segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O JOGRAL DE NOSSA SENHORA



Por Paulo Coelho
Na véspera do natal, um milagre especial aconteceu na abadia de Melk: Nossa Senhora, levando o menino Jesus nos braços, resolveu descer à Terra para visitar o mosteiro.
Orgulhosos, todos os padres fizeram uma grande fila, e cada um postava-se diante da Vigem, procurando homenagear a Mãe e o Filho. Um deles mostrou as lindas pinturas que decoravam o local, outro levou um exemplar de uma Bíblia que havia demorado cem anos para ser manuscrita e ilustrada, um terceiro disse o nome de todos os santos.
No último lugar da fila o noviço Buckhard aguardava ansioso. Seus pais eram pessoas simples, e tudo que lhe haviam ensinado era atirar bolas para cima e fazer alguns malabarismos.
Quando chegou sua vez, os outros padres quiseram encerrar as homenagens, porque o antigo malabarista não tinha nada de importante para dizer, e podia desmoralizar a imagem do convento. Entretanto, no fundo do seu coração, também ele sentia uma imensa necessidade de dar alguma coisa de si para Jesus e a Virgem.
Envergonhado, sentindo o olhar reprovador dos seus irmãos, ele tirou algumas laranjas do bolso e começou a jogá-las para cima e segurá-las com as mãos, criando um belo círculo no ar, igual ao que costumava fazer quando ele e sua família caminhavam pelas feiras da região.
Foi só neste instante que o Menino Jesus começou a bater palmas de alegria no colo de Nossa Senhora. E foi para ele que a Virgem estendeu os braços, deixando que segurasse um pouco a criança, que não parava de sorrir.
baseado em uma lenda medieval

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

SONHO DE PESCADOR


Autor: José Lemos
Madrugada ainda, quando Manoel Antero foi bater á porta do seu compadre Chico Dias para a combinada pescaria, cujo resultado, traria a garantia do almoço, para a turma comprometida na preparação da área destinada ao plantio do jutal do seu Chico; que todos os anos era feito da mesma forma, ou seja, troca de trabalho; comum naquela época, quando não era ainda usado a habitual forma de pagamento diária. Era o tradicional Ajuri ou Puxirum quando o dono do serviço ficava comprometido a prestar a qualquer dos participantes a ajuda que lhe era oferecida no momento.
Era simplesmente a “troca”, valida também quando o assunto era alimentação. Quando algum matava um tambaqui ou uma caça, o produto era repartido irmanamente entre os vizinhos, que faziam o mesmo, religiosamente.
Chico Dias, depois de quebrar jejum, saiu com seu apretecho de pesca, na companhia de Antero, posta a canoa em condições foram em busca do local onde o peixe era muito abundante, apesar de como sempre acontece, existir a infalível “pousada”. No lançamento, seu Dias deixou a tarrafa descer toda a extensão da corda, para iniciar o recolhimento. Aí sentir que a mesma engatada, no fundo, pois apesar do esforço, não conseguiu trazê-la á torna. Na ocasião, o sol já estava esquentando, e depois de longo bate papo, abriram a garrafa de cachaça e começaram as intermináveis histórias, quando Antero resolveu descer para desengatar a tarrafa, presa em algum toco. Pediu ao companheiro que segura-se firme a corda que o guiaria até o fundo. Na metade da descida Antero sentiu falta de ar e como um relâmpago retornou a superfície, quase entregando os pontos.
Depois de tomar mais um gole, sentindo-se capaz de desempenhar seu intento, desceu novamente e foi diretamente onde estava a tarrafa, por sinal abarrotada de peixes. Lentamente retirou-os, e um a um foi enfiando num cipó que encontrou próximo. Livre a tarrafa, a pinga começou a fazer efeito e nosso herói resolveu descansar um pouco deitado no próprio toco onde a mesma estava subjugada, aproximadamente oito metros de profundidade. Depois de fumar um cigarrinho, pegou no sono. Até ser acordado pelo movimento brusco da tarrafa que estava sendo içada já pela Dona Elvira, que preocupada com a demora veio em busca do seu Chico que dormia a todo pano, completamente bêbado, no porão da canoa. O pessoal que iria trabalhar no roçado, estava pronto a receber o corpo de Antero, que tudo indicava vinha subindo enrolado na rede de pesca onde pouco antes lhe servira de leito. Se houvesse naquela ocasião, aparecido uma cobra tocando sanfona, não causaria tanto assombro quanto da aparição com vida, do Antero. Foi uma debanda geral e talvez daqui algum tempo voltem a pensar no roçado do Chico Dias.
Foi uma luta, convencer ao Antero a não voltar a mergulhar no local, pois o mesmo queria porque queria, ir buscar os peixes esquecidos nas profundezas das águas, todos devidamente enfiados e que não serviram para o almoço, nem mesmo dos pinguços.

PARANÁ DO RAMOS


Autor: José Lemos
No ano de 1957, quando estive no Paraná do Ramos, município de Urucurituba, me foi dada a oportunidade de conhecer mestre Elízio, um morador da região, ótimo carpinteiro e melhor ainda, contador de histórias.
Entre muitas que ouvi, lembro-me de uma relacionada a existência de um boto vermelho (que Jacques Cousteau chamou de cor-de-rosa), velho conhecido de nosso ribeirinhos. Foi assim que mestre Elízio relatou um fato acontecido com o pescador Saturnino Pantoja, que vivia em companhia da mãe e de dois irmãos menores e que após a morte de seu pai ficou sob sua responsabilidade para sustento e guarda da família. Sua mãe sempre o aconselhava para que não pescasse à meia noite, hora, para ela, sagrada como o meio dia, quando até os animais param para descansar. Saturnino nunca obedecia, pois achava ser aquela hora a melhor para pescar, devido o silêncio que sempre acontece no fim da noite e início do novo dia. Seus ouvidos acostumados podiam ouvir o barulho dos peixes se movimentando nas águas, principalmente o maior deles, o pirarucu, que em determinado espaço de tempo vem à tona para respirar e na volta às profundezas do rio faz um movimento brusco com o rabo facilitando ao pescador sua localização e o arremesso da haste em cuja ponta se encaixa o arpão certeiro. Saturnino era um jovem forte e corajoso, incapaz de se intimidar diante de uma situação perigosa que fosse. Não sabia o que era medo.
Certo dia, chegou da roça, já à tardinha, desceu ao porto com a cuia na mão e tomou um banho ligeiro. Jantou na companhia dos seus e foi verificar os apetrechos de pesca, ou seja: haste, arco, flechas, linhas e arpões, matérias indispensáveis à pescaria. Justamente onze horas da noite, embarcou no seu “casco” e dirigiu-se ao local onde sabia que iria encontrar grande quantidade de pescado.
Era agosto, as águas recebiam carinhosamente o sopro da brisa e se movimentavam lentamente, refletindo como um espelho, os raios do luar, transformando o cenário num espetáculo que só a natureza é capaz e um cérebro privilegiado de transformar em palavras a grandiosidade da beleza apresentada pela união: brisa, água e luar. Infelizmente não é o meu caso. Voltando ao nosso personagem que atônito como que lhe era dado observar, esqueceu momentaneamente o porquê de sua presença no local.
Exatamente à meia noite, começou a movimentar sua “montaria” em busca de um local para descer a poita e esperar o aparecimento do primeiro peixe a ser atingido por seu arpão. Não demorou muito a perceber um barulho e movimento estranho na água, como se algo estivesse alertando os peixes do perigo iminente e os levando para outra direção. Saturnino atentou uns minutos e entendeu a causa de tudo. Era a presença de um grande boto vermelho que por verias vezes atingiu o caso de sua frágil embarcação, pondo em risco a estabilidade da mesma.
Sem pensar duas vezes, empunhou sua haste e num movimento rápido atingiu com o arpão o dorso do intruso, que ferido gravemente se pôs a debater nas águas provocando um barulho infernal, ao mesmo tempo em que um silvo pavoroso cruzou os ares e imediatamente apareceram dezenas de botos vindos em socorro do chefe. Saturnino sentiu uma espécie de topor que o fez adormecer de pronto. Tempos depois despertou no xadrez de uma delegacia, cercado de soldados, todos fardados de vermelho. Foi levado á presença do subdelegado para ser submetido a interrogatório sobre o crime cometido contra autoridade policial.
Sem ainda entender o que estava acontecendo, foi levado a uma sala, onde viu em cima de uma mesa, coberto com um lençol branco um corpo bastante volumoso e quase inerte. Ao lhe ser mostrada a vítima, recebeu o ultimato de salvá-la ou ter que ficar preso para sempre. Um suor frio desceu do seu rosto em bica pelo corpo todo, parecendo ter saído da água naquele momento. Grande foi sua surpresa ao verificar que seu paciente era nada mais, nada menos que o boto horas antes arpoado por ele. Pondo em prática seus conhecimentos retirou o arpão alojado no corpanzil do “delegado”. Voltando à presença da autoridade de plantão, ficou sabendo que havia cometido um crime contra a pessoa de maior autoridade policial local, que em serviço fazia a ronda no lago onde aconteceu o fato antes narrado. Foi aconselhado a não repetir o delito, o que prometeu sob juramente, na presença de todos os policiais.
Passado pouco tempo, como a acordar de um sono agitado, Saturnino se viu dentro de sua embarcação, porém muito distante de sua casa. Mesmo sendo grande conhecedor da região não pôde de primeira, entender onde estava. Aos poucos foi se orientando até conseguir a direção correta. Chegando em casa já bem tarde onde seus familiares o esperavam alvoroçados, como pressentimento que Saturnino tinha tido o mesmo fim do pai, morto em uma pescaria. Todos ficaram felizes e Saturnino nunca mais foi à pesca no horário que lhe era comum. Passou a pescar sempre muito antes da meia noite como aconselhava sua mãe.

O BAILARINO ALADO


Autor: José Lemos
Sempre que ligava a televisão, para assistir noticias do Estado, através do canal Ajuricaba, era comum assistir nos intervalos, o show apresentado por um filhote de socó, que no ritmo da música, dava uma demonstração de um verdadeiro dançarino. Não sabia o porquê do repentino desaparecimento do pássaro até que um dia resolvir fazer uma viagem imaginaria, ao interior do município de Nova Olinda do Norte, precisamente ao lago do cajui, onde encontrei uma família de nordestinos, remanescente dos soldados da borracha, que no tempo da guerra, eram recrutados no Ceara para trabalharem no Amazonas e Acre, na extração do látex da seringueira.
Ainda no seu estado, eram-lhe dito da facilidade de se trabalha na produção da borracha. Para eles era só cortar a árvore e colher a matéria prima já acabada, no ponto de ser vendida ao comprador. Puro engano.
Seu Bonifácio e os filhos, Cícero de dez anos, Sebastião de onze e Zé Mario de doze, vieram em busca do Eldorado prometido.
Chegaram a Manaus no ano de 1942 e depois de poucos dias numa hospedaria, juntamente com os milhares de conterrâneos foram embarcados para os seringais do Acre. Vou deixar de contar o resto da história da família do seu Bonifácio, pois já desviei bastante do assunto “Socó”.
Os três irmãos já mencionados, todos já eram casados e com netos, um dos quais era agora, uma espécie de chefe da casa, ou melhor da comunidade, pois viviam na mesma propriedade adquirida por eles, logo depois do fim da guerra.
Conversando com o mais novo da turma, o Zezinho, de quinze anos, fiquei sabendo a verdadeira história do nosso personagem. Criado desde pequenino, o pássaro era colocado num varal, bem ao lado de uma janela de onde todos os dias ele ouvia músicas tocadas num velho gramofone, e sempre repetidas, por falta de outros discos de vinil.
Assim o socozinho ia, no afam de se equilibrar no varal, apresentado o seu balé involuntário, um dia um visitante ficou tão impressionado, que resolveu filmar aquela dança que terminou sendo apresentada na televisão.
Gabriel, o dono do pássaro, depois de muita insistência conseguiu autorização do pai para sair em buscar do fujão, que já causava muita saudade em todos da comunidade.
Formada a expedição, composta por três membros da família, Gabriel, Cícero e marcos a fim de levar a bom termo a empreitada. No terceiro dia de viagem, já bem longe do local da partida acamparam sob a sombra de uma grande sumaumeira e lá pernoitaram, sem antes combinarem que o dia seguinte seria o ultimo da tentativa para encontra o “filhotinho” de socó desaparecido.
Bem cedo, estavam ainda levantando acampamento quando ouviram não muito longe uma espécie de concerto, formado por cânticos de vários pássaros, todos conhecidos pelos membros da expedição. Logo se aproximaram e qual a surpresa da turma ao verem a frente da orquestra, como um verdadeiro regente, o motivo de toda trabalheira. Um socó imponente e altivo comandava uma turma imensa de pássaros vários, todos perfilados seguiam as instruções do chefe. No final, ensaiaram uma dança tão bem executada que os nossos amigos esqueceram completamente o motivo da viagem. Agora só viam o que estava acontecendo e o porquê da beleza apresentada pala natureza, principalmente àquela hora da manhã.

LIGEIREZA


Autor: José Lemos
Todos a chamavam de melindrosa, pois quando passava ia deixando um rastro de soberbia pelo chão. Era funcionaria pública e gosava de prestigio junto à chefia.
Naquele fim de mês, lá vai ela toda lampeira receber seu polpudo ordenado, depois de se emperiquitada pegou sua ronda e lá se foi rumo a repartição empregadora, tinha que cumprir suas obrigações mensais, ou seja devia assinar recibo na folha de pagamento o que por si só já justificaria um pedido de aumento. Todo fim de mês era aquele trabalhão, ter que ir “justificar o seu honesto rendimento, sem perda de tempo, cheia da grana, foi em direção ao magazine para as compras habituais. Por infelicidade, ao subir o primeiro degrau, escorregou, e em menos de um segundo estava de pé e dona de toda pose, olhou para os lados e viu um bêbado sentado no meio-fio da calçada e ainda assustada perguntou-lhe: viu minha ligeireza? Ao que o bêbado respondeu “vi...só não sabia o nome”.

O DONO DO MUNDO


Autor:José Lemos
O pescador preparou sua canoa e convidou seu compadre para uma excursão às proximidades da cidade, a fim de efetivar uma pescaria, a cata de peixe liso, cuja venda já acertada com um certo frigorífico, lhe garantiria as despesas do mês. Tudo nos conformes, ao chegarem num local onde achavam apropriado, lançaram a poita e começaram na labuta costumeira. Linha mágica, não demorou para o primeiro pescado ser visgado e iniciou o trabalho para o embarque. Nesse instante, também surgiu os primeiros raios de sol e localização da embarcação ser revelada. Estavam além do porto da hermasa. A luta para tontear o peixe continuava quando ouviram uma ordem vinda de terra- “você divida esse peixe bem no meio e dê uma banda para este aleijado” esta área toda me pertence.
O pescador, sentindo-se um vassalo, aproveitou as forças que ainda restavam a imbiara, e tratou de glosar a linha de encontro a madeira da canoa, de forma enfraquecer-la e propiciar ao peixe livrar-se daquela situação, na primeira tentativa.
Em seguida, remou em direção ao liso, ou melhor, para o meio do rio, e de lá, gritou para o dono do pedaço: chefe me dê licença de tomar um pouco da sua água.

O CORNETEIRO


Autor: José Lemos
Pipoca acordava feliz da vida, iniciando logo a jornada diária, sua venda de picolé, não esquecendo nunca a propaganda feita através da tradicional corneta, anunciando o picolé mais gelado da cidade. Um freguês assíduo e muito amigo, notou a tamanha alegria do picolezeiro e quis saber o motivo, depois de muita insistência ficou sabendo, pois conseguiu que pipoca lhe contasse tudo. Após a noite de sua primeira mulher, já havia conseguido companhia de umas seis ou sete amasias. Todas enfeitaram
, por traz de uma folhas, um vulto que logo identificou ser de um soldado que fazia sinal para sua companheira. Pipoca entrou na casa e com um rolo de papel higiênico na mão partiu em direção ao policial que já ia saindo da privada. Ofereceu-lhe papel e ele educadamente agradeceu “muito obrigado, já estou de saída.” A viúva foi a última na sua relação, apenas com a a sua cabeça. A última, uma viúva juramentada, uma perfeição de honestidade, com muita lábia foi viver em sua casa. Estou feliz, pensando que afinal havia encontrado a mulher ideal.
Foi ao supermercado e adquiriu um rancho para todo o mês. De passagem pelo mercado, comprou bastante peixe, o que foi prontamente tratado, causando ao nosso Pipoca sentimento de culpa. Sentiu remorso pelo enorme trabalho que estava dando a sua recém conquistada. Da porta da cozinha, avistou no fundo do quintal, por traz de umas folhas, um vulto que logo conheceu ser de um soldado que fazia sinal para sua companheira. Pipoca entrou na casa e com um rolo de papel higiênico na mão partiu em direção ao policial que já ia saindo da privada. Ofereceu-lhe papel e ele educadamente agradeceu “muito obrigado, já estou de saída”. A viúva foi a ultima na sua relação, apenas com a sua corneta continuou...