Darlinda Rego da Silva
Nascida em Itacoatiara, em 1953.
Jornalista pela UFAM e relações públicas. Em 1970, obteve o 1º lugar no concurso de poesias livre do Colégio Vital de Mendonça, em Itacoatiara. Diretora do Jornal Pedra Pintada de Itacoatiara. Melhor jornalista do ano 88/89 do Amazonas, com a matéria “Depredação da Amazônia Assusta o Mundo”.
Participação: lll CONPOFAI/88
Poema: “Liberdade de Criança Travessa” (Premio 2º lugar, dividido com Carlos Alberto Brasil Ferreira e Jean Elane Lopes)
Fui criança pobre e humilde
Corri nas ruas enlameadas
Nadei rios de correnteza
Enfrentei banzeiros de barcos e navios
Só respeitava o apito da “Burra Preta”
(Uma lancha veloz que provocava desastres)
Trepei em arvores
para colher frutos saudáveis
Brinquei nos quintais enfolharados
Tomei banho de chuva
colhendo mangas debaixo dos mangueirais
Escorreguei nas enxurradas
Senti o vento forte dos temporais
Fiz cacimba no olho d’água
Preparei para os coleguinhas
armadilhas na serragem,
Fiz igrejinhas de areia barrenta
Lavei roupa na beira do rio
Carreguei lata d’água na cabeça
Inebriei-me com o luar
Contei as estrelas
Fui atrás da lua quando ela queria me deixar
Acompanhei o Pôr-do-Sol
escondido por detrás das árvores
com reflexo nas águas do rio amazonas
Abri os braços, dei muitos abraços no vento
Curtindo a liberdade
de criança travessa
Ouvi dos mais velhos estórias de visagem
da cobra grande, do boto tucuxi
do bicho folharal, da gata borralheira…
Andei muito de bicicleta
sentindo-me como um pássaro
ao descer a rampa do mercado municipal
Corri… corri… redei, rodei…
até ficar tontinha
joguei bola e bolinha
Brinquei muito de casinha
Eu Criança humilde, livre e travessa
sempre rodeada de cunhantãs e curumins
fiz meus brinquedos de caroços de tucumã
carteiras de cigarros e
tampinhas de garrafas
Do leite da seringueira
fiz minha de pelada
De retalhos de pano e meia usada
fiz minha bruxa amada
Empinei papagaio
Derrubei frutas e latas empilhadas
com baladeiras e bolinha de tabatinga
Pendurei-me atrás das carroças
Encenei teatrinho no fundo do quintal
Fui macaca de auditório no grupo escolar
Corri atrás de palhaços de circo
Fiz de galhos de árvores meu trapézio
Andei de perna de pau
e de sapato de lata de leite
Brinquei de roda, de manja
e de 31 alerta!
E para completar
brinquei de murros na rua
E apanhei muitas surras
por causa de tudo isso
Mas fiz e fui FELIZ
Eu CRIANÇA; humilde, livre e travessa.
lV CONPOFAI /89
Poema: “Minha Amada Princesinha” Premio 1º lugar dividido com Quitéria Pereira) e ainda o Premio de Melhor Interprete.
Cansada de um dia exaustivo
De batalhar pela vida
No aconchego do meu lar
Tirei um tempo para orar
Entreguei meu corpo dolorido
Minha cabeça latejante
Meu coração partido
Em oferenda ao Senhor!
Adormeci pensante
Na minha paixão
Desenfreante
Ela é uma cidadã
Indefesa
Do baixo Amazonas
Princesa
Pariu-me, acalentou-me
Serviu-me de berço…
Alimentou-me
Com carne fresca
Leite de cabras
Peixe batendo abas
Bicho de casco
abundante…
E frutos regionais
Dos seus férteis quintais
Educou-me com religiosidade
Com preceitos morais
E muita simplicidade
Um belo dia
Na minha mocidade
Ao olhar o por do sol
Lá da praça do relógio
Vi um horizonte reluzente
Indicando caminho diferente
Que eu deveria seguir
Naquele momento
Desejei partir
Ao romper a aurora
Porque me amava
A princesa que me criava
Mandou-me embora
Ah! Itacoatiara
Cento e quinze anos
De solidão, de ferida
De exilio, de sangria
Ás tuas raízes
O que tiveste
Já se foi
O que chegou de bom
Não pode ficar
Não deram guarida
Ah! índia donzela
A tua morenice
Está ficando amarela
E tu eras tão bela!
Vejo teu semblante
Embebecido, drogado
Anestesiado
Vejo teu corpo
Adormecido, machucado
Prostituído
Vejo teus braços
Cruzados, acorrentados
Acomodados
Vejo teus cabelos
Envelhecidos
Tua mente esclerosada
Abandonada
Vejo tuas mãos calejadas
Teus pés inchados
Tua voz silênciosa
Teu olhar pedinte
Vejo teu povo infeliz
Cheio de cicatriz
Ah! Pedra Pintada
Tu tiveste teus baluartes
Amantes, apaixonados
Que por ti morreram
Que por ti pereceram
Foram poucos
Reduzidos estão
Mas são da melhor fibras
Daquela fibra de jutais
Daquela fibra que são
Nossos caboclos rurais
Ah! sereia inocente
Verás ainda com alegria
Os teus descendentes
Hoje dispersos
Em outras plagas
Que outrora entre lágrimas
Tiveram que largar tuas saias
Para a duras penas
Buscar tudo isso
Que careces agora
Voltarem às tuas raias
Esperançosos, revigorados
Para em sintonia
Com os que aqui estão
Resgatar teus valores
Libertar teus amores
Dar outro rumo
Para tua meninice
Para tua juventude
Para tua velhice
E mais que tudo
Torna-te valente
Torna-te competente
Mostrar-te sorridente
Minha amada princesinha!…
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