quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

“LIBERDADE DE CRIANÇA TRAVESSA” - POESIA

Darlinda Rego da Silva

Nascida em Itacoatiara, em 1953.

Jornalista pela UFAM e relações públicas. Em 1970, obteve o 1º lugar no concurso de poesias livre do Colégio Vital de Mendonça, em Itacoatiara. Diretora do Jornal Pedra Pintada de Itacoatiara. Melhor jornalista do ano 88/89 do Amazonas, com a matéria “Depredação da Amazônia Assusta o Mundo”.

Participação: lll CONPOFAI/88

Poema: “Liberdade de Criança Travessa” (Premio 2º lugar, dividido com Carlos Alberto Brasil Ferreira e Jean Elane Lopes)

Fui criança pobre e humilde

Corri nas ruas enlameadas

Nadei rios de correnteza

Enfrentei banzeiros de barcos e navios

Só respeitava o apito da “Burra Preta”

(Uma lancha veloz que provocava desastres)

Trepei em arvores

para colher frutos saudáveis

Brinquei nos quintais enfolharados

Tomei banho de chuva

colhendo mangas debaixo dos mangueirais

Escorreguei nas enxurradas

Senti o vento forte dos temporais

Fiz cacimba no olho d’água

Preparei para os coleguinhas

armadilhas na serragem,

Fiz igrejinhas de areia barrenta

Lavei roupa na beira do rio

Carreguei lata d’água na cabeça

Inebriei-me com o luar

Contei as estrelas

Fui atrás da lua quando ela queria me deixar

Acompanhei o Pôr-do-Sol

escondido por detrás das árvores

com reflexo nas águas do rio amazonas

Abri os braços, dei muitos abraços no vento

Curtindo a liberdade

de criança travessa

Ouvi dos mais velhos estórias de visagem

da cobra grande, do boto tucuxi

do bicho folharal, da gata borralheira…

Andei muito de bicicleta

sentindo-me como um pássaro

ao descer a rampa do mercado municipal

Corri… corri… redei, rodei…

até ficar tontinha

joguei bola e bolinha

Brinquei muito de casinha

Eu Criança humilde, livre e travessa

sempre rodeada de cunhantãs e curumins

fiz meus brinquedos de caroços de tucumã

carteiras de cigarros e

tampinhas de garrafas

Do leite da seringueira

fiz minha de pelada

De retalhos de pano e meia usada

fiz minha bruxa amada

Empinei papagaio

Derrubei frutas e latas empilhadas

com baladeiras e bolinha de tabatinga

Pendurei-me atrás das carroças

Encenei teatrinho no fundo do quintal

Fui macaca de auditório no grupo escolar

Corri atrás de palhaços de circo

Fiz de galhos de árvores meu trapézio

Andei de perna de pau

e de sapato de lata de leite

Brinquei de roda, de manja

e de 31 alerta!

E para completar

brinquei de murros na rua

E apanhei muitas surras

por causa de tudo isso

Mas fiz e fui FELIZ

Eu CRIANÇA; humilde, livre e travessa.

lV CONPOFAI /89

Poema: “Minha Amada Princesinha” Premio 1º lugar dividido com Quitéria Pereira) e ainda o Premio de Melhor Interprete.

Cansada de um dia exaustivo

De batalhar pela vida

No aconchego do meu lar

Tirei um tempo para orar

Entreguei meu corpo dolorido

Minha cabeça latejante

Meu coração partido

Em oferenda ao Senhor!

Adormeci pensante

Na minha paixão

Desenfreante

Ela é uma cidadã

Indefesa

Do baixo Amazonas

Princesa

Pariu-me, acalentou-me

Serviu-me de berço…

Alimentou-me

Com carne fresca

Leite de cabras

Peixe batendo abas

Bicho de casco

abundante…

E frutos regionais

Dos seus férteis quintais

Educou-me com religiosidade

Com preceitos morais

E muita simplicidade

Um belo dia

Na minha mocidade

Ao olhar o por do sol

Lá da praça do relógio

Vi um horizonte reluzente

Indicando caminho diferente

Que eu deveria seguir

Naquele momento

Desejei partir

Ao romper a aurora

Porque me amava

A princesa que me criava

Mandou-me embora

Ah! Itacoatiara

Cento e quinze anos

De solidão, de ferida

De exilio, de sangria

Ás tuas raízes

O que tiveste

Já se foi

O que chegou de bom

Não pode ficar

Não deram guarida

Ah! índia donzela

A tua morenice

Está ficando amarela

E tu eras tão bela!

Vejo teu semblante

Embebecido, drogado

Anestesiado

Vejo teu corpo

Adormecido, machucado

Prostituído

Vejo teus braços

Cruzados, acorrentados

Acomodados

Vejo teus cabelos

Envelhecidos

Tua mente esclerosada

Abandonada

Vejo tuas mãos calejadas

Teus pés inchados

Tua voz silênciosa

Teu olhar pedinte

Vejo teu povo infeliz

Cheio de cicatriz

Ah! Pedra Pintada

Tu tiveste teus baluartes

Amantes, apaixonados

Que por ti morreram

Que por ti pereceram

Foram poucos

Reduzidos estão

Mas são da melhor fibras

Daquela fibra de jutais

Daquela fibra que são

Nossos caboclos rurais

Ah! sereia inocente

Verás ainda com alegria

Os teus descendentes

Hoje dispersos

Em outras plagas

Que outrora entre lágrimas

Tiveram que largar tuas saias

Para a duras penas

Buscar tudo isso

Que careces agora

Voltarem às tuas raias

Esperançosos, revigorados

Para em sintonia

Com os que aqui estão

Resgatar teus valores

Libertar teus amores

Dar outro rumo

Para tua meninice

Para tua juventude

Para tua velhice

E mais que tudo

Torna-te valente

Torna-te competente

Mostrar-te sorridente

Minha amada princesinha!…

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