatou um fato acontecido com o pescador Saturnino Pantoja, que vivia em companhia da mãe e de dois irmãos menores e que após a morte de seu pai ficou sob sua responsabilidade para sustento e guarda da família. Sua mãe sempre o aconselhava para que não pescasse à meia noite, hora, para ela, sagrada como o meio dia, quando até os animais param para descansar. Saturnino nunca obedecia, pois achava ser aquela hora a melhor para pescar, devido o silêncio que sempre acontece no fim da noite e início do novo dia. Seus ouvidos acostumados podiam ouvir o barulho dos peixes se movimentando nas águas, principalmente o maior deles, o pirarucu, que em determinado espaço de tempo vem à tona para respirar e na volta às profundezas do rio faz um movimento brusco com o rabo facilitando ao pescador sua localização e o arremesso da haste em cuja ponta se encaixa o arpão certeiro. Saturnino era um jovem forte e corajoso, incapaz de se intimidar diante de uma situação perigosa que fosse. Não sabia o que era medo.

Certo dia, chegou da roça, já à tardinha, desceu ao porto com a cuia na mão e tomou um banho ligeiro. Jantou na companhia dos seus e foi verificar os apetrechos de pesca, ou seja: haste, arco, flechas, linhas e arpões, matérias indispensáveis à pescaria. Justamente onze horas da noite, embarcou no seu “casco” e dirigiu-se ao local onde sabia que iria encontrar grande quantidade de pescado.

Era agosto, as águas recebiam carinhosamente o sopro da brisa e se movimentavam lentamente, refletindo como um espelho, os raios do luar, transformando o cenário num espetáculo que só a natureza é capaz e um cérebro privilegiado de transformar em palavras a grandiosidade da beleza apresentada pela união: brisa, água e luar. Infelizmente não é o meu caso. Voltando ao nosso personagem que atônito como que lhe era dado observar, esqueceu momentaneamente o porquê de sua presença no local.

Exatamente à meia noite, começou a movimentar sua “montaria” em busca de um local para descer a poita e esperar o aparecimento do primeiro peixe a ser atingido por seu arpão. Não demorou muito a perceber um barulho e movimento estranho na água, como se algo estivesse alertando os peixes do perigo iminente e os levando para outra direção. Saturnino atentou uns minutos e entendeu a causa de tudo. Era a presença de um grande boto vermelho que por verias vezes atingiu o caso de sua frágil embarcação, pondo em risco a estabilidade da mesma.

Sem pensar duas vezes, empunhou sua haste e num movimento rápido atingiu com o arpão o dorso do intruso, que ferido gravemente se pôs a debater nas águas provocando um barulho infernal, ao mesmo tempo em que um silvo pavoroso cruzou os ares e imediatamente apareceram dezenas de botos vindos em socorro do chefe. Saturnino sentiu uma espécie de topor que o fez adormecer de pronto. Tempos depois despertou no xadrez de uma delegacia, cercado de soldados, todos fardados de vermelho. Foi levado á presença do subdelegado para ser submetido a interrogatório sobre o crime cometido contra autoridade policial.

Sem ainda entender o que estava acontecendo, foi levado a uma sala, onde viu em cima de uma mesa, coberto com um lençol branco um corpo bastante volumoso e quase inerte. Ao lhe ser mostrada a vítima, recebeu o ultimato de salvá-la ou ter que ficar preso para sempre. Um suor frio desceu do seu rosto em bica pelo corpo todo, parecendo ter saído da água naquele momento. Grande foi sua surpresa ao verificar que seu paciente era nada mais, nada menos que o boto horas antes arpoado por ele. Pondo em prática seus conhecimentos retirou o arpão alojado no corpanzil do “delegado”. Voltando à presença da autoridade de plantão, ficou sabendo que havia cometido um crime contra a pessoa de maior autoridade policial local, que em serviço fazia a ronda no lago onde aconteceu o fato antes narrado. Foi aconselhado a não repetir o delito, o que prometeu sob juramente, na presença de todos os policiais.

Passado pouco tempo, como a acordar de um sono agitado, Saturnino se viu dentro de sua embarcação, porém muito distante de sua casa. Mesmo sendo grande conhecedor da região não pôde de primeira, entender onde estava. Aos poucos foi se orientando até conseguir a direção correta. Chegando em casa já bem tarde onde seus familiares o esperavam alvoroçados, como pressentimento que Saturnino tinha tido o mesmo fim do pai, morto em uma pescaria. Todos ficaram felizes e Saturnino nunca mais foi à pesca no horário que lhe era comum. Passou a pescar sempre muito antes da meia noite como aconselhava sua mãe.

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