domingo, 30 de agosto de 2009

FECANI

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
AUTOR: EDER GAMA

INTRODUÇÃO

Em pleno século XXI, é notório nos discursos representacionais sobre a Região Amazônica a possibilidade de um desenvolvimento ambientalmente correto, auto-sustentável, onde o ecoturismo e o turismo de eventos apareçam como alternativas aos processos de desmatamento da Amazônia e poluição do meio ambiente. Observa-se que as festas tem se tornado para as cidades da Amazônia uma alternativa econômica para o desenvolvimento turístico de suas expressões artísticas e culturais locais, utilizando-se das imagens estereotipadas do exótico e dos discursos ambientais. Mas, a medida que as festas ganham projeção local e regional, surge o embate das culturas populares frente ao mercado capitalista que se projeta na cidade, em uma conjuntura quase que desigual da produção, circulação e consumo no mercado de bens culturais nesta região.
Dessa forma, a festa em si pode ser tomada como uma ação de simbolização, na qual é representado um evento ou uma figura revestida de importância para a coletividade festeira. Nela se encontram tanto os ritos, as celebrações sagradas ou religiosas, como as comemorações políticas, eventos realizados com danças, músicas, brincadeiras, comidas e jogos. Compreender a festa, requer nesse sentido, ver e sentir as representações e imagens materiais que a envolvem.
Nesse aspecto, o tema do presente estudo é o Festival da Canção de Itacoatiara (FECANI), no município de Itacoatiara, no Estado do Amazonas, com a descrição no contexto do vigésimo segundo FECANI e comparações de outras edições do evento. Buscou-se realizar etnografia do Festival da Canção de Itacoatiara, no sentido de compreender os seus significados, para os diferentes sujeitos sociais que participam anualmente, durante a primeira semana do mês de setembro, numa perspectiva local e regional.
Para isso, procurou-se identificar e compreender os diferentes grupos de pessoas que participam do festival, como os que promovem o evento, os que concorrem nos concursos e disputas esportivas e aqueles que se envolvem nas práticas comerciais desenvolvidas no contexto do FECANI. No sentido de perceber as relações sociais estabelecidas entre os grupos, no âmbito da festa, uma vez que existem diferentes interesses estabelecidos nesse campo. Compreender o contexto de surgimento do FECANI na cidade de Itacoatiara e no Brasil, no sentido de perceber o formato de festival estabelecido pelos organizadores e patrocinadores do evento frente às representações que se tem de Amazônia, materializado nos cenários e espaço físico do Centro de Eventos de Itacoatiara, bem como nas propagandas de divulgação e nas letras das canções e concursos artísticos expressadas pelos seus concorrentes. E por fim, avaliar a repercussão do FECANI na cidade de Itacoatiara e no Estado do Amazonas. Considerando o desenvolvimento e dinâmica do festival, frente ao desenvolvimento urbano e turístico, as suas várias formas de divulgação, por meio de mídia como rádio, televisão e internet, para a região Norte e todo o território nacional.
Do ponto de vista metodológico, fez-se a observação participante no contexto do XXII FECANI (2006), tomando o momento de preparação, fruição e a fase seguinte ao término do festival, nesse caso, adquire importância a consulta do texto etnográfico do XX FECANI (2004) e anotações no decorrer do XXIII FECANI (2007), procurando compreender os fatos mais importantes para os sujeitos envolvidos nos eventos. Conforme as idéia de Geertz (1978, p. 20-25) de uma descrição densa, uma etnografia parte primeiramente de uma coleta de dados na construção do diário de campo, baseado na multiplicidade de estruturas conceptuais complexas, muitas delas sobrepostas ou amarradas umas as outras que são simultaneamente estranhas, irregulares e inexplícitas, onde o pesquisador precisa de alguma forma, primeiro apreender e depois apresentar em um texto etnográfico os dados empíricos coletados no contexto do campo de investigação.
No decorrer da pesquisa de campo, foram realizadas entrevistas do tipo qualitativas, com um questionário semi-estruturado. Totalizando 45 entrevistas, dividida entre pessoas que trabalham na coordenação do FECANI, concorrentes nos diferentes concursos, artistas plásticos, trabalhadores temporários, barraqueiros, vendedores ambulantes, pessoas da própria cidade, visitantes e turistas. As entrevistas foram importantes, pois nos ajudou a não perder de vista o objeto em questão, obedecendo a uma escolha cuidadosa do entrevistado, para que se estabelecesse um clima de confiança, no sentido de revelar a riqueza de sentimentos, opiniões e atitudes da pessoa que relata (Queiroz, 1982).
Buscou-se na consulta de materiais bibliográficos, nas documentações da Associação dos Itacoatiarenses Residentes em Manaus (AIRMA), como atas de reuniões, informativos e jornais impressos registros que relatam o surgimento do FECANI e suas várias edições, no município de Itacoatiara, no sentido de cotejar os depoimentos dos entrevistados com os documentos que relatam o festival, com a finalidade de obter elementos empíricos referentes à importância social, política, econômica e cultural do FECANI. Ginzburg (1991, p. 210) afirma que a verificação de documentos de época deve considerar o código interpretativo de escrever, pois, o que temos num texto são vozes contraditórias e não realidades contraditórias. Lang (1991, p. 81) considera que a análise de material de imprensa constitui uma fonte de grande interesse para o pesquisador, pois permite conhecer não apenas os fatos, mas sua cronologia, entretanto, requer certo cuidado, pois deve-se considerar que há diferentes instâncias na orientação do jornal ou periódico, que podem estar relacionados aos grupos de origem. Maria Isaura P. Queiroz (1982, p. 96) considera que os depoimentos de informantes sem a intervenção direta do pesquisador, têm uma ligação muito menor com o pesquisador, e se aproximam dos documentos históricos, isto é, dos conjuntos de informações escritas ou gravadas, que gerada no passado se criaram sem a mediação que no presente visam utilizá-los.
No transcurso da observação do festival, buscou-se por meio das fotografias registrar os pontos altos e de maior importância do evento, resultando, ao fim deste trabalho, numa etnografia visual. Para Enzo Spera (1995, p. 71) a fotografia é considerada na cultura popular como uma representação real, como marca, o prolongamento da própria pessoa do individuo de quem foi feito o retrato e com a qual a reprodução permaneceria inteiramente solidária. Utilizou-se também o material de divulgação e imagem em vídeos registrados pela AIRMA para perceber a dinâmica cultural que o FECANI vem passando no decorrer do tempo. A análise desse material nos permitiu fazer análise e chegar às interpretações descritas neste estudo.
O primeiro capítulo, O FECANI no contexto dos Festivais de Canção no Brasil e as representações de Amazônia na construção do Festival faz-se referência à literatura sobre festivais de canção das décadas de sessenta e setenta no Brasil do século XX, com sentido de refletir o contexto de criação do FECANI e perceber a sua dinâmica na cidade de Itacoatiara. Bem como identificar quais seriam as representações de Amazônia que se expressam no evento, considerando a preparação dos organizadores para a festa através de divulgação pela mídia televisiva, escrita e falada para os Estados da região Norte, as composições musicais e as representações artísticas dos concorrentes.
Perceber como se processou a construção da Música Popular Brasileira (MPB) desde a implantação do Estado Novo, na década de trinta, até meados dos anos oitenta do século XX, reconhecendo a valorização das peculiaridades de cada Estado brasileiro frente a um mundo globalizado.
Os mais diferentes ritmos e gêneros musicais tocados no FECANI são frutos de uma participação dos cantores, que de certa forma, circulam em festivais no Brasil e região Norte, mas não somente, ainda permanece nesses palcos o aspecto revelador de novos talentos, inclusive com participação dos Itacoatiarenses nos diferentes concursos agregados ao Festival, revelando a dimensão do evento.
Os autores que utilizaremos para tratar dos festivais de música no Brasil e cultura popular são: Arantes (1981), que nos permite perceber as diferenças entre cultura popular e erudita; Tinhorão (1998) nos remete para reflexões para história social da música Popular Brasileira no contexto de valorização mediante ao Estado Novo; Caldas (1985) e Campos (1978) discutem a música no momento de criação dos movimentos da Bossa Nova e da Tropicália como expressões nacionais dos contextos sociais vividos pelo Brasil; Bahiana (1979-1980), discute os festivais de música da década de setenta do século XX como elemento chave para a promoção de uma indústria cultural; Goodwin (1986) revela novas formas de produção musical adotadas por músicos oriundos dos festivais, como forma de fugir da industria cultural e Ortiz (1984), que toma a música como elemento agregador de uma identidade nacional.
No sentido de pensar as representações de Amazônia cabe passar em revista as obras de Renan Pinto (2006), onde afirma que a Amazônia é um espaço natural e cultural, onde as interpretações sobre elas são bastante diferenciadas de campos da ciência e do pensamento; Bourdieu (2004), considera que a construção da idéia de região é definida por critérios objetivos de “identidade regional ou etnias, que são objetos de representações estratégicas interessadas de manipulação simbólica” determinadas pela “representação mental que os outros podem ter dessas propriedades e dos seus portadores”. Dessa forma, nos permite compreender as reivindicações de algumas representações identitária que são expressas no FECANI, tal como o termo caboclo.
No segundo capítulo, A “Velha Serpa” e o Festival da Canção de Itacoatiara, buscou realizar uma descrição densa do festival no sentido de perceber as diferentes condutas sociais dos sujeitos nos vários espaços encontrados no Centro de Eventos e na cidade. Além de tentar notar na cidade em que medida se dá a importância cultural, turística e econômica proporcionada pelo evento. Com observação participante no decorrer do XXII FECANI (2006), anotações feitas durante o XXIII FECANI (2007) e comparações estabelecidas entre a etnografia do XX FECANI (2004) constatou-se que o Festival agrega diferentes categorias de pessoas e instituições, sobretudo as locais. Os indivíduos que participam desse evento musical, com as suas composições, são oriundos, sobretudo, da região Norte: Amazonas, Pará, Amapá e Roraima; além de outros estados brasileiros como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
Tendo a música como carro chefe do Festival, agrega outras manifestações e atividades consideradas artísticas e culturais em nível de cidade (local), ao campo da poesia, artes plásticas, pintura, artesanato de palha, culinária regional, artes cênicas, “estória oral” e cinema amador. Quanto ao poder público Municipal e Estadual, pode-se considerar que ambos tem aumentado os seus interesses no evento ao longo dos anos, investindo recursos financeiros para a sua realização, bem como as empresas e comércios de expressão Regional e Nacional.
A relevância deste estudo dá-se no sentido de aprofundar as reflexões teóricas sobre o FECANI, uma vez que em um estudo pré-liminar no trabalho de conclusão de curso em 2004, notou-se a importância do evento para as pessoas do lugar e a complexa rede de relações que mantém em uma estrutura organizativa que vai para além da época de sua fruição. As observações sempre foram iniciadas nos períodos de divulgação do evento na mídia televisiva na cidade de Manaus no mês de agosto, até o momento de sua fruição, bem como a sua repercussão na cidade de Itacoatiara.
Considera-se como trabalho de campo, todo o período da pesquisa, nos arquivos públicos e acervos particulares, fazendo compilações de jornais, revistas e periódicos. Além de entrevistas formais e informais com os coordenadores, membros das comissões de trabalho, e os sujeitos envolvidos de forma direta e indiretamente na realização do festival, sem falar na contribuição de pessoas e visitantes que contribuíram para compreensão do referido estudo. Este capítulo aponta para uma estrutura organizacional efêmera e complexa no tempo do FECANI. Os concursos do festival revelam certa valorização dos sujeitos que pensam a cidade, ao mesmo tempo em que eles reivindicam atividades permanentes no campo das produções culturais, artísticas e esportivas.
O terceiro capítulo, Festa e Espetáculo: o FECANI no contexto Amazônico, busca fazer uma interpretação antropológica do Festival da Canção de Itacoatiara, a partir dos modelos teóricos de espaço-tempo, evento e estrutura, fato social total, destradicionalização e espetacularização, buscando revelar pela descrição da festa a dimensão local e regional expressadas nas manifestações do evento. Tomando o significado do FECANI e as relações sociais estabelecidas entre as diferentes categorias de pessoas e instituições que participam na organização e atividades do evento.
O capítulo deixa entrever a discussão em torno da configuração da expansão urbana da cidade de Itacoatiara, tomando o desenvolvimento do FECANI como ponto de partida para análise, no sentido de averiguar em que medida o festival representa importância turística, econômica e cultural para a cidade.
Tratar da categoria espaço-tempo requer pensar no espaço que vem sendo pensado e construído para fruição do FECANI no âmbito da cidade, bem como o entendimento do desenvolvimento das cidades na Amazônia. David Harvey (2005, p. 201) ressalta que o tempo e o espaço não podem ser compreendidos independentemente da ação social. “A história da mudança social é em parte apreendida pela história das concepções de espaço e de tempo, bem como dos usos ideológicos que podem ser dados a essas concepções”. Nesse sentido, pode-se inferir que é nos processos de reprodução e da transformação das relações sociais que surgem formas gerais de aproveitamento dos espaços e o seu uso, criando demandas públicas de uma ação governamental e formas culturais. Jose Aldemir de Oliveira (2006, p. 05) salienta que as dimensões sócio-espaciais na Amazônia são compartilhadas de modos diferentes do que era. Novos sujeitos, indígenas, movimentos sociais, empresas, Organizações Não Governamentais (ONG’s) e mídia produzem espacialidades diversas e articulam as estruturas preexistentes quase sempre locais às dimensões globais.
Para pensar de que forma o evento e estrutura vão se construindo no FECANI, buscou-se o entendimento em Marshall Sahlins (1997) onde “um evento não é somente um acontecimento do mundo; é a relação entre um acontecimento e um dado sistema simbólico”. O autor analisa o evento ocorrido no encontro do povo havaiano com aventureiros europeus, numa possível teoria da história, da relação entre “estrutura” e “evento”, que se inicia com a proposição de que a transformação de uma cultura também é a sua reprodução.
Appadurai (1996) nos ajuda a pensar de que forma se tem na cidade a produção de localidade. No sentido de compreender essa localidade, a partir do simbolismo espacial dos ritos de passagem, pois para ele, estes ritos não são simples técnicas mecânicas de agregação social, são técnicas de produção de nativos. Ele afirma que os ritos são gerador de uma localidade, porque dependendo do lugar, adquire aspectos e formas próprias produzidas pelas relações sociais.
E para pensar como vem ocorrendo o processo de recreação e reprodução da paisagem urbana no contexto da cidade de Itacoatiara tomando o FECANI como referência, bem como o de verificar o processo de vinculação identitária dos sujeitos sociais tomando os estereótipos produzidos no contexto do evento. Carlos Fortuna (2002) ao estudar o processo de representações no processo de transformação das paisagens urbanas de algumas cidades portuguesas, dentre elas, a cidade de Coimbra que é tida como “A cidade dos Estudantes”, reconhece que “os estereótipos constituem uma importante fonte de pressão para a produção de inferências a partir da informação que veiculam, ganhando importância analítica enquanto condicionante dos processos e dos discursos representacionais”.
As discussões desenvolvidas no terceiro capítulo, nos mostra que o FECANI inaugura um processo de destradicionalização da cidade de Itacoatiara na articulação dos aspectos de tradição e inovação, considerando todo um aparato de uma cidade do tipo intermediária na Região Amazônica, onde o processo de destradicionalização pela qual a cidade está passando,que é o de revalorização dos seus recursos reais e potenciais frente ao mercado inter–cidades. O FECANI, enquanto produto, vem passando por uma crescente espetacularização, transformando as manifestações populares que foram sendo agregadas no decorrer do tempo em uma festa-mercadoria para o consumo cultural de massa.
Algumas questões se fazem necessárias para pensar os capítulos seguintes:
Qual é a noção de Amazônia que está em voga nas manifestações artísticas e culturais dos sujeitos presentes no festival? No FECANI, a representação de Amazônia romantizada é proveniente de que tipo de pensamento? Quem são os sujeitos problematizados na representação de Amazônia nas composições do FECANI? A mesma representação de Amazônia proposta pelos organizadores do evento é a mesma manifestada pelos concorrentes dos concursos e público participante? O FECANI configura-se como evento popular ou erudito? Em que contexto social nasceu a idéia de promoção do FECANI? Quem eram os sujeitos envolvidos na concepção dessa idéia? Durante o tempo de observação do FECANI, em 2004, 2006 e 2007, quais foram as mudanças ocorridas nas regras do concurso FECANI? Houve variações de temáticas nas músicas concorrentes?
Faz-se necessário identificarmos a dimensão do espaço-tempo do FECANI com intuito de perceber, em sua produção material, na cidade de Itacoatiara, as relações e realidades históricas tendo como ponto de partida as pessoas que produzem esse espaço e seu uso, o tempo e o seu uso. Tomando, dessa forma, as relações simbólicas do espaço e tempo e suas estruturas, experiências com fim de compreendermos quem somos na cidade e o que queremos. E por fim, de que forma a expressão local das manifestações artísticas revelam-se articulando a região, com a nação e o mundo globalizado?


CAPÍTULO I
O FECANI NO CONTEXTO DOS FESTIVAIS DE CANÇÃO NO BRASIL E AS REPRESENTAÇÕES DE AMAZÔNIA NA CONSTRUÇÃO DO FESTIVAL

1.1 Os Festivais de Canção no Brasil e a Música Popular Brasileira

Pensar um festival de canção como o FECANI, caberia passar em revista a importância cultural da música no contexto brasileiro, uma vez que está implícita a formação da “música popular” brasileira. Conforme Napolitano (2002) “a chamada música popular ocupa no Brasil um lugar privilegiado na história sociocultural, lugar de mediações, fusões, encontros de diversas etnias, classes e regiões que formam o nosso grande mosaico nacional” e que ao longo do século XX, tornou-se “tradutora dos nossos dilemas nacionais e veículos de nossas utopias sociais”. Que nesse sentido, os festivais de música assumem desde o seu surgimento (a partir da década de 1960), o papel de mediação entre as manifestações culturais e populares em relação aos momentos e dramas sociais nos diferentes processos políticos e econômicos ocorridos na sociedade brasileira.
Para longe de uma abordagem histórica da constituição da MPB, pretende-se levar em consideração a importância sociológica e antropológica da produção musical no Brasil, com intuito de entender os diferentes gêneros musicais produzidos e tocados neste país. Partindo da idéia de que a música é boa para ouvir e pensar, concordamos com Napolitano (2002) de que a música popular ou “canção” é um produto do século XX, onde sua forma “fonográfica, com seu padrão de 32 compassos, adaptada a um mercado urbano e intimamente ligada à busca de excitação corporal (música para dançar) e emocional (música para chorar, de dor ou alegria...)”.
Para o autor, a música urbana reuniu uma série de elementos musicais poéticos e performáticos da música erudita (o lied, a chançon, árias de ópera, bel canto, corais etc), e da música “folclórica” no qual ele classifica de danças dramáticas camponesas, narrativas orais, cantos de trabalho, jogos de linguagem e quadrinhas cognitivas e morais e do cancioneiro “interessado” do século XVIII e XIX (músicas religiosas ou revolucionárias). Napolitano (2002) considera que o início da música urbana dá-se no final do século XIX e meados do século XX, estando fortemente ligada à urbanização e ao surgimento das classes populares e médias urbanas. Essa nova estrutura socioeconômica, incentivado por um “capitalismo monopolista”, fez com que o interesse por um tipo de música, estivesse intimamente ligado à vida cultural e ao lazer urbano.
Contudo, nota-se que a música popular consolidou-se na forma de uma peça instrumental ou cantada, disseminada por um suporte escrito-gravado (partitura/fonograma) ou como parte de espetáculo de apelo popular, como a opereta e o “music-hall” (e suas variáveis). Essas duas formas de música popular que se firmaram entre 1890 e 1910. Reconhece-se que a música tornou-se elemento catalisador de reuniões coletivas, voltadas para dança, desde os empertigados salões vienenses aos mais populares “arrasta-pé” passando pelos saraus familiares e pelos não tão familiares bordéis de cais –de – porto, a música popular alimentou (e foi alimentada) pelas danças de salão. Dessa forma, o autor sugere que o estudo da música popular no ocidente deve estar aliado à relação do erudito com o popular.
Napolitano (2002) afirma que “a história da música popular no século XX revela um rico processo de luta e de conflitos estético e ideológico”. Nesse processo, os vários elementos que foram tema de discussão (formais e informais), alvo de políticas culturais (estatais ou não), foco de apreciações e apropriações diferentes, objeto de formatações tecnológicas e comerciais. Para ele, nas Américas, o lugar social da música popular e a fragilidade do sistema da música erudita tornaram-no mais complexo e, ao mesmo tempo, mais rico, na medida em que a música popular atraia alguns músicos talentosos e desgarrados de suas vocações eruditas e elitistas. Nos diversos países das Américas, no processo de afirmação da música popular nacional e da música erudita “nacionalista”, não só o mundo erudito buscou suas inspirações no popular (o choro para Villa Lobos, o samba para Tom Jobim), mas também, o mundo da música popular se favoreceu pelo entrecruzamento menos delimitado de tradições e universos de escuta.
O continente Americano de um modo especial, desenvolveu uma síntese cultural e mantém as especificidades nacionais e regionais, consolidou formas musicais vigorosas e fundamentais para a expressão cultural das nacionalidades em processos de afirmação e redefinição de suas bases étnicas com os diferentes gêneros musicais criados nos diferentes países. Nesse novo continente, o jazz norte-americano, o som e a rumba cubana, o samba brasileiro, que são tidos como produtos diretos da presença africana, articulados com técnicas musicais européias. Por outro lado, a cuenca chilena, tem-se como produto de assimilação de formas musicais ameríndias. O bolero mexicano e o tango argentino são sínteses originais de várias formas européias como a habanera. (NAPOLITANO, 2002: 18).
Nesse processo, pode-se reconhecer que fatores tecnológicos como a invenção da gravação elétrica (1927), o desenvolvimento do cinema sonoro (1928-1933) e práticas comerciais com a expansão da “radiofonia comercial” (1931-1933), foram fundamentais para a consolidação de uma música popular no Brasil e nos países Americanos, que veio se desenvolvendo ao longo das décadas de 1920 e 1930. A esse período e a essas três formas de comunicação ficam associadas diretamente à forma de produção dominante no mercado norte-americano, e em seguida, no mercado internacional a partir do music-hal-Tin Pan Alley-Brodway-Hollywood.
Criavam-se formas plurais dos diversos gêneros musicais que registraram o século XX. O jazz assume nos EUA uma adaptação para o consumo dos brancos. No Brasil, o samba tornou-se música “tipicamente” brasileira. O tango da Argentina assume popularidade mundial nos anos de 1920, depois de um longo processo musical que remontava a meados do século XIX. Hollywood contribuiu para que a rumba fosse tida como sinônimo de “latinidade”, além do “bolero” cubano-mexicano que experimentaram uma enorme expansão, sobretudo entre os anos 1930 e 1950 pelo bom momento que vivia o cinema mexicano. Ressalta-se que a forma musical erudita, foi acentuada a uma forma “rítmica” e pelo andamento mais rápido, voltado para a dança. Nota-se, a partir desse panorama inicial, sobre a música popular nas décadas de 1920 e 1930, sobretudo, no continente americano, que há uma ampla abordagem sociológica e cultural, mas cada vez mais ligado ao negócio da indústria cultural que estava formado, a partir da música, com todo seu aparato tecnológico que, no Brasil, tem influências diretas na formação da Música Popular Brasileira e nos diferentes movimentos culturais que surgiram em decorrência de diferentes processos sociais.
De acordo com Waldenyr Caldas (1985), a música popular no Brasil nasce atrelada aos primeiros centros urbanos. No Brasil do século XVIII, por volta de 1730, as cidades de Salvador e Rio de Janeiro despontaram como as cidades mais progressistas da Colônia. Mas, foi só “a partir do final do século XIX que se configura a síntese da nossa expressão musical urbana através do hibridismo de sons indígenas, negros e portugueses” (CALDAS, 1985, p. 5).
O autor observa que o “cateretê, o lundu e a habanera
[1], são os ritmos de maior significação na formação da cultura musical no Brasil”. Onde, a modinha e o maxixe se tornaram gêneros musicais populares no início do século XIX e, posteriormente, o samba, entre outros gêneros musicais, dos três já citados. Conforme já descrito, não pretendemos estender sobre a história da Música Popular Brasileira, pois se assim o fizermos, teríamos que entender mais a fundo não só a importância lúdica da música, mas também o que ela representa para o povo como divisão, lazer e, principalmente, a sua função social e política em todas as épocas.
Mas, pretende-se perceber os principais fatos históricos que agitaram o Brasil, a partir das décadas de 1920 e 1930. Pois já se reconhecia a música, como a porta voz da população brasileira contra o Estado que, posteriormente, deram subsídios para justificar os festivais de Música Popular como forma de protesto e reivindicação dos direitos civis e a pluralidade cultural. E que, atualmente, no início do século XXI, permanece como uma das formas de expressão cultural no Brasil. Na rede mundial de computadores (internet), é possível encontrar anúncios de festivais de canção nas diferentes regiões do Brasil, através de sites associados. Como é o caso do site
http://www.festivaisdobrasil.com.br/ administrado pela produtora S.A Multimídia que foi criada em 1998 pelo músico e compositor Sérgio K. Augusto, com o objetivo de desenvolver projetos na área musical, sobretudo, para os segmentos dos festivais de música que acontecem anualmente no Brasil, onde os Festivais Anunciantes (Festivais que apóiam o site Festivais do Brasil), compram banners para divulgarem seus eventos, com um valor simbólico para a manutenção do site.
Nota-se, nos estudos sobre Música Popular Brasileira, que com a entrada da música popular (samba do morro) num circuito comercial e comunicacional, ao mesmo tempo, tangenciando elementos da cultura popular e letrada tal como eram definidos na primeira metade do século XX, ela acabou por acompanhar as dinâmicas da própria modernização brasileira, num tipo de expressão modernista diferente daquelas propostas pelos modernistas literários (NAVES apud NAPOLITANO, 2002: 53)
Napolitano (2002) considera que:

A tradição musical brasileira sofria um processo de apropriação pelas novas camadas urbanas (tanto no plano da criação quanto no plano da recepção). Mesmo os grupos sociais que estão na sua origem, como os negros e mestiços, passaram a desenvolver estratégias de inserção nesta nova esfera, ritualizando formas musicais e coreográficas que logo também seriam incorporadas pela tradição (NAPOLITANO, 2002: 53).


Na medida em que o samba vai sendo tomado como figura representativa da música popular e urbana comercial, as Escolas de Sambas (vistos como espaços de tradição) assumem o papel de “diluição cultural”, comparada com o rádio representante da modernidade. O autor utiliza-se da caracterização teórica de “invenção da tradição”, para mostrar que a criação da Escola de Samba no final dos anos de 1920, ganha o sentido de uma estratégia de afirmação simbólica de grupos sociais dentro do sistema musical como um todo e não como “resistência” antimoderna e sectária ao mercado.
Outro fato importante que deve ser levado em conta em uma leitura sobre MPB foi o acontecimento da Semana da Arte Moderna ocorrida nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro do ano de 1922, realizado no Teatro Municipal da cidade de São Paulo, evento que marcou a história da cultura brasileira como o início do modernismo
[2]. Nessa Semana, desenvolveu-se atividades como concertos, conferências e leituras de poesia e prosa, composto por exposição de obras de artes plásticas. Organizado por um grupo de intelectuais que contou com apoio de um rico fazendeiro e comerciante de café que desenvolvia suas transições econômicas na cidade de São Paulo, e com a contribuição do renomado escritor e acadêmico Graça Aranha, recém chegado da Europa.
O modernismo procurou instituir um novo modo de relacionamento entre a cultura erudita (dos letrados, acadêmicos, dos conservatórios, salões) e a cultura popular. A esta altura na década de 1920, nas rodas de choros, nas serestas de ruas e bandas de música, a troca de experiências musicais entre os músicos de formação acadêmica e os músicos “auto de data” para atender o setor de entretenimento urbano. Na produção de bens culturais em mercadorias produzidas em larga escala quanto pela atuação dos artistas e pensadores da cultura, quebra as barreiras produzidas entre o erudito e popular.
Elisabeth Travassos (2000) considera que “o modernismo tingiu-se de uma nostalgia das tradições que derivou em movimentos artísticos nacionalistas”, e no “campo do musical no Brasil, onde o problema da consolidação de uma música liberta dos modelos ditados pelas metrópoles culturais ganhou o passo sobre todos os demais, desde o século XIX”. A autora considera que a evolução da música no Brasil, vem sendo vista, muitas vezes, como um processo de conquista de autonomia e de impregnação por elementos nacionalizadores.
A Semana tem nas obras musicais de Heitor Villa-Lobos (1887-1959) um verdadeiro representante do modernismo. Por conter em suas obras uma linguagem musical do século XX na qual se encontram superposições politonais e atonalismo, polirritmias e experiências com novas combinações instrumentais que revelavam um artista independente, sem vínculos com instituições escolares e a originalidade de sua música, rejeitada pelos representantes da cultura musical acadêmica (TRAVASSOS, 2000. P.29). Travassos (2000) salienta que em comparação com outros círculos modernistas de Paris e Viena, nos quais se consumava a quebra do sistema tonal, dando lugar à politonalidade e ao dodecafonismo, a Semana parece musicalmente desatualizada, pois nas obras de Villa-Lobos que figuravam como seleção da produção moderna no Brasil, aproximava-se mais em muitos aspectos do impressionismo que na Europa vinha sendo combatido.
Coube a Mario de Andrade, o papel de pensador e crítico da música no Brasil, uma vez que o movimento modernista firmou-se como nacionalista até meados dos anos de 1940. Elisabeth Travassos (2000) agrupa em cinco proposições a racionalização da estética nacionalista: a primeira é a de que a música expressa a alma dos povos que a criam; na segunda, é a de que a imitação dos modelos europeus tolhe os compositores brasileiros formados nas escolas, forçados a uma expressão inautêntica; a terceira é de que sua emancipação se daria com o contato com a música verdadeiramente brasileira; a quarta é que a música nacional está em formação, no ambiente popular, onde deve ser buscada e, na quinta, é que após ser levada artisticamente pelo trabalho dos compositores cultos, estará pronta para figurar do lado de outras no panorama internacional para singular contribuição no patrimônio da humanidade. Para Mário de Andrade, esses cinco pontos se configurariam no verdadeiro manifesto do modernismo nacionalista que, segundo ele, a “única maneira de fazer música universal era fazer música “regional”. Pois para ele, já figurava a idéia de tomar na figura popular do folclore a transformação artística.
Mario de Andrade apud Travassos (2000. p.47). reconheceu que na produção musical de Carlos Gomes estariam os sinais de caráter nacional que estariam além dos livretos de “O Guarani” e “O Escravo”. As suas óperas, apesar de estarem configuradas com uma roupagem italiana, relatam um Brasil. Esse caráter nacionalista encontrou nas obras de Villa-Lobos a inspiração modernista. O pensador do modernismo buscou nas manifestações folclóricas
[3] (no momento em que imperava os estudos das manifestações folclóricas como ciência) o link entre o urbano e o rural. Para ele, a formação de uma cultura nacional se daria no momento em que a música brasileira fosse preparada na “inconsciência do povo”, seria transportada para o nível artístico pelos compositores, formados nas escolas, dotados das melhores técnicas de um dever histórico para com a cultura nacional.
Observa-se que, para os modernistas, a “cultura popular” não se confunde com o que se considera cultura de massa. Nesses termos, o que se entende é a capacidade criativa do povo portador da semente da tradição brasileira, ao mesmo tempo em que implica a redução das classes populares à condição de consumidoras e importadoras de modismos importados. No momento em que se tinha no Brasil a necessidade de forjar uma identidade nacional, é estabelecida uma língua oficial, uma bandeira e até um patrimônio cultural. Pensar em uma música mestiça composta por inúmeras fusões, é reconhecer que já estava presente na idéia de uma Estética formulada por Mario de Andrade.
José Ramos Tinhorão (1998) comenta que a chegada à presidência do Brasil por Getúlio Vargas, no ano de 1930, representou para o país, “o movimento popular contra a dominação tradicional das oligarquias - principalmente a paulista, detentora do monopólio político, em revezamento com Minas Gerais”, isto é, nesse período, o país estava no ápice de uma crise econômica, gerada pela super produção do café, produto que representava no momento, cerca de setenta por cento das exportações do país.
Como válvula de escape dessa crise econômica, o governo de Vargas teve a brilhante idéia de comprar pela metade do preço o café dos produtores, e decidiu por destruir os excedentes de estoque a fim de manter o preço. Desta forma, os produtos cobriam com o maior volume de produto vendido ao governo à queda no preço, enquanto que o governo acumulava café comprado abaixo da cotação internacional, conservando, dessa forma, estoques como formação de renda. Segundo o autor:


“essa acumulação de estoques oficialmente financiada implicava a expansão do crédito, o que desvaloriza a moeda e encareceria as importações. [...] durante as crises sempre caem as importações, o capital que se deixa de se remeter para o exterior com tal limitação tendia a ser aplicado no mercado interno (artificialmente mantido sob equilíbrio), o que acabava por estimular o crescimento industrial na área das substituições de importação” (TINHORÃO, 1998, p. 289-290).


Com a necessidade de criar uma economia industrial no Brasil, formou-se no período do governo de Getúlio Vargas (1930 a 1945), o lançamento de uma política de desenvolvimento baseada no estímulo de uma “burguesia industrial”, no campo de iniciativa privada que tinham como produtos principais o carvão mineral e o petróleo que favoreceram a produção de energia e combustível para implantação das indústrias. Dessa forma, Getúlio Vargas surgia como um dos artífices de brasilidade autêntica, onde as culturas oficiais (municipais e federais) intervieram na música popular, enquadrado sob políticas culturais cívico-nacionalistas.
Para mostrar como a sociedade brasileira era vista antes do governo de Getúlio Vargas, o autor Edgard Barros (1994) comenta que “após a revolução de 1930, o pacto de poder mais primário existente entre as oligarquias agrárias da República Velha e que considerava a ‘questão social’ como um simples ‘caso de policia’ foi parcialmente estilhaçado, mas o conteúdo do Estado continuou a moldar a fisionomia do chefe do governo gerado e limitado pelo quadro que o cercava”. Nota-se aí, que o governo de Getúlio Vargas acabou por revelar um caráter essencialmente não democrático, isto é, sem a participação real da sociedade civil do Estado brasileiro. O autor comenta que a “esquerda nacionalista via nele um vezo liberal, antiestatizante: a chamada ‘direita liberal’ desconfiava de seu rigor analítico, que, ao fazer a anatomia precisa das competentes articulações do patronato político na tradição portuguesa e brasileira, abria o caminho para a tese da decisiva participação popular nas futuras articulações do Estado” (BARROS, 1994, p. 13).
Com a industrialização do Brasil, houve mudanças consideráveis de um país agrário para uma sociedade que possibilitasse um desenvolvimento capitalista nacional que veio se expressando em uma completa emergência das classes populares, no meio do desenvolvimento industrial durante esses anos, e da necessidade sentida por novos grupos dominantes de incorporações das massas populares ao jogo político. Considerando o início da participação popular no desenvolvimento do Brasil, Getúlio Vargas deu inicio a forma de governo que mais tarde se caracterizaria como “populismo”, como forma de integração política entre o Estado e a sociedade.
O populismo teve seus primeiros resquícios, quando Getúlio Vargas aproveitou o papel político que o produto “música popular” poderia representar como símbolo e otimismo, quando da sociedade em expansão sob novo projeto econômico implantado com a chamada “revolução de 1930”. José Ramos Tinhorão (1998) comenta que o governo de Vargas criou um programa informativo oficial chamado à “hora do Brasil”, que tinha como objetivo, fazer a propaganda oficial do governo e programas musicais com os mais conhecidos cantores e instrumentistas e orquestras populares da época.
O antropólogo Hermano Vianna (1995) ao estudar o “samba como objeto construtor de uma identidade nacional brasileira”, afirma que o governo de Getúlio Vargas “assumiu o caráter centralizador de um Estado nacional”. Incorporando em atos públicos, atos como de “queimar as bandeiras dos vários Estados em várias ocasiões”, para deixar claro que “as tendências regionais das oligarquias de autonomia regional se tornariam cada vez mais extintas”. Dessa forma, Vargas passa a assegurar que as manifestações culturais regionais não ameaçavam um todo, pois retirava de vários “modelos regionais”, elementos regionais que serviriam para simbolizar a nação, como por exemplo: um traje de baiana, uma batida de samba e outros.
Nesse momento, a figura do “homem mestiço” e as suas expressões culturais e religiosas que, antes eram tratadas como motivo de “atraso brasileiro”, foi incorporado antes da segunda metade do século XX, como “símbolos nacionais e motivos de orgulho e zelo preservacionista para o povo brasileiro” (VIANNA, 1995, p. 63). O autor faz referência a Gilberto Freyre, quando fala que “o mestiço é tido como tipo regional”, é quando ocorre a valorização dos aspectos e expressões culturais das regiões brasileiras acreditando-se que se estaria integrando o país, na tentativa de mostrar para o “mundo” que o Brasil é um dos únicos países ou o único, que pode concentrar na miscigenação (tomado no mito das três raças entre o branco, negro e índio) “muito mais do que um precário equilíbrio de antagonismos, em que as diferenças podem conviver entre si pacífica e intensamente”.
A música torna-se um produto da identidade nacional para os países estrangeiros no governo de Vargas, que no programa “A voz da América” (programa do Departamento de Estado norte-americano) que em 1936 transmitiu para a Alemanha um programa de ondas curtas, destinado a mostrar um pouco da música popular brasileira, levando-se em consideração que, nesse período, “já existia no Brasil uma considerável escala industrial com a produção de discos em gêneros musicais, como: maxixes, marchas, canções, toadas, emboladas e samba do Estácio dos morros e batucadas” (TINHORÃO, 1998, p. 295).
O processo de industrialização e o aumento da população urbana no Brasil deram vazão para criar um consumo voltado para o campo da música. Tinhorão (1998) comenta que as gravadoras voltaram seus interesses para o mercado da música de consumo, aproveitando os gêneros musicais nascidos no Brasil na época do desenvolvimento industrial. Entre elas, a Casa Edison (1º gravadora no Brasil), Parlophon e a Columbia todas de propriedade da empresa “Odeon”. A “Victor e Columbia” (comandada por um funcionário da Brunswick) que abriu seu estúdio na cidade do Rio de Janeiro para iniciantes como Carmen Miranda, Sílvio Caldas, Gastão Formenti que mais tarde se tornariam famosos.
Essas gravadoras interessaram-se pelos ritmos populares, pois tinham se tornado a “nova política econômica” da década de 1930, envolvidas pela idéia burguesa nacionalista que pensou para o desenvolvimento do comércio interno, o aproveitamento das potencialidades brasileiras como um produto industrial comum. É nesse momento que o samba como estilo musical e produto oriundo das camadas populares, assumiu a figura de uma música nacional.
A política de massa que se caracterizou como populismo, iniciada no seio do governo de Getúlio, inclui entre outros instrumentos, o rádio
[4] (já bem claro como um dos meios de comunicação mais usado), os cantores (de rádio atores e atrizes) e os programas de auditórios que tinham grande sucesso na época. A música popular brasileira e a política autoritária do Estado Novo estavam de mãos dadas. Por outro lado, a censura à música popular, começou quando o governo começou a proibir canções de teor político, deixando tocar nas rádios somente aquelas que elogiavam o poder Estatal.
A ação do Governo interferia cada vez mais na produção artística popular, em particular na música, sobretudo à época do fechamento do Congresso Nacional em 1937. Ainda, nesse mesmo ano, na vigência do Estado Novo, Vargas apoiava o desfile carnavalesco do bloco “Os democratas”, com o samba-enredo “Sinfonia Marajoara”, por exaltar os feitos do Presidente até aquele ano. Para se auto promover, Vargas instituiu em 03 de janeiro de 1939, o “Dia da Música Popular Brasileira”, que teve como ilustres convidados, em um acontecimento nacional, os artistas Lamartine Babo, Ary Barroso, Carmem Miranda, Francisco Alves e outros, que foram homenageados pelo seu trabalho em beneficio da música brasileira.
A criação das escolas de samba no Brasil foi elemento máximo da diluição do samba como elemento nacional. Hermano Vianna (1995) reconhece que foi com o carnaval brasileiro que o “samba carioca” ficou conhecido como “símbolo nacional de uma brasilidade” e que outros gêneros musicais produzidos no Brasil passaram a ser conhecidos como regionais. É bem clara essa distinção adotada pelos músicos, quando o autor coloca, na íntegra, trechos de uma entrevista realizada e publicada pelo jornal “Pasquim” (1976) com o cantor Gaúcho Lupscínio Rodrigues, quando distingui o seu estilo musical do seu conterrâneo Teixeirinha, compositor que estaria mais ligado às tradições gaúchas.
De acordo com a entrevista Lupscínio, diz: “A diferença é que eu faço música popular, o Teixeirinha faz música regional”. Vianna (1995) afirma ainda que, quando Lupiscínio é perguntado sobre como conseguiu afastar essa influência do Rio Grande do Sul de sua música, a resposta é sugestiva: “Eu acho o ritmo brasileiro melhor do mundo’, Lupiscínio nem precisou explicitar que o ritmo brasileiro, considerado popular (coisa que o regional não seria), só poderia ser o samba carioca” (VIANNA, 1995, p. 111).
Por outro lado, o governo de Getúlio Vargas buscava a integração nacional por meio da valorização da música regional pelas principais rádios do Brasil. Santos (2004) ao estudar a importância da produção musical de Luiz Gonzaga na Música Popular Brasileira, afirma que “na década de 40 o projeto governamental consistia na busca da integração nacional, as principais rádios – Nacional, Tupi, Rádio Clube, Mayrink Veiga e Tamoio – estavam com suas programações voltadas à música regional brasileira”. Uma vez que, nesse mesmo período, o acelerado desenvolvimento industrial promovido pelo Governo Vargas nos Estados da Região Sudeste, sobretudo, no eixo Rio de Janeiro e São Paulo, as transformaram em símbolo de esperança às populações rurais e moradores da Região Nordeste, que estavam assolados com as constantes secas, a enorme desigualdade social marcada pelos grandes latifúndios e o coronelismo. Houve um forte processo de migração dos nordestinos para estes grandes centros.
Santos (2004) reconhece que, nesse momento, destaca-se a importância musical de Luiz Gonzaga e a consolidação do baião como o principal gênero da música popular brasileira ao longo dos nove anos (1946 a 1955) de seu auge nas emissoras de rádios. O autor faz referência a Mundicarmo Ferretti (1988) para mostrar que o baião era o gênero musical mais tocado nas emissoras de rádios na cidade de São Paulo. “Entre meados das décadas de 40 e 50, a porcentagem que expressava a execução do baião na cidade de São Paulo era de 90%, restando 10% para os demais ritmos, incluído-se aí o samba” (SANTOS, 2004. P. 57).
Com isso, autor nos aponta que concomitantemente ao momento de valorização da música regional, o surgimento do baião como música brasileira foi o processo de decadência ocorrido com o samba. No que ele reconhece como processo associado à implantação da “política de boa vizinhança” que estabelecia, entre outras ações, a colaboração cultural entre Brasil e Estados Unidos, possibilitando maior difusão da música estrangeira no mercado fonográfico brasileiro, em detrimento da música nacional (SANTOS, 2004. P. 48).
Após a queda de Getúlio Vargas, do poder em 1945, destituído por militares e a nascente burguesia brasileira, que estavam de mãos dadas com o capital industrial estrangeiro, sob o comando do governo norte americano, e ainda com a volta dos soldados brasileiros enviados para o “front Itália” na segunda guerra mundial, a classe média brasileira seduzida pelas conquistas da “democracia” chegaram à conclusão que era preciso encerrar o ciclo do Estado Novo.
No período do pós-guerra, durante o Governo do general Eurico Gaspar Dutra, de 1946 a 1950, intensificou-se o processo de internacionalização ou americanização da economia cultural brasileira, em especial na música. Tinhorão (1998) reconhece nessa época “um processo de americanização destinado a atribuir a tudo o que parecesse regional ou nacional o caráter de coisa ultrapassada”, ou seja, o Brasil abria as portas para importação de produtos como “óculos Ray-Ban, calças Jeans e o consumo de Whisky”, e sobretudo adesão à música das orquestras internacionais que divulgavam os ritmos da moda feitos para dançar, como o “fox-blue”, o “bolero”, o “be-bop”, o “calipso” e que mais adiante estaria caracterizado na década de 1950, o ritmo denominado como “rock’n roll”.
Santos (2004) comenta que após a divulgação do baião no plano internacional pelo violonista Valdir Azevedo (criador do choro brasileirinho) na Argentina, França e Estados Unidos e a participação do filme o Cangaceiro
[5] em 1953, sob a direção de Lima Barreto, no Festival de Canners, que tinha como pano de fundo sonoro de suas cenas o baião. Possibilitou a referida canção, o reconhecimento internacional.
Para o autor, alguns acontecimentos, manifestações artísticas e culturais no período musical do baião de Luiz Gonzaga (1946 a 1955), marcaram um novo momento na cultura brasileira, como a Fundação do Museu de Arte de São Paulo (MASP) em 1947, a Fundação do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) e do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC-SP) em 1948, a Criação da Cia. Cinematográfica Vera Cruz em 1949, a Inauguração da TV Tupi de São Paulo em 1950, a realização da 1ª Bienal de São Paulo e introdução da fotonovela no Brasil em 1951, a inauguração da TV Paulista e lançamento da Revista Manchete, no Rio de Janeiro no ano de 1952 e a Criação da TV Record de São Paulo em 1953. Essas manifestações tornaram-se uma nova referência da sociedade, que constitui no inicio do processo de valorização do urbano e das novas tendências culturais que serão consideradas emblemas do sinal de progresso e modernização que se anunciava para o país (SANTOS, 2004. P. 59-60).
As parcerias e acordos que foram selados entre o Brasil e o Estados Unidos, mostram-se claros, quando observamos, por exemplo, que a economia do Brasil era ditada por técnicos de uma Comissão Mista Brasil - Estados Unidos, no governo do general Eurico Dutra. Como forma de repúdio às elites em relação às suas práticas adquiridas pela americanização do país, em 1951, confirmou-se nas urnas a vontade política do povo, que elegeu Getúlio Vargas na esperança de promover uma “solução nacionalista” (de valorizar as atividades populares nacionais), que futuramente a vontade popular, foi estagnada com novos acordos feitos entre o Brasil e os Estados Unidos como forma de incentivar as exportações dos produtos brasileiros.
Tinhorão (1998) comenta que na década de 1950, revelou-se a clara separação social na cidade do Rio de Janeiro marcado pelo próprio desenho da geografia urbana, onde “os pobres eram levados a morar nos morros e subúrbios, os ricos morando entre enormes áreas planas abertas entre montanhas, do Leme, vizinho do Pão de Açúcar, até o Leblon, olhando para o mar”, a distinção social da cidade do Rio de Janeiro levou a uma camada de Jovens moradores de Copacabana do pós-guerra que eram desligados da tradição musical popular da cidade, a uma rica troca de informações entre essas classes.
Na classe média, a inserção desses ritmos americanizados como o Jazz e o rock and roll teve maior impacto, sobretudo, nos jovens que incluíam em suas atividades de lazer as práticas cada vez mais baseadas em uma sociedade capitalista, que fora tido por eles como símbolo de modernidade. Tinhorão (1998) deixa claro quando afirma que grupos de jovens do bairro de Copacabana (filhos de famílias de boa situação financeira) reuniam-se em seus apartamentos para tocar samba em estilo do Jazz americano.
Naves (2001) considera que longe do sentido sociológico do termo movimento – cultural, estético ou político- da bossa- nova, que estaria vinculado através de programas, manifestos e atitudes performáticas. Não se pode dizer que os músicos e letristas que criaram o estilo bossa – novista entre eles, João Gilberto, Tom Jobim, Newton Mendonça, Carlos Lyra, Vinicius de Moraes, Roberto Menescal, Ronaldo Bôscoli e Nara Leão estivessem imbuídos de um espírito belicoso, prontos para eliminar uma estética ultrapassada e fundar uma inteiramente nova, calcada numa experimentação formal.
Os músicos bossa-novistas passaram a considerar o repertório anterior de sambas-canções e tangos abrasileirados melodramáticos e inadequados a esse novo tempo. Imbuídos de uma atitude experimental, voltaram-se para a pesquisa de um estilo musical compatível com as novas linguagens que se desenvolviam no exterior e no Brasil.
A cidade do Rio de Janeiro é apontada pela literatura sobre o movimento bossa- novista como berço de sua criação. O cantor João Gilberto é considerado como fundador de um novo estilo conciso e racional que rompe com as formas musicais anteriores. Conforme Tinhorão (1998), “transformando a intuição rítmica, de um caráter improvisativo, por um esquema cerebral: ou da multiplicação das síncopes, acompanhada da descontinuidade dos acentos rítmicos da melodia e do acompanhamento”, que se daria o nome de “violão gago”, que mais tarde repousaria como base para a “bossa-nova”.
Após o suicídio de Vargas, em 1954, e vencendo as eleições de 1955, assume o poder Estatal o então presidente Juscelino Kubitschek (1955-1959), conforme á práticas econômicas de seu governo que influenciaram aspectos culturais, refletindo de maneira significativa na música. Juscelino Kubitschek ficou conhecido como “presidente bossa-nova”, pois, foi nesse momento que a bossa-nova ficou conhecida e aceita como “ritmo musical” do momento.


1.2 Bossa Nova: produto musical e propaganda

Santos (2004) aponta-nos que a exclusão do ritmo nordestino dos meios de comunicação ocorreu pela forma publicitária de vinculação da bossa-nova pela elite brasileira, que estava cada vez mais antenada aos novos meios tecnológicos e bens de consumo americanizados e a imagem vinculada aos ritmos nordestinos como um momento de um período governamental, atrasado na evolução da sociedade brasileira. Nesse momento, os regionais dão lugar ao que havia de mais moderno na produção cultural brasileira.
Waldenyr Caldas (1985) retrata que em 1958, já havia adesão de um grande público ao ritmo musical da bossa-nova, pois o país vivia a euforia do desenvolvimentismo econômico do governo Kubitschek, que dentre outras coisas importou para o Brasil gêneros musicais dos Estados Unidos da América, como o “jazz”, “be-bop” e o “cool jazz” com objetivo de “integrar essa música popular nacional a musicalidade universal”.
Na oposição, entre o erudito e o popular, Augusto de Campos (1978) reconhece que “a música popular brasileira, anteriormente ao advento da bossa-nova, estava inegavelmente mais de meio século atrasada em relação à erudita”, e para ele, a diminuição de atraso só se deu porque a concepção musical da bossa-nova permitiu a fusão de aspectos da música erudita com da música popular. O autor analisa que a incorporação da musicalidade estrangeira a música popular brasileira, “não se trata de um regionalismo estreito armado de preconceitos contra culturas musicais estrangeiras”, mas que “conceito de bossa-nova, vale-se da revitalização dos característicos regionais de procedimentos tomados a outras culturas musicais populares ou ainda à música erudita”, isto é, se antes o país passou por um processo de valorização de elementos regionais em busca de uma identidade brasileira, a bossa-nova surgiu, nesse momento, na música, com a “necessidade da incorporação de recursos de outra procedência, que resulte de uma integração, garantindo-se a individualidade das composições pela não-diluição dos elementos regionais” (CAMPOS, 1978, p. 24).
Ainda na perspectiva de evolução da música popular brasileira, Augusto de Campos (1978) afirma que com “a incorporação de elementos musicais de outras culturas estrangeiras, não se trata de algo estranho a evolução de nossa música”, sustenta a sua idéia nos estudos de Mário de Andrade e Renato de Almeida.
Em Mário de Andrade (s.d) apud Campos (1978), em seu livro intitulado “Pequena História da Música”, registra influências espanholas e hispano-africanas na música brasileira, segundo o autor: “Nossa música possui muitos espanholismos que nos vieram principalmente por meio das danças hispano-africanas da América, como a habanera e o tango”, onde acrescenta terem sido essas formas, junto à Polca, os estímulos rítmico e melódico do Maxixe.
Campos (1978) refere-se a Renato de Almeida em seu livro intitulado “Compêndio da Música Brasileira”, usando a seguinte idéia: “além de três influências básicas a respeito cabem ser referidas a espanhola, através de boleros, malagueñas, fandangos, habanera e etc”, e além da “italiana que se fez por intermédio da música erudita da ópera, mas chegou até o povo pela modinha” bem como “outras europeias como a francesa, em certas canções de rodas infantis” e por fim “a modernamente a americana, pelo jazz, com a marcada preponderância sobre a música urbana brasileira”. (CAMPOS, 1978, p. 26).
Percebe-se, na literatura, que trata sobre a formação da Música Popular Brasileira, contribuições culturais dos diferentes lugares do mundo, resultante talvez, de processos imigratórios e econômicos que o país vem passando.
Waldenyr Caldas (1985) ressalta que o movimento “bossa-novista” no Brasil foi marcado por duas fases: a poético-musical e a participante. A primeira fase mostra a linguagem “poético-musical”, que em algumas músicas, como “Garota de Ipanema”, “O Barquinho”, “Lobo bobo” e “Corcovado”, refletiam em suas letras e discurso, o clima coloquial, descontraído e cheio de humor nas letras das músicas.
Ao criar a expressão “cor local”, Augusto de Campos (1978) faz alusão ao Rio de Janeiro referindo-se à fase inicial (linguagem poético-musical) da bossa, onde o discurso da bossa-nova ainda não se havia envolvido com as questões políticas ideológicas do Brasil. Em suas palavras:

“É o uso da linguagem simples, feita de elementos extraídos do cotidiano da vida urbana, que revelam uma poética cheia de humor, ironia, blague, ‘gozação’ e malicias (...); às vezes socialmente participante, em tom de protesto e inconformismo: nunca, porém, demagógica, dramática ou pedagógica, evitando sempre o chavão poético, as frases feitas, a metáfora ou as palavras de forte efeito
expressivo” (CAMPOS, 1978, p. 86).


A cidade do Rio de Janeiro foi berço da bossa-nova, pois nesse momento, as canções retratavam aspectos da cidade juntamente com a vida social urbana, como é possível detectar na música “Garota de Ipanema” de autoria de Tom Jobim e Vinícius de Moraes:


Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
Ela é menina que vem e que passa
Num doce balanço a caminho do mar
Moça do corpo dourado do sol de Ipanema
O seu balanço é mais que um poema
É a coisa mais linda que eu já vi passar...


Nesse trecho da música, Garota de Ipanema, pode-se verificar a alusão feita pelos autores à cidade do Rio de Janeiro, sobretudo, quando faz referência a um bairro da zona sul onde fica situada a praia de Ipanema, uma das mais visitadas do Brasil, retratando de forma descontraída alguns aspectos característicos do local, como: “mar”, “corpo dourado do sol”, “doce balanço”.
A segunda fase do movimento bossa-nova, segundo Caldas (1985), é denominada de “participante”, pois aborda questões relativas ao subdesenvolvimento brasileiro. Tratando de aspectos sociais das regiões brasileiras, usando uma linguagem “sociologizante” que retrata nas letras questões como a reforma agrária, o latifúndio, o desemprego, o subemprego, as condições de miséria do morro, do Nordeste e de outras regiões brasileiras. É introduzida nesse período, a “canção de protesto”, onde se destacam algumas músicas como a de “João do Vale, dos irmãos Marcos e Paulo Sérgio Vale”, além dos shows como, por exemplo, “Opinião, “Liberdade, Liberdade” e Arena conta Zumbi”, e o ultimo realizado por “Giafrancesco Guarnieri e Edu Lobo” (CALDAS, 1985, p. 49).
Naves (2001) considera os primeiros anos da década de 1960, como o momento em que novos estilos de criação musical derivaram do ritmo e harmonia bossa-novistas, onde “a paisagem da Zona Sul carioca, com “garotas de Ipanema”, “barquinhos”, “flor e amor, foi substituído por um clima árido do sol e pino nordestino, ora por possibilidades quentes úmidas de sabor fortemente africano”. É o que a autora toma como “uma linha mais étnica, voltada para elementos que pudessem configurar alguns traços da identidade nacional”. Nesse momento, ganha visibilidade Jorge Bem e Baden Powell como representantes de uma música afro. Sobre as composições musicais, a autora descreve o seguinte:


“Baden Powell desenvolvia suas criações musicais desde menino, como compositor e instrumentista. Mas se torna realmente conhecido a partir do início dos anos 60, quando começa a compor, em parceria com Vinicius de Moraes e sob influências de ritmos baianos (pontos de candomblé, rodas-de-samba e toques de capoeira), uma série de musicas que os autores denominam de “afro-sambas”, como “Canto de Xangô” (1966), “Tristeza e solidão” (1965), “Bocoché” (1965) e “Canto de Ossanha” (1966), entre outros”. (NAVES, 2001, p. 28).


Nesse momento, vai aparecendo a virada da estética musical para um cunho regionalista, ela corresponde, em grande medida, às transformações em curso no cenário político e cultural do país.
Em 1962 o país vivia um processo de intensa militância política. Alguns “universitários artistas” discordavam da utilização do discurso da bossa-nova. Isto é, nessa época o governo de Kubitschek já se revelara incapaz de absorver em seu quadro econômico a totalidade dos novos profissionais formados nas universidades públicas, onde esta falta de perspectiva levou os estudantes a uma nova atitude de participação crítica da realidade, fazendo com que se organizassem como entidades estudantis, tomando para si, parte nas questões políticas do Brasil.
José Ramos Tinhorão (1998) diz que a União Nacional dos Estudantes
[6] (UNE), criou o Centro Popular de Cultura (CPC) com o intuito de levar por meio da música, da manifestação da cultura lúdica, da arte conscientizadora, revolucionária, a preparar ação das massas para a revolução social e política. O cinema, o teatro e a literatura, trabalhavam o conceito de “cultura popular” para melhor servir o povo.
Sobre CPC, o autor Waldenyr Caldas (1985) comenta que ao publicar o seu manifesto, esse movimento entendia entre outras coisas, que a “cultura popular” não era só a ação espontânea do povo, mas que ela “deveria ser a criação da vanguarda intelectualizada do país”, pois assim “caberia aos atores, cantores, escritores e enfim, a todos os segmentos da produção cultural brasileira, a tarefa de recolher materiais da cultura popular, reelaborá-los e divulgá-los ao povo”. A discussão sobre cultura popular no Brasil teve um caráter predominante no âmbito do CPC, pois se acreditava que o país deveria criar uma nova concepção de cultura popular diferenciada da “visão folclorista”.
Renato Ortiz (1984) crítica Gilberto Freyre e Câmara Cascudo por serem responsáveis por difundir no país a visão folclorista na cultura brasileira, em suas palavras diz que: “no caso do Brasil, pensamos que o folclore é menos uma necessidade de burguesia, mas sobretudo uma forma de saber que se associa, de início, às camadas tradicionais de origem agrária”, ou seja, “de qualquer maneira persiste o elemento conservador; valoriza-se a tradição como presença do passado, todo ‘progresso’ implicando um processo de dessacralização da sabedoria popular”.
Com essa forma tradicional de cultura popular concebe-se que as pretensas autenticidades das manifestações populares irão radicalmente se opor a qualquer movimento de transformação da realidade social. Isso porque, para o CPC o folclore é interpretado como sendo as manifestações culturais de cunho tradicional, e a cultura popular seria definida como um “termo exclusivo de transformação” (ORTIZ, 1984, p. 71).
Podemos inferir que os primeiros anos da década de 1960 são marcados pela busca de uma canção popular participante, em termos políticos e sociais, ao mesmo tempo afinado com as idéias nacionalistas. Esse cenário cria a categoria de compositores comprometidos e engajados que procuram misturar as informações técnicas da bossa- nova com os sons populares considerados “tradicionais” e de certa forma condizentes com os ideais de “autenticidade” comuns às propostas nacionalistas. Nesse momento, o samba entre outros gêneros, principalmente nordestinos, é redescoberto, então, como portador de propriedades fortemente nacionais.



1.3 Canções de protesto e os festivais de canção

Com a segunda fase da bossa-nova, teve início no Brasil as chamadas “Canções de Protesto”, sobretudo nos redutos das universidades públicas. Nos fins de 1965 e já correndo pelo país um novo estilo musical internacionalizado pelos Beatles
[7], os componentes da segunda geração da bossa-nova (Edu Lobo, Geraldo Vandré, Chico Buarque de Holanda), lançam em “festivais populares” os primeiros produtos bem sucedidos dessa nova fase que quase nada tem a ver com bossa-nova.
O autor José Ramos Tinhorão (1998) destaca os primeiros festivais de música popular realizados no Brasil e seus vencedores, entre os quais:


“Arrastão”, de Edu Lobo vencedor do I Festival de Música Popular Brasileira, realizado no Guarujá, litoral paulista, em 1965; “Disparada”, de Geraldo Vandré e Théo de Barros Filho, e “A Banda”, de Chico Buarque de Holanda, vencedores empatados do II Festival, realizado já agora em São Paulo, em 1966 (TINHORÃO, 1998, p. 316-317).


Tinhorão (1998) comenta que a “essa altura verificaria a impraticável conquista da aliança popular para fins de protesto contra as injustiças sociais por meio das canções”, ou seja, nesse momento outros grupos de compositores que tiveram a influência da bossa-nova e formando alianças com as tentativas de “regionalismo sofisticado” criaram os chamados “sambas de protestos”. É interessante observar que, ainda no ano de 1965, com as explosões dos shows universitários, principalmente, no Rio de Janeiro e em São Paulo, vinham surgir, como alternativa para alta classe média, um tipo de protesto particular nos shows televisivos
[8] contra a mão-de-ferro do regime militar instalado no país em 1964.
Diante do exposto, podemos concluir que, em 1965, é o ano da música popular brasileira ingressar na fase dos festivais, sobretudo na TV, organizados nas emissoras de televisão como a TV Excesior e TV Record de São Paulo. E fazendo referência a esses festivais, o autor Augusto de Campos (1978) revela-nos os critérios previstos em regulamento para a seleção dos participantes e os cantores que tiveram grande visibilidade no meio musical.
Sob o título de “Festival de Viola e Violência”, Augusto de Campos (1978) fala dos festivais de música popular que eram realizadas nas emissoras de tv por volta do ano de 1965, quando a televisão adquire importância no Brasil. Alguns nomes que tem importância na música popular brasileira revelaram-se nos festivais de música organizados pelas emissoras como a TV-Excelsior de São Paulo, que classificou Arrastão de Edu Lobo e Vinicius de Moraes, revelando como intérprete Elis Regina. O 2º festival realizado na emissora classificou a canção “Porta-Estandarte”, de Lonas e Vandré. No festival da TV-Record, ficaram consagradas as músicas “A Banda”, de Chico Buarque de Holanda e “Disparada”, de Geraldo Vandré.
Nesse trabalho, o autor discute os regulamentos dos festivais da época, onde a forma de selecionar os concorrentes que participariam dos festivais, mostravam-se desiguais, por exemplo, de 3.000 inscritos no festival, apenas 36 eram escolhidos para apresentar suas músicas, ou seja, menos de 1% dos concorrentes. Deve-se levar em consideração que, nesse 1%, entrariam compositores conhecidos e amadores, que de certa forma, acarretariam uma disputa desigual entre os concorrentes. Segundo o autor, “o objetivo dos festivais era de estimular valores novos, restringindo-se sempre, a consagrar a obra de autores profissionais já conhecidos”.
Ao fazer a referida afirmação em torno do regulamento dos festivais e levantando questões sobre a participação de compositores já consagrados nos festivais, no mercado fonográfico e nos programas televisivos, Augusto de Campos (1978) faz um breve comentário sobre a premiação oferecida por esses festivais, pois, reconhece nos festivais uma forma de premiação desigual. Primeiro, porque as premiações giravam sempre em torno de um grupo seleto de compositores, como “Edu Lobo, Vinícius de Moraes, Geraldo Vandré, Chico Buarque, Gilberto Gil, Baden Powel, Vera Brasil, Paraná, etc”, já que esses concursos assumiam cada vez mais uma característica de disputa entre os melhores da música popular brasileira. Referindo-se às premiações desses festivais, o autor faz a seguinte descrição:


O festival da Record ofereceu, este ano, NCr$ 52.000,00 de prêmios em dinheiro, além de violas de ouro e de prata. E o governo do Estado que oficializou o festival, adicionou-lhes sabiás de ouro e de prata. E a prefeitura Municipal para não ficar para trás, acrescentou mais NCr$ 21.000.00 [...]. Além de exagerados, os prêmios do festival paulista ficaram mal distribuídos; [...] ao 1º colocado (ponteio) coube a importância de NCr$ 37.000,00, mais viola & sabiá de ouro, ao 2º (Domingo no Parque) foi atribuído apenas a importância de NCr$ 16.000,00, mais sabiá de prata , ao 3º (Roda Viva), NCr$ 10.000,00 e ao 4º (Alegria, Alegria) NCr$ 5.000,00 (CAMPOS, 1978, p. 127).


O autor reconhece nos festivais, que esses elevados valores de premiação incitaram os compositores a compor músicas para vencer os festivais, deformando, dessa forma, a sua proposta inicial de revitalizar a Música Popular Brasileira.
Após as primeiras edições dos festivais de musica popular no Brasil e da Música Internacional da Canção realizados no país, vinha crescendo de maneira significativa a indústria do disco que, nos anos 70, chegou a uma taxa de crescimento de 15% ao ano. Ana Maria Bahiana (1980) reconhece que os festivais passaram a ser uma “grande vitrine onde o artista mostrava-se exatamente ao seu público em potencial”, e com “o supermercado das gravadoras que ali podiam escolher com estreita margem de erro, seus novos produtos, já testados pelo confronto com o público (BAHIANA, 1980, p. 26). A forma aderida pelas gravadoras de escolher os seus artistas consistia em observar “artista/platéia”, para perceber a cristalização de tendências, grupos e platéias. E tendo o cantor preenchido os requisitos exigidos para o mercado fonográfico, só então era feito o convite ao candidato.
Bahiana (1980) comenta ainda que a censura e a repressão direta, com prisões e exílios impostos pelo regime militar, “tiraram dos festivais sua função de ponto de encontro e reduziram apenas a feiras para novas contratações”. Mas, foi só a partir da década de 70, que os estreantes dos festivais passaram a se tornar populares e bons vendedores de discos, como foi o caso de Chico Buarque, Milton Nascimento e Caetano Veloso.
Para mostrar como ocorre esta evolução da indústria fonográfica no Brasil, caberia um breve comentário sobre Rita de Cássia Moreli (1991), em seu livro intitulado “Brasil, anos 70: a indústria do disco e a música popular”, onde a autora faz referência ao avanço do mercado musical no Brasil com os cantores que se revelaram em festivais de música popular, e que acabou criando, no país, um mercado de consumo em resposta a música estrangeira que já tinha a sua comercialização. E Rick Goodwin (1986), quando fala no seu texto “Da independência musical”, sobre a “produção musical independente” de músicos que, como forma de mostrar o seu trabalho, não dispunham do apoio das gravadoras e como meio viável para não serem submetidos à censura do regime militar, optavam por um produto musical independente.
Rick Goodwin (1986) comenta que o primeiro músico a lançar seus trabalhos de maneira independente, sistematizada e organizada no Brasil, foi Antônio Adolfo, no ano de 1975. O cantor é o compositor responsável por vários sucessos nos anos 1960, como as músicas Sá Marina, BR-3 e outros. O autor diz que antes do cantor Antônio Adolfo, houve outras tentativas de produção independente, como nos anos 1970, dos cantores Lula Cortês, Zé Ramalho. As primeiras duplas a produzirem, em conjunto, trabalhos de produção independente, foram Tom Jobim e João Bosco, Caetano Veloso e Fagner, sobre a administração da revista Pasquim que era vendida em bancas de revista (GOODWIN, 1975, p. 145). Trataremos mais adiante os fatos que impulsionaram o surgimento da música independente no Brasil.
Sobre a produção musical em larga escala para uma grande massa popular, Rita de Cássia Moreli (1991) fala-nos que era claro o predomínio das músicas estrangeiras tocadas nos rádios, provocado pelo “provável efeito devastador da repressão política sobre a criatividade musical brasileira”, e que segundo ela, era mais fácil para as grandes multinacionais estrangeiras, com sede no Brasil, lançar no exterior um disco, já gravado, do que produzir um disco e arcar com as suas despesas de maneira interna. A autora faz análise do problema, observando uma divulgação do “jornal do Brasil” que mostrava nos anos 70 os compactos mais vendidos, segundo o jornal: “o levantamento no primeiro semestre de 1971, a música nacional ocupava 57,5% no mercado longo sucesso, que no semestre seguinte passou a ocupar 37% e que neste mesmo mercado caindo, no primeiro semestre de 1972 para 16% e o segundo para 17,5 pontos percentuais”. Isso mostra que a indústria passou a valorizar mais o produto estrangeiro do que o nacional, devido às dificuldades impostas pelo governo militar.
Com encarecimento na produção das músicas brasileiras e o aumento dos discos estrangeiros usava-se o argumento de que “predomínio da música estrangeira era decorrente dos lançamentos que, aos olhos das indústrias, eram vistos como sendo nacionais dado que eram gravados no Brasil” e o aumento de gravadoras estrangeiras no Brasil deu-se, com interesses destas, a virem lançar no país os seus produtos internacionais que aumentou com o consumo dos jovens pelas músicas estrangeiras (sobretudo a americana). As Gravadoras estrangeiras que vieram seduzidas pelo mercado brasileiro foram: WEA, Capitol Records (norte americana), ECM (alemã) e outras (MORELLI, 1991, p. 50).
Para entendermos o contexto, no qual vivia o artista que estava surgindo para a música popular brasileira dos anos de 1970, Rita Morelli (1991) comenta que no ano de 1968, os festivais foram tidos como o “ápice da efervescência política generalizada na sociedade”, e para mostrar com fatos a referida afirmação, vale comentar a interpretação da música “Para não dizer que não falei das flores”, interpretada por Geraldo Vandré, acompanhado de um coro de cem mil vozes, formado por toda a platéia na final nacional do III Festival Internacional da Canção. E desde então, muitos músicos e compositores revelados nos festivais se ausentariam do país.
A censura nos festivais passou a ser tão intensa, que Rita Morelli (1991) reconhece que para os músicos conseguirem se destacar individualmente nos festivais organizados sob tanta censura, os artistas foram vistos, a priori, como representantes de um momento menor da música popular brasileira, que fez com que os anos 1970 passassem a ser vistos como uma espécie de “idade média da música popular brasileira”, onde algumas músicas ficavam incompletas ou incompreensíveis com os cortes da censura. A autora cita que alguns dos compositores-intérpretes surgidos nos festivais da “TV Tupi”, acabariam marcando presença na música popular brasileira, como por exemplo: Ivan Lins, Luiz Gonzaga Júnior, Alceu Valença, Aldir Blanc e Belchior.
As gravadoras passaram usar os festivais como uma “vitrine de talentos”, onde passaram a observar os cantores que poderiam ser futuros parceiros de trabalho. Nesse período, as companhias de discos passaram assumir a função de divulgação dos artistas de MPB revelados nos festivais.
Rita Morelli (1991) diz que a gravadora “Philips-Phono-gram” (atual Polygram) fez pela Phono 73 (nome pela qual era conhecida) um festival de música popular brasileira, o “primeiro que viria ser o estopim de um movimento musical produzido pela indústria fonográfica no campo restrito da chamada MPB”. Esse festival reuniu quatro espetáculos no Anhembi na cidade de São Paulo, com artistas contratados pela gravadora, sem o apoio da TV ou vídeo tape por esse veículo. Entre os artistas de grande prestígio contratados pela gravadora estavam, por exemplo: Chico Buarque, Nara Leão, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e Maria Bethânia. O “festival da Phono 73” foi visto por alguns músicos críticos da época, como um momento de estagnação da música brasileira, pois, segundo eles, “nada se produziu, apenas se reproduziu algo que fora criado pela bossa-nova ou pelo movimento tropicalismo de Caetano Veloso”.
Contudo, é imprescindível não deixar de falar sobre as produções independentes de músicos que tiveram grande relevância no processo histórico da produção fonográfica de discos no país. Apesar de não estarem completamente desvinculados da indústria, os produtores independentes de discos musicais são característicos culturais dos anos 1970, sobretudo, porque a produção independente parte de diversas áreas de atuação como na literatura, cinema, quadrinhos, teatro, jornalismo e da música


1.4 Produção musical independente

Sobre a produção musical independente, o autor Rick Goodwin (1986) comenta que foi a forma utilizada pelos artistas que não tinham o total apoio das gravadoras para mostrarem os seus trabalhos e era um meio viável para não serem submetidos à censura.
A produção independente concretizou-se depois de perceber que, com a censura e “as porradas que faziam calar a boca”, forçavam os músicos a buscar formas alternativas para testarem os seus trabalhos, a fim de levarem até a população. Talvez, porque, simplesmente, tinha músicos que se mostravam “avessos à industrialização”, porém, mesmo contra essa industrialização, estes precisariam de tecnologia e maquinário, para fazer uma produção totalmente independente, coisa que não possuíam (GOODWIN, 1986, p. 139).
Sobre essa “produção musical alternativa”, o autor Rick Goodwin (1986) comenta que essa forma de produção realizou-se dentro de um esquema comercial das gravadoras. Como exemplo, o autor nos descreve que “em 1972, Jorge Mautner idealizou o selo Pirata, dentro da Philips, que além de servir de espaço para trabalhos ousados, lançaria uma linha de discos sensivelmente mais baixos”. Esse foi um dos primeiros trabalhos que impulsionou a criação de um grupo de compositores que foram rotulados como “malditos”, por serem amaldiçoados pelas gravadoras, já que “não recebiam apoio de divulgação e nem condições efetivas de produção, pois permaneciam nas gravadoras só por status” (GOODWIN, 1986: 139).
A produção independente tratava-se exclusivamente de uma produção musical alternativa que “vencesse a inércia do esvaziamento autoritário, que encontrasse maneiras de driblar as dificuldades econômicas e que rompesse os processos viciosos de divulgação”. A produção independente é o processo onde o próprio artista atua como empresa gravadora e gerenciadora, bancando os custos, cuidando da produção e, eventualmente, realizando, ele mesmo a distribuição e venda do produto. Com isso, percebe-se que a venda do disco é apenas uma etapa da produção
[9] independente.
O autor comenta que na metade dos anos 70, o Brasil era o quinto maior mercado de discos no mundo e isso rendia “lucros fantásticos” a uma elite brasileira. As gravadoras tinham maior controle sobre os veículos de divulgação. Segundo o autor, nesta época, tiveram o início as propagandas de rádio TV e o chamado “jabá nacional”.
A venda de discos independentes torna-se difícil, por não ter incentivo de gravadoras nos programas de rádio e TV, pois a divulgação independente era feita pelo próprio artista que oferecia o seu produto de porta em porta. Os artistas aproveitavam para pôr à venda os seus produtos nas bilheterias dos shows.
Ao comentar sobre a venda dos discos independentes, o autor comenta que “o artista que consegue custear a fabricação do disco e colocá-lo razoavelmente na praça, poderá auferir lucros maiores dos que obteria emplacando um sucesso através de uma gravadora”, os “lucros de um artista, que produz seu próprio disco, são 100% seus, enquanto a gravadora repassa apenas 10% para o intérprete do fonograma” (GOODWIN,1986, p. 142).
O primeiro músico a lançar seus trabalhos na produção independente no mercado fonográfico no Brasil foi Antônio Adolfo, mas não quer dizer que antes dos anos 1970, não houvesse tentativas de independentes, vale citar Zé Ramalho, Lula Cortês e outros que fizeram mais no sentido de divulgar entre os amigos. Os produtores independentes do Brasil tem em Chiquinha Gonzaga como “padroeira” dos produtores independentes, pois foi a primeira compositora brasileira, a partir para uma produção independente.
A produção independente foi um meio pelo qual a música encontrou forma de escoar pelos dedos da ditadura militar, assim como Chiquinha Gonzaga de vencer os preconceitos da época em que viveu ao divulgar a sua música para a população.
É interessante passarmos em revista o movimento da “Jovem Guarda” que foi instaurado no país paralelamente com os grandes festivais (da TV Record) de música popular brasileira influenciada pela bossa-nova, que teve influências do ritmo internacional do momento o Rok’n’roll, com Elvis Presley, Paul Anka, Neil Sedaka e que ganharia força com os Beatles (CALDAS, 1985, p. 54).


1.5 “Um breve olhar sobre a Jovem Guarda”

O grupo da Jovem Guarda era liderado por Roberto Carlos e Erasmo Carlos que se apresentavam na TV Record nas tardes de domingos. Tinhorão (1998) comenta que o “primeiro programa da Jovem Guarda na TV foi ao ar em setembro de 1965, foi contemporâneo ao ato institucional nº2, que em outubro extinguiria os partidos políticos”. E surgiu como alternativa para os programas de TV, que tivera proibida a transmissão ao vivo dos jogos paulistas, pois teria sido responsável pelo esvaziamento dos estádios.
Sob o tipo de vestimenta e o uso de cabelos longos podiam representar rebeldia às normas sociais vigentes ou o desejo de transformações, mas segundo Caldas (1985), “o conteúdo das canções os desmentiam”. O autor descreve que as letras das músicas resumem de forma extremamente feliz as tendências e perspectivas dos jovens e adultos deste movimento, pois eram caracterizados pelo “individualismo, desinteresses pelos acontecimentos da época, um certo comodismo e apatia”. O pensamento de Roberto Carlos tido como principal líder da Jovem Guarda refletia nas entrevistas que dava o objetivo e o interesse que girava em torno de popularidade e a conquista de um lugar entre os grandes astros da canção brasileira.
A Jovem Guarda contava com interesses artísticos que lançavam na sociedade da época estilos e produtos industriais como camisetas, calças, saias, blusas, bolsas, sapatos, botas e artigos escolares com a marca calhambeque que aproveitava o sucesso da música, já em 1963, os principais astros eram Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Vanderléia.
Caldas (1985) comenta que o fato da pessoa ser pública não implica em que ela apóia o partido A ou B ou ter qualquer comportamento político, pois “faz parte do exercício democrático apoiar situação ou oposição” e ao artista como qualquer outro é “facultado este direito”. E o autor continua dizendo que a popularidade e o prestígio são alcançados pelo talento profissional.
Mas para expressar as condições políticas em que o movimento da Jovem Guarda estava inserido, Caldas (1985) faz referência ao sociólogo Max Weber e seus seguidores, quando consideram a Jovem Guarda a favor da situação, pois a “aparente indiferença política se reverteria em beneficio ideológico dominante no momento, porque o que diz não ser político não questiona, não reivindica e nada faz”. Isto é, “passa a idéia de que está satisfeito com a situação a qual está envolvido”. (CALDAS, 1985, p. 56).
José Ramos Tinhorão (1998) faz referência a uma entrevista realizada em 1970 pelo Jornal a Última Hora (São Paulo) com o cantor Roberto Carlos, onde ele deixou claro o seu descomprometimento social e político com as massas que lutavam contra a ditadura militar e a sua identificação com os conservadores e oportunistas da época:


“Jornal a Última Hora (UH) – Mas existem outras responsabilidades... a definição política por exemplo.
“Roberto Carlos (RC) – Eu nuca quis saber de política. Não gosto de falar do que não conheço. Meu negócio é música.
“UH – Mas é impossível que você nunca tenha pensado em política?
“RC – Quando estou com meus amigos, às vezes discutimos política e até brigamos por causa dela. Mas é só em casa, na rua não.
“UH – E nessa discussão com os amigos, qual é a sua posição política, centro ou esquerda?
“RC- Direita é claro”
[10] (ÚLTIMA HORA apud TINHORÃO, 1998, p. 338).


O ano de 1968 abria campo para a entrada de guitarras elétricas do rock ao último reduto de conscientização política do país advindos das universidades brasileiras e da classe média, foi o início do movimento denominado como Tropicalismo.
Nessa mesma época, no Brasil, coincidiu com o consumo do ritmo americano da moda com o crescimento da indústria do som e de instrumentos eletro-eletrônico nos países responsáveis pela exportação da moda masculina. Nos Estados Unidos, a indústria em geral foi estimulada pelos festivais de Rock ao ar livre, como “em 1967 no monte Tamalpais, próximo a São Francisco, em 1968 em Newport e em 1969-1970 em Monterrey, ilha Wighit e Woodstok”, que influenciaram o aumento dos produtos sonoros (TINHORÃO, 1998, p. 339).




1.6 A Tropicália: quebrando preconceitos musicais

O “movimento Tropicália” configurou-se como um movimento cultural, indo além das questões meramente estéticas ou confinadas ao âmbito da canção popular, pois os músicos teriam inaugurado a tendência de pensar criticamente a arte e a cultura brasileira sem se restringirem a meras questões de técnica musical. E essa forma, marca sua diferença em relação ao movimento da bossa-nova.
Quando se fala em Tropicália ou Tropicalismos no Brasil, muitos autores fazem referência à música “Alegria, alegria” e “Domingo no Parque” de Caetano Veloso e Gilberto Gil cantado em 1967 em um festival de MPB (CALDAS, 1985, p. 59). O Tropicalismo
[11] nascia no país, mas precisamente em São Paulo, formado por cantores e compositores liderados por Caetano Veloso, Gilberto Gil, o Maestro Rogério Duprat e o poeta Torquato Neto. O movimento Tropicalista era completamente diferente da Jovem Guarda, parecidos a não ser pela Guitarra que ambos usavam.
A música que simbolizaria o espírito do Tropicalismo seria a música Alegria, Alegria, que segundo Waldenyr Caldas (1985) constituiu em um “divisor de águas e o marco inicial de uma era musical no Brasil, sobretudo a ruptura definitiva com os preconceitos musicais”. Na música, o movimento trabalhava a política e a estética mostrando as contradições do nosso subdesenvolvimento. A música Tropicália resume em alto e bom tom, as idéias do movimento que sempre teve em suas músicas de protesto o “elemento alegórico e a ironia”.
Naves (2001) considera que a Tropicália chama atenção para um ponto paradoxal: o fato de se configurar como um movimento que rompe, ao mesmo tempo, com a própria concepção de “movimento”. Pois “ao contrário das vanguardas estéticas, as quais geralmente postulam a ruptura radical com a tradição, a tropicália adotou uma atitude incorporativa com relação a grande parte do repertório popular musical”. (NAVES, 2001, p. 48).
O autor aponta que os tropicalistas comungariam com os músicos de sua geração, com a idéia modernista de que o Brasil é rico culturalmente, por outro lado, estendem a concepção de “riqueza” ao que convencionalmente se via como esteticamente “pobre”. “O rock estrangeiro de fruição fácil, o Kitsch e, dentre o repertório musical, tanto os boleros e os sambas-canções renegados pelos bossa-novistas pelos seus excessos musicais e sentimentais, quanto o então iê-iê-iê, de Roberto Carlos”, amplia concepção de riqueza cultural.
O manifesto Pau-Brasil de Oswaldo de Andrade inspira o movimento tropicalista na criação de uma estética cuja combinação e contrastes de elementos incluem a miséria, o passado, o desenvolvimento, a tecnologia industrial, os movimentos musicais brasileiros, o subdesenvolvimento e a paródia. Pode-se dizer que uma das grandes contribuições à música popular brasileira pelo Tropicalismo foi sem dúvida a relação de contrastes, confrontando e comparando o moderno e o arcaico, o rústico e o industrializado, o primitivo e o civilizado, através de uma linguagem de humor crítico.
Nota-se que as incorporações culturais são utilizadas sem qualquer temor de descaracterização de uma suposta pureza nacional, uma vez que a cultura brasileira é vista como rica e vigorosa o suficiente para engolir tudo que possa vir de fora. Naves (2001) considera que, na medida que os músicos tropicalistas operam com a idéia de “inclusão”, procedem tal como os músicos de sua geração anteriormente citados, à maneira modernista.
Waldenyr Caldas (1985) reconhece que o “Tropicalismo além de estar criticamente atenta a interpretação cultural da contemporaneidade, como produto de veículo de comunicação de massa, ele transcende o âmbito da observação e incentiva a pesquisa musical”. O autor considera que alguns músicos de peso na música popular brasileira sofreram grandes influências do Tropicalismo. “Hermeto Paschoal em suas apresentações utiliza desde cabaça, o berimbau, o berrante, a lata de querosene até a guitarra elétrica e o órgão é o sintetizador, que tocados juntos produzem um som criativo” (CALDAS, 1985, p. 64).
Naves (2001) afirma que com a “bricolagens de diversos fragmentos – ou temas- da realidade brasileira, os “LPS” Tropicália e Caetano Veloso, ambos de 1968 operam com os regionalismos situações da vida urbana. Onde os tropicalistas assumiriam os palcos, através de máscaras e coreografias. Para o autor,“tanto os baianos como os Beatles, em sua fase experimental, encaram em suas personas o sincretismo que realizam entre os vários gêneros musicais (...) no caso dos baianos observa-se a relação da imagem artística, do mesmo modo com a letra e música desde a sua concepção mantém uma relação isomórfica” (NAVES, 2001, p. 50).
O autor considera que os arranjos interferem com o mesmo peso nessa nova forma de trabalho artístico, as guitarras elétricas, proveniente do rock e do iê-iê-iê, convivem com a sonoridade Kitsch dos violinos e o berimbau da música regionalista. Segundo Naves (2001):


“Com a tropicália, os baianos inventaram uma nova relação com a diferença, assumindo uma postura afirmativa e comprometendo-se de modo indiferenciado com todos os aspectos captáveis do universo brasileiro, como o brega e o cool, o nacional e o estrangeiro, o erudito e o popular, o rural e o urbano e assim por diante”. (NAVES, 2001, p. 54).


A leitura sobre o Movimento Tropicália, sugere-nos que ele faz questão de colocar em xeque-mate a oposição de “nacional”, “autêntico” ao que é de fora e “descaracterizador”. É o que Naves (2001) considera no plano musical como “a coincidência rítmicas entre o rock e o baião, ambos em tempo binário fortemente marcado, com andamento rápido e relativamente pouco sincopado”.
Diante do exposto, foi possível perceber que o Brasil é singular em suas produções musicais a nível mundial, pois agrega diferentes ritmos que compreendem o vasto território brasileiro nas suas diferentes regiões influenciadas por diferentes culturas, etnias e gêneros musicais. Numa forma de “bricolage”
[12] das músicas estrangeiras, que vem desde os tempos da Republica Velha como o cateretê, o lundu, habanera e a polca, e passando pelo Estado Novo com a importação dos ritmos “soul”, “jazz”, “be-bop” e o “cool jazz” serviram como base para multiplicidade de gêneros musicais nascidos no Brasil, e adequando-se, dessa forma, como produtos de uma identidade nacional.
Renato Ortiz (1985) reconhece que, na década de 30, com o advento do Estado Novo de Getúlio Vargas, nasce o que ele classifica como “nacional popular”. É quando o Estado apropria-se da cultura popular valorizando através da “raça mestiça” certos símbolos, como por exemplo, o samba. Em suas palavras, diz que: “ao se promover o samba ao título de nacional, o que efetivamente ele é hoje, esvazia-se sua especificidade de origem” (ORTIZ, 1985, p. 43). Nesse momento, a cidade do Rio de Janeiro passou a ser um modelo para o território nacional, pois além do samba que era tido como do lugar, foram também valorizados aspectos característicos do rio, a praia, logradouros e etc.
Da bricolagem desses ritmos estrangeiros resultou no Brasil o nascimento de gêneros como o samba, a bossa-nova, a jovem guarda, a tropicália e outros. Gêneros esses que são característicos de diferentes épocas e que marcaram o comportamento social do seu tempo, mas que hoje permanecem como produtos de brasilidade.
Tomando como exemplo a Jovem Guarda, ela nasceu em uma época de extremos conflitos sociais da década de 1960 no Brasil, apesar de seus adeptos apropriarem-se de um estilo rebelde, revelando em seus sinais diacríticos (cabelos longos, tinta no cabelo, roupa de couro), contrários às normas vigentes da época, as suas músicas mostravam completamente o oposto, as suas letras completamente felizes, falando de romantismo, amor e etc. Enquanto que, por outro lado, a bossa-nova a do tipo participante, retratava em suas letras a insatisfação com a realidade da época. Mas hoje, tempos de calmaria no Brasil, momento pela qual vem passando a situação política e econômica do país em plenos anos 2000, a Jovem Guarda é classificada como música romântica, sobretudo, na pessoa de Roberto Carlos (grande ícone desse gênero), que durante o seu longo período de carreira adquiriu o título de “rei da Jovem Guarda”.
Os festivais de música popular datam no Brasil por volta de 1968, pois foi nesse período que os festivais foram tidos como ponto principal da efervescência política generalizada na sociedade, mas é interessante observar que os seus primórdios dão-se em 1965, com as explosões dos shows universitários, principalmente nas cidades do Rio de Janeiro e em São Paulo, com os concursos televisionados que surgiram para alta classe média, como alternativa a um tipo de protesto particular contra ditames do regime militar instalado no país em 1964.
O Centro Popular de Cultura (CPC) serviu como fermento para impulsionar a massa estudantil a criticar o modelo de cultura imposto pelo Estado na época dos anos 1960. A “contracultura” criticava através da música, do teatro, do cinema certos segmentos sociais que faziam parte do Estado. No âmbito da música, nasceram as chamadas músicas de protesto que evidenciavam em suas letras insatisfação com a opressão do regime militar. O teatro não era diferente da música, o teatrólogo criava peças de formas geniais fazendo com que fosse passada a realidade brasileira em um contexto que não tinha nada a ver com o texto que era lido pela censura e assim como outros segmentos da arte.
Desde os tempos do Governo de Getúlio Vargas, a cultura regional fora esvaziada com a hipertrofia do Estado nacional, com a tentativa de valorização de aspectos nacionais, como foi o caso da música, isto é, acabou gerando no Brasil diferenciação de aspectos nacionais e aspectos regionais. Se atualmente a bossa-nova, samba, samba-canção, jovem guarda, tropicália e outros gêneros musicais são vistos como aspetos do nacional, cada região do Brasil tem seus ritmos e gêneros musicais populares bem definidos como, por exemplo, o boi-bumbá do Estado do Amazonas, o bumba-meu-boi do Estado do Maranhão, o carimbó do Estado do Pará, o axé-músic do Estado da Bahia, entre outros.
De acordo com Mauro Menezes (2008) em sua monografia “Música Popular Amazonense” os festivais de canção das décadas de 1960 e 1970 do sul do Brasil influenciaram os artistas Amazonenses em suas produções locais tendo como referências os artistas que adquiriram sucesso nacional, segundo ele:


Em Manaus, de acordo com o músico e compositor Celdo Braga (2000), nos anos 60 até boa parte dos anos 70, cada clube de futebol da cidade entre eles os mais populares - Nacional Futebol Clube (o leão da vila) e Atlético Rio Negro - realizavam bailes de fim de semana em suas sedes e eram palcos para os artistas locais se apresentarem. Os melhores eram aqueles que conseguiam fazer uma cópia exata dos arranjos das músicas de “Renato e seus Blue Caps”, “The Fevers”, “Os Pholhas”, ou mesmo as músicas românticas de Roberto Carlos. Os festivais de música, realizados no Teatro Amazonas, Ponta Negra ou na quadra do Ginásio Renê Monteiro, traziam a Manaus uma outra face da música: música de protesto, ou música de festival. Nomes como, Alexandre Otto, Aníbal Beça, Afonso Toscano, Celito estavam quase sempre na lista dos ganhadores. Uma década depois (anos 80) com a efetiva produção da música local e surgimento de muitos outros compositores como Antonio Pereira, Torrinho, Aldisio Filgueiras, a música popular ganha espaço nas rádios e recebe o rótulo de MPA, ou seja, Música Popular Amazonense, muito embora músicos e compositores discordem desta denominação afirmando que fazem música popular brasileira (MENEZEZ, 2008, p 10-11).


Para Menezes (2008) a produção da Música Popular Amazonense ocorre na cidade de Manaus, por influências de gêneros musicais da Bossa-Nova e a Tropicália (movimentos das décadas de 1960 e 1970), onde nas letras das canções admite-se a recorrência da temática amazônica e uma linguagem própria da cultura local, tanto por parte dos compositores quanto por parte do público.
Mauro Menezes (2008) descreve através de um relato concedido pelo radialista Ney Amazonas a importância do FECANI, enquanto Festival de Canção na década de 1980, por agregar artistas da cidade de Manaus e da região Norte:


Segundo Ney Amazonas, radialista amazonense, em entrevista concedida em janeiro de 2008, observa que desde a época do Festival de Verão do Parque Dez com primeira edição em 1983, que reunia moda, música, teatro, dança etc., num evento que acontecia sempre após o FECANI (Festival da Canção de Itacoatiara), tomou conhecimento de artistas locais que não podiam faltar ao evento, como Pereira, Zezinho Corrêa do Carrapicho, Cileno entre outros. No entanto, estes artistas já eram conhecidos em bares nas noites da cidade e possuíam um público apreciador do tipo de música e da maneira que tocavam. Porém não tinham espaço na mídia local, impossibilitando a divulgação de seus trabalhos (MENEZEZ, 2008, p. 11).


Para o pesquisador, ao identificar a música popular como expressão de cultura popular e a relação entre a arte e a cultura, “pode assinalar a incorporação de processos sócio-culturais locais e regionais, a “MPA” seria um “movimento” ou manifestação cultural que distingue a produção musical do Amazonas e por meio da qual se afirmam valores e se coloca em debate, em poesia e em música, a vivência do homem amazônico”.
Pode-se notar no Festival da Canção de Itacoatiara (FECANI), um palco onde se apresentam os diferentes gêneros musicais de nível regional e nacional, sobretudo, porque há participação de pessoas de diferentes regiões e do próprio Estado do Amazonas inclusive com intensa participação dos Itacoatiarenses nos diferentes concursos agregados ao FECANI, revelando-se aqui a dimensão do evento.
As múltiplas atividades tomadas como culturais no FECANI, são desenvolvidas através da poesia, teatro, comidas regionais, artes plásticas, cinema, artesanato, ilustração e história oral. Percebe-se uma tematização recorrente da Amazônia, por meio de questões como desenvolvimento econômico, migração, indigenismo, condição de vida do “caboclo”, reconhecimento de diferentes identidades, preservação da natureza, desmatamento, mitos e lendas. Podemos fazer um paralelo dessas atividades com as que foram desenvolvidas pelo Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE nos anos de 1960, quando através da contracultura desenvolviam as manifestações artísticas e culturais e discutiam a sociedade brasileira em relação à realidade imposta pelo Estado naquele período.
Diante dos principais fatos históricos que marcaram culturalmente a sociedade brasileira, como Itacoatiara se apresenta frente a essas manifestações artísticas e culturais? Quais foram as implicações diretas na juventude Itacoatirense das notícias ouvidas do rádio e assistida pela TV em uma das poucas cidades ligada à capital, Manaus por via terrestre?
Uma das poucas referências ao momento político e cultural da cidade de Itacoatiara desenvolvido nas décadas de 1970, 1980 e 1990 encontra-se no livro “E Deus visitou seu povo” de autoria de Sylvia Ribeiro (2003), onde buscou contar a história da prelazia de Itacoatiara (fundada em 1964). No capítulo dedicado à Pastoral da Juventude (PJ), descreve as relações organizacionais dos jovens da Igreja Católica para com os movimentos políticos estudantis, partidários, artísticos e culturais.
Com a organização dos jovens da PJ nas comunidades religiosas na cidade de Itacoatiara, apareceram os primeiros festivais de músicas de cunho religioso e político, manifestações teatrais, artes plásticas e poesia. Segundo a autora, no fim da década de 1970, os ecos da “chamada abertura política” (projeto do governo Geisel) e o “movimento de redemocratização” que passou a vigorar no Brasil como palavra de ordem, chegou a Itacoatiara influenciando a juventude.
De acordo com o histórico da Pastoral da Juventude, cedido por J. A, de 60 anos de idade, após muitas reuniões no sentido de organizar os grupos de jovens da Igreja Católica, em 1970, foram criados grupos de jovens em todas as comunidades religiosas da cidade de Itacoatiara, com siglas que identificavam a sua comunidade como o JUCAJ da comunidade do Cristo Rei, Juventude Unida da Colônia (JUC), Juventude Unida de Pedreiras (JUP), Juventude Unida em Cristo do Bairro do Iraci (JUCRIS), Juventude Amor a Cristo São Lazaro (JAC-SL), Juventude Unida de Nazaré (JUN), JUAC, JUC-SJ e JAC. Passaram a utilizar das manifestações artísticas e culturais para atrair jovens à Igreja.
Ribeiro (2003) comenta que os grupos JAC-SL de Santa Luzia e JUCAJ do Cristo Rei lançaram dois informativos “O CLARÃO” e o “BIJU”, no programa de rádio, que era pago pelos próprios jovens, através de promoções de bingos, shows e doações dos sócios.
O histórico da PJ, doado por J. A, de 60 anos de idade, comenta que as promoções realizadas pelos jovens se chamavam JOVEM SHOW, consistia em eventos com apresentação de calouros, perguntas e respostas, danças e sorteios, segundo o documento, “para custear o programa (SIC rádio) Juventude a Conquista de Novos Dias”. Os sorteios que eram feitos no programa de rádio, era pelo sistema de carnês do “Sócio-Clube”.
As atividades esportivas como campeonatos de futebol de salão e o teatro ocupavam o tempo das reuniões, e com isso, não havia espaço para uma reflexão mais profunda das questões religiosas. Mas, foi com a necessidade de fomentar entre os jovens esse interesse, que em 1979, realizou-se o I Festival de Música Cristã de Itacoatiara (FEMUCRI). Segundo o histórico da Pastoral da Juventude, os clérigos da Igreja passaram a perceber o evento, como “um canal eficaz para a evangelização”. Uma vez que, o FEMUCRI foi um grande incentivo para a articulação da PJ em toda a prelazia
[13] e garantiu o contato de jovens dos vários municípios da área rural.
Com a propagação da Carta de Puebla (1979)
[14], na Igreja Católica, que tinha como objetivo incluir os pobres e os jovens em suas preferências, fazia sentir entre os jovens itacoatiarenses todos os reflexos da movimentação política, para uma maior liberdade de expressão, ocorrida principalmente nos estados do Sudeste, após tantos anos de ditadura militar. Em 1979, começaram a surgir rumores da possibilidade de ativação da Organização dos Estudantes de Itacoatiara (OEI) que tinha sido interrompido em 1964 pela ditadura. Uma vez que os jovens discutiam jeitos de participar mais ativamente nas decisões políticas do país. Portanto, em 1980, algumas lideranças da PJ assumiram a liderança da OEI que não era ligada à Igreja.
Ribeiro (2003) afirma que a OEI tem um papel fundamental para a implantação da Universidade do Amazonas (UA, hoje Universidade Federal do Amazonas – UFAM em Itacoatiara), com a reivindicação através do informativo “O LÁPIS”. Além da criação de dois grupos de teatros o BURITI e TUCUMÃ, a promoção do I Festival Estudantil de Poesias de Itacoatiara (FESPI) e o I Congresso de Cultura Popular realizado na então Escola Secundarista Deputado Vital de Mendonça, com o apoio de professores da UA.
A autora chama atenção pela repercussão que o I Congresso de Cultura Popular causou, segundo ela, “o Deputado Cleuter Mendonça e a revista Cruzeiro, publicou reportagem que atacava o D. Jorge Maskell, acusando de orientador do grupo de estudantes, o que não era verdade”.
Com a inserção dos jovens da Pastoral da Juventude no movimento estudantil, a Pastoral, acabou passando por uma desarticulação, devido às várias correntes partidárias e ideológicas que vieram para o âmbito da Igreja, por isso que, em 1981, a PJ realizou o II e o III FEMUCRI, um no início, outro no final do ano. Em 1982, realizou-se o IV FEMUCRI que fazia referência ao tema do primeiro, Uma forma de cantar a verdade, nesse momento, a PJ decidiu fazer toda uma reflexão nos grupos de base, sobre a redescoberta dos valores e a realidade dos povos indígenas, os meios para a discussão, foi através de músicas, liturgias e teatro. Com o processo de fortalecimento da PJ, em 1983 realizou-se o V FEMUCRI que culminou com um curso para coordenadores da Pastoral da Juventude da zona rural da prelazia de Itacoatiara.
Em 1984 no Congresso de Jovens cristão de Itacoatiara realizado no Centrepi
[15], ocorreu o Festival de Música Cristã da Prelazia de Itacoatiara (FEMUPI) para permitir a participação dos jovens das comunidades da Prelazia de Itacoatiara. Ribeiro (2003, p.140), afirma que o FEMUPI realizou-se todos os anos até 1989. Segundo a autora, “os Festivais de musica cristã, como foi dito, foram sempre momentos fortes na caminhada: eram arte, convivência, esforço de organização e convivência fraterna”.
No âmbito da Igreja, os festivais foram utilizados como forma de engajamento dos jovens, uma vez que as competições passaram a ficar acirradas a PJ tomou a seguinte decisão: “os prêmios para as melhores músicas e apresentadores estimulavam a competição e a rivalidade entre os grupos e municípios, por isso, tomou-se a decisão, a partir de 1987, de realizar os Festivais (IV, V, e VI FEMUPI) sem concorrência” (RIBEIRO, 2003, p.141).
Na medida em que os congressos de formação de jovens ocorriam na Igreja, passou a realizar desde 1992 o CONFEST (a junção de congresso e festival) com o tema: Renascer da cultura para evangelizar. Como apontamos no primeiro capítulo desta dissertação, Ribeiro (2003) considera que o FECANI teria sido inspirado nos Festivais de música cristã da Igreja Católica. Em suas palavras:


A respeito dos festivais de música em Itacoatiara vale lembrar o seguinte: a cidade é conhecida pelo FECANI (Festival da Canção de Itacoatiarense) que se realizou pela primeira vez no ano de 1985 na Quadra Herculano de Castro e Costa.
No ano anterior, no mesmo local, havia sido apresentado com sucesso o I FEMUPI, por Jovens de toda prelazia. Na ocasião, estavam presentes membros AIRMA (Associação dos Itacoatiarenses Residentes em Manaus) que apreciaram muito o espetáculo. No ano seguinte, como foi dito, realizou-se o I FECANI, promovido pela AIRMA, com o apoio e os recursos da Secretaria Municipal de Cultura. Podemos assim dizer que provavelmente a inspiração para o FECANI veio dos Festivais da nossa pastoral da Juventude (RIBEIRO, 2003, p. 141-142).


Ao observar as atividades desenvolvidas pelos jovens, na Igreja Católica, referente às décadas de 1970 e 1980, notasse um movimento político, artístico e cultural que vai para além dos meandros da Igreja, em cidades como Itacoatiara e Manaus. Segundo as informações de J. D, de 48 anos de idade. Em Manaus, algumas comunidades que se sentiram tocadas pela Carta de Puebla, através da PJ, passaram a desenvolver atividades parecidas das que foram descritas na cidade de Itacoatiara. “Na comunidade de São Jorge, no bairro de São Jorge, aqui em Manaus, nós realizávamos e ainda realizamos o Festival de Musica Cristã da Igreja de São Jorge. Neste festival, nós abrimos oportunidade para aquele jovem expressar através da música a sua fé... Tu sabe o FUM?! O Festival de Música da Universidade Federal do Amazonas, passou a ser realizado quando alguns dos nossos colegas entraram na universidade e aí levaram a idéia pra lá... (entrevista realizada dia 06 de agosto de 2008, Manaus, J. D, 48 anos de idade).
A presença da Igreja Católica na Amazônia é fato, se no primeiro momento ela aparece sobre a égide do colonizador europeu, no século XVI, causando a morte epistêmica de muitas etnias indígenas, resultando bem ou mal em um processo de miscigenação cultural. Em um outro, no século XX, como espaço para discussão das questões políticas, econômicas e culturais. Lugar de onde saíram as diferentes representatividades sociais, como políticos, artistas plásticos, músicos e outros.
O vídeo documentário produzido sobre o FECANI, em 2006, por Thyrso Muñoz aponta o evento como sendo resultado de influências dos festivais de canção da década de 80, mas não se pode negar a existência dos Festivais de música cristã que existiam em Itacoatiara. Por outro lado, afirma que o projeto FECANI já estava pensado pela a AIRMA e depois de tanto ser adiado (por motivos políticos), veio ocorrer em 1985, com apoio da Superintendência Cultural do Amazonas, com o tema O despertar da Música no Horizonte de Itacoatiara. É interessante que neste mesmo documentário, o documentarista faz um paralelo entre a visão dos mestres tocadores de Itacoatiara com as apresentações dos concorrentes do FECANI. Ele mostra o depoimento de Waldemar Repolho (com aparência de uns 70 anos de idade), tocador de sax-fone em Itacoatiara, conhecido como um dos tocadores antigos da cidade que, quando jovem, chegou a tocar nas chamadas festas dos beiradões. Vale chamar atenção para participação do Senhor Waldemar Repolho no vídeo, músico que tocou no primeiro FECANI dizendo que a primeira realização do Festival nasceu no contexto da praça Herculano de Castro e Costa com a Banda Os Adoráveis, e hoje com projeção estrutural do evento para um centro de eventos, melhorou em termos público e de espaço, usa o termo “evolução” para caracterizar esta passagem.
O vídeo FECANI: Um festival na gangorra, chama-nos a atenção para os mestres das canções na cidade de Itacoatiara, sobretudo, para importância dos tocadores no interior do Amazonas. No estudo intitulado Cultura, Cotidiano e Poder: os seringais e as relações de poder nos seringais do rio Madeira (1880-1930), Davi Leal (2007) remete-nos para as festas nos seringais, como espaço de resistência simbólica da exploração dos donos. Ele faz referência ao político e escritor Álvaro Maia, que nas festas dos beiradões, forrós regados a cachaça “animavam a vida da rapaziada” e chamava a atenção às canções e desafios travados no meio da festa. Em suas palavras:


As festas nos barracões recebiam o nome de desfeiteiras e eram caracterizadas pelas provocações e desabafos cantados durantes o baile. Onde a estrutura desses cantos populares está permeado por um rico imaginário que, ao mostrar o sonho do seringueiro de conseguir uma mulher para casar, rompe simbolicamente com o próprio limite imposto pela sociedade, pois o canto não pode ofender a honra de ninguém, sendo desta forma, aceito por todos como brincadeiras bobas. Pois como lembra o autor, no interior não se pode faltar com o respeito com “tocadores, parteiras, benzedores, e donos de motor [pois] são criaturas com que ninguém briga, pela necessidade de seus serviços de uma ora para outra” (MAIA,1956, p.305). (LEAL, 2007, p. 151-153).


Em observação ao FECANI 2006, entrevistamos o senhor Eliézio Fernandes Farias, 77 anos, participante do concurso do ITA-CONTA, durante a entrevista ele fez referência ao senhor Algenor Alves (homenageado em 2006, dando nome à Tenda Cultural, onde ocorriam os concursos locais). Ele era amigo de longa data do senhor Algenor Alves que faleceu em 2005, com 81 anos de idade. Ambos compartilhavam do mesmo grupo musical, intitulado “Grupo Amazonas Caboclo”, que tinha um programa na rádio Difusora FM de Itacoatiara. Comentou que “o Grupo Amazonas Caboclo” era formado por músicos que tinham grande prestígio social na cidade, como o Senhor Raimundo Diniz dos Santos, ou simplesmente, Seu Didico. Em especial seu Didico, que ficou conhecido na cidade de Itacoatiara por ter feito uma apresentação no Teatro Amazonas
[16], na década de 1990, e por ter uma boa relação com os componentes do grupo musical Raízes Caboclas. Segundo Seu Eli, sobre os músicos da cidade de Itacoatiara,


Agenor Alves era um músico amigo de todo mundo... Ele faleceu agora, com 81 anos, ano passado (2005)... Aqui tinha muitos músicos de violão, violino... Acabou que morreu tudo. Tinha um por nome de Luiz Barreto, que chamavam de Luiz Bacurau, tinha o seu Luiz Ramos, que eles chamavam de Luiz Pinga. Tinha o seu Luiz Gama... Tinha o Chico malta... E foram morrendo. Agora morreu o seu Didico, que era também tocador de violino, chamavam ele de cabelo de juta, porque ele era albino e ele não se zangava. Ele morreu com 70 e poucos anos... Ele era muito meu amigo. Ultimamente ele organizou um grupo musical... Era ele no violino, eu no triangulo, tinha o do atabaque, do cavaquinho, do violão, do pandeiro, e do maracá. Éramos sete ao todo. Tocávamos musicas do passado... Aquele samba alegre, bom, bonito... Andamos até tocando na radio difusora a convite do Cleuter Mendonça. Foi quando Didico adoeceu e faleceu... Agente ficou tudo [inaudível]... Chamava-se Grupo Amazonas Caboclo (Eliézio Fernandes, 77 anos de idade, FECANI, 2006).

O grupo era formado pelos músicos mais antigos da cidade de Itacoatiara e alguns deles, tocavam em outra formação com a Bandinha do Amor, adquiriam prestigio nas alvoradas das festividades de Santos Católicos, eram bem conhecidos pelas pessoas mais antigas da cidade, sobretudo, aqueles oriundos das comunidades interioranas, pois tocavam nas famosas festas de beiradão
[17].
Quando se trata de fazer referência aos mestres tocadores de Itacoatiara, o Senhor Didico é referência nas falas, tanto pela sua habilidade em tocar instrumentos de corda e confeccioná-los, como violinos. Eu mesmo tive oportunidade de presenciar a confecção do seu último instrumento que não chegou a ficar pronto. Em 1999, tive a oportunidade de conviver com ele por cinco meses na cidade de Itacoatiara, foi quando decidi aprender a tocar violão, e por indicação de muitos músicos de sucesso na cidade, inclusive por seus netos que também são músicos.
Por um valor monetário simbólico, tínhamos aulas toda manhã, pois à tarde ele se dedicava no fundo de sua casa, para construção de instrumentos que fazia por encomenda, utilizando como ferramenta principal, um canivete. Infelizmente o convívio que tivemos foi por alguns meses, pois as dores do câncer que levou a óbito alguns meses depois já se manifestava. Com um ensinamento metódico sobre as escalas nusicais e o cuidado que o músico deveria ter com o seu instrumento, me contava suas andanças pelas festas dos interiores do médio Amazonas (nos beiradões) e as namoradas que conquistava. Sobre a vida e a genialidade desse músico, seu Eli fez o seguinte comentário:


Didico conhecia mesmo a música... O gozado que ele aprendeu a tocar sem ninguém ensinar. Quando ele era criança, ele pegava os instrumentos do irmão mais velho sem ele saber, e mexia, treinava sem ninguém saber. Mas, ele aprendeu a tocar... Ele era tão perfeito que enquanto o locutor da rádio estava fazendo o comercial ele já dizia pros colegas o tom da música que nós íamos cantar. Antes de tocar ele já sabia... Ele mesmo fazia seus instrumentos. O violino é o pior instrumento pra pessoa fazer. Primeiro que ele não tem as escalas, aquelas escalas que o violão tem. O cabo dele é liso. Rapaz!.. O cabo do violino é assim todo enrolado, cheio de tanta coisa... E ele fazia com o canivete... Perfeito!


Sobre a importância dos mestres tocadores da música na cidade de Itacoatiara e a época dos Festivais de canção, vale lembrar o comentário do radialista e apresentador do FECANI, o senhor Rui Castro, que no estudo do FECANI 2004 (XX edição), comentou que “por volta dos fins dos anos 70 e meados da década de 80, os jovens da cidade reuniam-se nas praças da cidade para tocar violão e cantar até tarde da noite, bem como nas escolas onde os grupos de estudantes cantavam as músicas dos tempos dos festivais de canção”.
Portanto, nota-se que, no FECANI, é possível encontrar as “práticas tradicionais” existentes, como as canções populares, exposição de artes plásticas, proclamações poéticas, artesanato de palha e práticas esportivas, que foram modificadas, ritualizadas e institucionalizadas para servir a novos propósitos que, nesse caso, a uma alternativa econômica e turística para o município de Itacoatiara. Desenvolveu-se um conjunto de rituais bastante eficaz em torno dessas ocasiões: a construção de um centro de eventos para o FECANI, regras e normas para seleção dos concorrentes que disputarão nos diferentes concursos do evento, como o caso do concurso FECANI na obrigatoriedade de apresentação da letra e música através de partituras e cifras.
Na ritualização desses novos elementos em torno de uma institucionalização do FECANI, aspectos simbólicos e acessórios inteiramente novos foram criados como parte de um movimento que busca a legitimação frente a outras instituições. Nesse caso, observa-se que no decorrer de realização do Festival, aspectos simbólicos devotados a região Amazônica foram aparecendo em expressões artísticas. Como por exemplo, na tematização dos painéis dos palcos, nas letras das canções, nos “concursos culturais” e por último nos anúncios de rádio e TV que apresenta o Festival imbuído de uma exotização, como “FECANI o som da floresta”, “o festival que canta a preservação”, “é o maior festival do norte!”. Ou então, como palco para a divulgação da Música Popular Amazonense (MPA), conforme Menezes (2008, p. 11-12) seria uma categoria de classificação musical que “apresenta em suas letras temas característicos da Região Amazônica, enfatizando o cotidiano do homem mestiço caboclo, indígena, o homem da cidade, os migrantes”. Além de “aspectos relacionados à saudade do interior e a paixão pela cidade, costumes regionais, festas, crenças, folclore, lendas, o rio, a floresta, os animais e outros motivos que inspiram músicos e compositores a produzirem música”.


1.7 Alteridade como elemento formador das múltiplas representações de Amazônia no FECANI

Após o contexto de surgimento do FECANI, envolvido em uma dinamicidade da Música Popular Brasileira e de movimentos políticos e culturais do Brasil, cabem-nos algumas questões. Qual é a noção de Amazônia que está em voga nas manifestações artísticas e culturais dos sujeitos presentes no Festival? A mesma representação de Amazônia que é proposta pelos organizadores do evento é a mesma manifestada pelos concorrentes dos concursos e público participante?
Ao analisar o processo de formação espacial das cidades tomando a alteridade como elemento preponderante para acessibilidade do espaço público, Serpa (2007, p. 20) considera que “os símbolos que compõe uma identidade social não são construções totalmente arbitrárias ou aleatórias, já que sempre mantêm determinados vínculos com a realidade concreta”. Desta forma, podemos considerar que essas realidades se exprimem de acordo com as diferentes formas identitárias produzidas no contexto social.
A leitura Antropológica sugere-nos que as identidades constroem-se, a partir do reconhecimento de uma alteridade, levando-se em consideração a existência de uma interação, transações, relações ou contatos entre grupos diferentes.
No sentido de refletir a evocação da Região Amazônica nas expressões artísticas, culturais dos concursos do FECANI e na divulgação do evento na mídia. Reconhecemos que esse conceito implica em várias perspectivas de interpretação, conforme elucida Pierre Bourdieu (2004) em “A identidade e a representação: elementos para uma reflexão crítica sobre a idéia de região”.
Sobre o título de “as lutas pelo poder de di-visão”, o autor aponta que primeiramente o conceito de Região está em jogo como objeto dos cientistas. Ele faz crítica de modo particular aos geógrafos que foram responsáveis em um primeiro momento pelos inquéritos regionais aos economistas. A relação social dessas duas ciências ocorreu da seguinte maneira: os geógrafos definem a região, a partir do conteúdo do espaço e os economistas percebem a região como uma entidade em que as relações internas são preponderantes, onde o “custo” seria o elemento analítico. E segundo a luta sobre a autoridade científica, é menos autônoma do que pretende ser, e nesse caso, o que fica claro é a oposição da lógica da ciência com o da prática, configurando o trabalho de classificação como arbitrário.
O autor sugere que a região é definida pelos critérios objetivos de “identidade regional ou etnias, que são objetos de representações estratégicas interessadas de manipulação simbólica”, onde é determinado pela “representação mental que os outros podem ter destas propriedades e dos seus portadores”. Que neste caso, adquire importância origem através do “lugar e dos sinais duradoiros que lhes são correlativos, como o sotaque (...) lutas pelo monopólio de fazer crer, de dar a conhecer e de fazer reconhecer, de impor a definição legítima do mundo e por este meio de fazer e refazer os grupos”. Nesse sentido, o poder de impor uma visão do mundo social através do principio de “di-visão”, seria “quando se impõe a um conjunto de um grupo, realizam o consenso sobre o sentido em particular, sobre a identidade e a unidade do grupo que fazem à realidade da unidade e da identidade do grupo” (BOURDIEU, 2004, p. 112-113).
O principio de “di-visão” legítima do mundo social se dá através da noção de fronteira (fines), que ocorre no “acto de vestígio de autoridade”, consistindo, desta forma, em circunscrever a região como o território (fines) e impor a definição. Para ilustrar o que Bourdieu nos indica, tomemos os Estados do Amazonas e do Pará, ambos da chamada região Amazônica, que são definidos por fronteiras administrativas, físicas e simbólicas, adquirindo na consciência dos sujeitos sociais que participam destas unidades administrativas e delimitadas espacialmente a identidade de grupo ou de pertencimento de uma dada localidade.
Bourdieu (2004) nos chama atenção para o “discurso performativo” dos regionalistas, que segundo ele, teria como objetivo impor como legítima uma nova definição das fronteiras, de dar a reconhecer, e de fazer conhecer, a região como delimitada, e assim desconhecida, contra a definição dominante, mas que precisa do reconhecimento daqueles que o institui como tal, para ser reconhecida. Para tanto, o autor afirma que:


A reivindicação regionalista, por muito longínqua que pareça deste nacionalismo sem território, é também uma resposta à estigmatização que produz o território de que, aparentemente, ela é produto. E, de fato, se a região não existisse como espaço estigmatizado, como “província” pela distância econômica e social (e não geográfica) em relação ao centro, quer dizer, pela privação do capital (material e simbólico) que a capital concentra, não teria como reivindicar a existência (BOURDIEU, 2004, p.126).


Dessa forma, as muitas representações que se tem sobre a região Amazônica, que são tomadas pelos sujeitos no festival, provem de uma construção filosófica e histórica sugerida desde o período das “grandes viagens” ao novo continente, permeado por um imaginário eurocêntrico, onde esta região ainda é o lugar do “exótico” do “sobrenatural”, do “Eldorado”, das “Guerreiras Amazonas”, “inferno verde” e outras imagens.
Gilbert Durand apud Danielle Pitta (2005) diz que o sentido das imagens ocorre pela relação da ação do homem com a natureza, pois ele está exercendo uma faculdade que lhe é própria: “dar sentido ao mundo através da imaginação”. Cada imagem seja ela mítica, literária ou visual, se forma em torno de uma orientação fundamental, que se compõe dos sentimentos e das emoções próprios de uma cultura, assim como de toda experiência individual e coletiva, que corresponderia ao schème
[18].
Renan Pinto (2006, p. 13) em a “Viagem das idéias”, nos sugere que as idéias dependendo do lugar e do momento, possuem em determinadas situações especiais e em certos momentos singulares a capacidade de se imporem como sistema de pensamento predominante, a partir da qual se passa a sentir, a agir e a perceber o mundo das coisas e dos homens. E sobre o sentido na qual às situações, às idéias perdem seu impulso original em momentos desfavoráveis à sua propagação e extravio, o autor considera que:


Queremos sugerir que o processo de formação do pensamento que constitui a Amazônia, como um espaço de natural e cultural, vem ao longo desses cinco séculos produzindo e continuamente reinventando, a partir de um conjunto relativamente limitado de idéias, as percepções que se tornaram as mais persistentes, dentro certamente de quadro mais amplo e diversificado da geografia do Novo Mundo. Um outro aspecto certamente digno da atenção de toda a investigação em torno do desenvolvimento da história das idéias sobre a Amazônia é que esse processo tem envolvido uma gama bastante diferenciada de campos da ciência e do pensamento, mas tem concentrado de forma especial em áreas como a da história natural, da geografia, da antropologia (PINTO, 2006, p. 13).

Para pensar a Amazônia, o autor nos sugere pensarmos o processo de criação filosófica do Novo Mundo. De acordo com Boaventura (2006), o processo de criação do Oriente pelo Ocidente está marcado por uma relação de força, de onde “o ato de descoberta é necessariamente recíproco: quem descobre é também descoberto”.
Para Boaventura (2006) é o descobridor quem tem mais poder e mais saber, e com isso, a capacidade de declarar o outro como descoberto. É nessa desigualdade de poder e saber que transforma a reciprocidade da descoberta na apropriação do descoberto. E com isso, toda descoberta tem algo de imperial, onde se exerce uma ação de controle e de submissão.
O autor coloca que a descoberta imperial é marcada por duas dimensões: uma empírica que é o ato de descobrir e outra conceptual a idéia do que se descobre. Para ele a dimensão conceptual procede à empírica porque é o ato que comanda toda a descoberta que lhe segue, onde a idéia de inferioridade do outro transforma em violência física e epistêmica.
A produção da inferioridade é determinante para sustentar a noção de descoberta imperial. Contudo, é necessário recorrer a múltiplas estratégias de inferiorização, onde o Ocidente recorre a formas de imposição como guerra, imposição econômica (globalização neoliberal), política (cruzadas, império, estado colonial, ditadura, democracia) cultural (epistemicídio, missionação, assimilacionismo, indústrias culturais e cultura de massa).
A Amazônia, assim como o Novo Mundo (países da América Latina, Africanos) está enquadrada nesse oriente, como a última fronteira onde os recursos naturais estão para ser explorados pelo ocidente. Nesse sentido, esse novo espaço esteve presente nas reflexões entorno de temas como o surgimento da sociedade e do Estado (idéias de Rousseau) do reconhecimento de desigualdade entre homens e os “povos”, das novas geografias e continuam dando subsídios para novos pólos, que recriam a idéia do “bom selvagem” em consonância com a de “povos da floresta” e de “ribeirinhos”, subsidiando desta forma um novo romantismo social.
Boaventura (2006) afirma que a idéia ocidental na definição do “Nós” que determinou a definição do “Eles”, ou seja, a idéia de que eles o, Novus Homens, seriam o diferente, o lugar da alteridade. Ainda hoje essa idéia é permeada pelo paradigma de Sepúlveda
[19], pois que perpassa o discurso indigenista do Estado e das ONGs, que por vez acaba sendo reproduzido no senso comum. “Se o Oriente é para o Ocidente o lugar da alteridade, o selvagem é o lugar da inferioridade. O selvagem é a diferença incapaz de se constituir em alteridade”.
A natureza é a outra grande descoberta que está concomitantemente ligada à descoberta do selvagem ameríndio. “Se o selvagem é, por excelência, o lugar da inferioridade, a natureza é, por excelência, o lugar da exterioridade. Mas, como o que é exterior não pertence e o que não pertence não é reconhecido como igual, o lugar de exterioridade é também um lugar de inferioridade”. Para o autor, a violência civilizatória que no caso dos “selvagens”, exerce-se por via da destruição dos conhecimentos nativos tradicionais e pela demonstração de um conhecimento e fé “verdadeiros” no caso da natureza, esse exercício se dá pela produção de um conhecimento que permita transformá-la em recurso natural. Ambos os casos são estratégias de poder e dominação.
Hoje é dada a importância aos conhecimentos tradicionais referente às práticas de cura das sociedades indígenas e povos tradicionais, sobretudo, na Amazônia. Nesse contexto, as grandes indústrias farmacêuticas, de biotecnologias e cosméticos já haviam voltado os seus interesses para descobertas comerciais. As forças capitalistas impõem as sociedades tradicionais o paradigma entre o sentido do falso desenvolvimento sustentável e a destruição da biodiversidade Amazônica com sua flora e fauna.
As correntes de matrizes de pensamento ocidental, que influenciam diretamente em grande parte o pensamento social sobre a Amazônia, refere-se aos pensadores que não tratam diretamente da região, mas que se envolveram com questões que se relacionam diretamente com as idéias centrais que tem sido utilizadas para descrevê-las e interpretá-la. Renan Pinto (2006) indica para um número pequeno de pesquisadores que mais diretamente tomam a região como objeto de suas reflexões, que terminaram por trazer alguma forma de contribuição mais aceitável da história das idéias sociais no Brasil.
Luiz de Castro Faria (2006) em “Antropologia: duas ciências. Notas para uma história da Antropologia no Brasil”, discorre sobre a forma de estabelecimento dos corpos teórico e do fazer antropológico no Brasil. Para ele, a antropologia tem duas epistemes, uma fundada na biologia e outra na ciência social.
A antropologia fundada na biologia, configurou-se no Brasil ligada às ciências biológicas. Por exemplo, o problema da mestiçagem era colocado pela biologia, onde a referida questão encontrou-se presente durante um longo período de tempo em autores brasileiros, porque também na Europa discute-se muito o problema da superioridade ou inferioridade do mestiço. Que concerne a um problema em termos de cruzamento entre raças distintas e das consequências desse cruzamento. Não é um problema que vem depois em outra antropologia em termos de preconceitos ou representações preconcebidas.
A todo o momento o autor preocupa-se em diferenciar as terminologias classificatórias colocando diferenças entre Cultura brasileira, Sociedade brasileira e População brasileira. Onde por exemplo, o sociólogo não tem capacidade técnica para lidar com população. População é um termo que remete aos corpos teóricos da biologia geral, sobretudo da genética ou então da estatística, da demografia, mas não é um termo sociológico. Sociedade não é o mesmo que população. Essas terminologias classificatórias oriundas desse “tempo biológico
[20]” ainda estão presentes no âmbito acadêmico e social que, com muito esforço, luta para se libertar.
A hegemonia da biologia é muito forte no século XVIII, e influenciou diretamente na visão dos primeiros viajantes e naturalistas que passaram pela Amazônia, sobretudo no século XIX. Ela está ligada também à visão determinista marcada, por exemplo, no pensamento de Euclides da Cunha (1866-1909) no fim do século XIX e meados do século XX, categorias de pensamento que são usadas para explicar processos de construção a respeito de povos tradicionais da Amazônia.
A idéia romantizada do caboclo que sobrevive do meio, “em verdadeira harmonia com a natureza”, sujeito este que na teoria evolucionista é advento do índio, ou de outras representações, como no caso do seringueiro que não se distingue da seringueira, é um quadro que está fortemente marcado por metáforas nas obras de Euclides da Cunha com a noção de “Inferno Verde”, ou de “Paraíso Perdido”.
Nesse recurso metafórico, não é o homem que aparece. É o que se percebe na estrutura da obra “Os sertões” (1903), no primeiro capítulo o que aparece em evidência é a descrição da terra, e no segundo é o homem. Essa ordem de interpretação marcou em grande parte as produções bibliográficas sobre a Amazônia. Nas primeiras obras sobre Amazônia encontram-se na primeira instância as descrições de grandes distancias, das extensões de terras. Seria uma hipérbole que marca uma relação em que o homem é sempre visto como impotente diante da magnitude da natureza. Pode-se notar que esse esquema interpretativo é muito forte, ele condiciona as visões, faz com que todos os agentes sociais sejam passivos dessas interpretações, esse quadro interpretativo marcou toda a literatura dos administradores coloniais, igualmente toda a literatura eclesiástica, religiosa, das ordens religiosas. Nota-se essas formas de descrição presentes nas expressões artísticas como, em grande parte dos quadros do ITA-ARTE, em algumas poesias do COMPOFAI e algumas estórias do ITA-CONTA.
Nota-se nos estudos de Charles Wagley (1988) e de Eduardo Galvão (1976), em 1948 e 1949, o aparecimento da categoria “caboclo”. Para os autores, o caboclo figurava na classificação das populações rurais do Amazonas, onde “os chamados caboclos- biologicamente ainda era na maioria ameríndia – porém, culturalmente, já era luso-brasileira. Ainda assim, estes camponeses, índios ou caboclos eram para os europeus da cidade e das vilas, semi-bárbaros, e de fato a sua maneira de viver, era muito semelhante a dos índios” (WAGLEY, 1967, p.45). Essa passagem sugere-nos que as sociedades Amazônicas são frutos da miscigenação entre os índios e outros que vieram a Amazônia nos diferentes processos de migração.
No senso comum, quando se pensa em um “homem Amazônico” envolvido em suas práticas cotidianas de trabalho, nas suas relações sociais e produção de bens simbólicos sobre o meio Amazônico, considera-se sobre o designo de caboclo. O termo caboclo é fruto de embates e discussões teóricas no âmbito acadêmico, principalmente devido às teorias raciais do séc. XIX que figuraram o caboclo na “ideologia do mestiço”, criando no Brasil uma suposta “democracia racial”, mascarando os conflitos identitários no país.
Sob a ótica da “aculturação”, o caboclo tornou-se o índio destribalizado, ou oposição de moradores da cidade em relação ao interior (área rural, ribeirinha), faz referência aquele “tirado ou procedente do mato”, do “interior”. Seria “uma categoria de classificação social empregada por estranhos com base no reconhecimento de que a população rural amazônica compartilha um conjunto de atributos comuns”. Assumindo um termo genérico de classificação social, inclui-se ainda identidades sociais, onde vários sujeitos da Amazônia se definem por sua atividade principal, como seringueiros, castanheiros, quebradeiras de côco, pescadores, etc.
Pelas diversas manifestações da cultura popular sobre este termo, refere-se à construção de múltiplas identidades de grupos urbanos, tomando elementos pertencentes a um imaginário amazônico com o propósito de identificação social e visibilidade frente a outros Estados regionais da nação.
Dessa forma, pode-se considerar que a auto-identificação dos indivíduos “da cidade” e “do interior” enquanto caboclo, ocorre na medida em que este assume uma identidade regional, onde as coisas da terra natal (neste caso a Amazônia) são sempre melhores ou diferentes, configurando-se em expressões cultural da culinária, das formas de moradia, do trabalho, lazer e outras. Onde a construção da idéia de região é definida por critérios objetivos de “identidade regional ou etnias, que são objetos de representações estratégicas interessadas de manipulação simbólica” onde é determinado pela “representação mental que os outros podem ter destas propriedades e dos seus portadores”.
Desse modo, é o que nos permite compreender as reivindicações de algumas representações identitárias que são expressas no FECANI, mesmo que de uma maneira genérica, tal como o termo caboclo, ribeirinho e índio. É o que marcaria uma diferenciação cultural nas expressões artísticas do FECANI, levando-se em consideração a pressão dos meios de comunicação em vincular ao evento um diferencial frente aos inúmeros festivais de canção do Brasil. Seria o uso da exotização frente ao espetáculo e à diferenciação em relação ao mundo globalizado. Pode-se considerar que é na produção dessa alteridade, a territorialidade simbólica vem sendo definida. Ela pode estar impregnada de laços de identidade, tentando, de alguma forma, homogeneizar esse território, dotá-lo de um lugar minimamente igualizante, seja por uma identidade territorial, ou por fronteira definidora de alteridade.
Neste capítulo, vimos que o contexto de criação do FECANI ocorreu perante aos processos culturais, políticos e históricos pela qual passou a sociedade brasileira, através dos diferentes movimentos musicais que tem sua expressão máxima nas décadas de 1960, 1970 e 1980 com os festivais de canção do Brasil, que de maneira localizada, exprime-se em movimentos de grupos de jovens da Igreja Católica, mesmo com uma roupagem religiosa no sentido de criar artifícios para evangelização, encontram-se nos festivais de canção da Igreja uma forma crítica de retratar a sociedade brasileira (atenção aos pobres, as minorias étnicas, a migração, aos ribeirinhos, agricultores, aos grandes projetos de desenvolvimento e integralização da Amazônia, problemas ambientais de desmatamento e extinção da flora e fauna Amazônica), além das expressões poéticas devotadas ao amor, paixão e ao devaneio.
Nota-se que o Festival da Canção de Itacoatiara nasce como alternativa aos diferentes dramas sociais ou “dramatis personae” (GEERTZ, 1997, p. 95) que são vivenciados no dia-dia por pessoas de diferentes credos religiosos, concepções políticas, ideológicas, ocupações sociais de trabalho na cidade de Itacoatiara, onde o local, é tomado a partir da vida ritual dos indivíduos em uma dada estrutura social. Nota-se, por exemplo, nos diferentes concursos criados e restritos para participação de moradores da cidade, como o Concurso de Palha de Itacoatiara (ITA-PALHA), Concurso de Mostra de Comidas e Docinhos Caseiros de Itacoatiara (MOCAITA), ITA-FILME, NAITA e concursos esportivos. Porque “as máscaras que usam e o lugar que ocupam no palco, os papéis que desempenham, é ainda mais importante, o espetáculo que montam juntos permanecem e compreendem não a fachada, mas sim a substância das coisas, inclusive a do eu”.
Nesse caso, o senso comum pode ser visto como um sistema cultural, onde as práticas culturais são oriundas do cotidiano que servem como formas de aprendizagem, diferenciando-se, dessa forma, das práticas científicas de aprendizado. Essa sistematização da cultura passa por aspectos relacionados à religião, ideologia e política que estão presentes dentro de uma dada sociedade. A arte tem importância fundamental na “exploração de uma sensibilidade formada pelo coletivo”, pois, através dela, é possível perceber a “expressão de atitudes sociais” de uma localidade (GERRTZ, 1997, p.149). Dessa forma, consideramos que as expressões culturais dos concursos desenvolvidos durante o festival, são formas de valorização do artista local.
Ruben Oliven (2006) em “O nacional e o regional na construção da identidade brasileira” observa que documento “Manifesto Regionalista”, elaborado no I Congresso Brasileiro de Regionalismo, em Recife (PE), no ano de 1926, tinha como proposta a defesa da região enquanto unidade de organização nacional e a conservação dos valores regionais e tradicionais do Brasil. Este documento “propõe a organização do país visando consolidar a sociedade brasileira”, sobre “um modelo político-administrativo da nação, pois é o conjunto de regiões e não uma coleção arbitrária de estados que formaria de fato o Brasil” (OLIVEN, 2006, p. 45).
Essa discussão sobre o modelo de afirmação de identidades regionais no Brasil mostra que se antes os Estados brasileiros foram esvaziados economicamente e culturalmente, hoje os Estados estão adquirindo novos argumentos que valorizam as suas potencialidades.
Desse modo, o autor faz referência a Gilberto Freyre, identificando que “uma região pode ser politicamente menos do que uma nação, mas vitalmente e culturalmente é mais do que uma nação; é mais fundamental que a nação como condição de vida e como meio de expressão ou de criação humana” (FREYRE apud OLIVEN, 2006, p.45). O que o autor quer reconhecer nessa afirmação de Freyre, é a importância da região enquanto referencial para a criação artística e valorização cultural.
Dessa forma, considera-se que nas manifestações artísticas dos concursos do FECANI, como nas composições musicais que concorrem para a melhor do Festival, há preocupação em utilizar temas contemporâneos, que perpassam por questões nacionais, referente às questões políticas, econômicas e sociais. Destacam-se figura do mestiço no Brasil, a problemática das etnias indígenas, o reconhecimento da cultura negra, o desenvolvimento econômico da Amazônia, a configuração da formação política da Amazônia legal, o problema da reforma agrária e migração.
Stuart Hall (2003, p. 67) em “A identidade cultural na pós-modernidade” reconhece que a globalização se define como “processos atuantes numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado”. Sugerindo que as identidades regionais e locais estão utilizando formas menores ou particularizadas de expressões culturais para dar conta de sua inserção nos quadro da nação e no mundo.
O autor comenta que a “desintegração das identidades nacionais” é resultante do crescimento da homogeneização cultural e do “pós-moderno global”, forçando, dessa maneira, “as identidades nacionais e outras identidades locais ou particularistas a uma resistência à globalização” (HALL, 2003, p.69). No caso do FECANI, observa-se a vinda de artistas de outros Estados para Itacoatiara, com intuito de se apresentarem no festival com expressões artísticas, que no contexto geral do evento reproduzem aspectos de uma cultura nacional, frente aos “aspectos de uma globalização”.
A globalização pode ser percebida em nível nacional e local nos processos de formação dos estados nacionais federados. Como exemplo, os estados federados da região norte. Pode-se dizer que eles compartilham de uma idéia regional sobre a Amazônia, que nesse caso, se expressa no Estado do Amazonas, através do Festival da Canção de Itacoatiara.
Sobre as formas de divulgação e transmissão do FECANI pelos chamados “aparelhos da mídia”, por canais que têm abrangência nacional e até internacional, Hall (2003) afirma que são “novas características temporais e espaciais” resultantes da compressão de distâncias e de escalas temporais que estão entre “os aspectos mais importantes da globalização”.
O Festival da Canção de Itacoatiara passa, para os Estados brasileiros que acompanham a transmissão do evento, por via televisiva, pelo menos uma idéia de Amazônia. Que aos olhos de muitos espectadores podem estar percebendo de forma estereotipada, com um “mundo exótico” (a natureza, fauna e flora da região em relação ao homem), ou uma cultura regional pouco conhecida, incentivando a vinda de artistas e turistas para conhecer a região em suas expressões culturais e peculiaridades geográficas.
Tomando como pano de fundo o aspecto local e regional, por conseqüência, nota-se que o FECANI figura-se como resultado de um processo que está em constantes reformulações, no sentido de uma tradição que se inventa, em uma situação localizada, onde os sujeitos sociais buscam criar os seus espaços relacionais, apropriando-se e manipulando os conteúdos culturais (os elementos palpáveis, visíveis e simbólicos), frente às diferentes necessidades, sejam elas, relacionais ou econômicas.
Este capítulo sugere-nos pensar em pelo menos três pontos, a cerca do que foi descrito. O primeiro ponto seria sobre os “Festivais de Protesto”, nascido no âmbito das Universidades Públicas. Após a UNE criar o CPC, que levava por meio das artes, sobretudo, da música a ação conscientizadora de revolucionar o meio social e política do Brasil, que desde a época do governo de Juscelino Kubitschek (1962), passou a abordar “cultura popular” como valorização nacionalista de uma brasilidade, diferenciando-se das proposições apontadas pelos folcloristas. Nesse caso, as produções que são tomadas como populares ganham o ar de autenticidade. As universidades tornam-se centros de produção de saber e da valorização de um patrimônio cultural que mesclam as diferentes expressões culturais dos Estados brasileiros, na segunda metade da década de sessenta, é notório a realização de shows universitários e festivais no eixo Rio de Janeiro e São Paulo, além das transmissões televisionadas para alta classe média, que já sentia o impacto da ditadura militar. A canção assume um papel fundamental na expressão crítica desta realidade.
O segundo ponto seria da realização dos Festivais no seio da Igreja Católica. Instalado a ditadura militar em 1964, todas as formas de expressões e produções culturais passaram a ser vigiada, pelo Departamento de Censura criado pelos militares. Toda produção artística que tivesse um fundo crítico que ressaltasse os problemas sociais do Brasil, bem como críticas explícitas ao regime militar, eram proibidas com duras penas. Nesse momento, os espaços da Igreja Católica como as Pastorais da Catequese ganham relevância. No transcurso das décadas de 1950 e 1960, a Igreja Católica vivenciou uma fase de experiências pastorais que levou a instituição eclesiástica a se envolver com os mais variados setores, segmentos e classes sociais que surgiram com o processo de modernização social.
Foi nesse momento que nasceram em todo país uma série de organizações e entidades visando aproximar-se dos trabalhadores urbanos (por meio da JOC: Juventude Operária Católica e da ACO: Ação Católica Operária), dos estudantes (por meio da Juventude Estudantil Católica: JEC e da Juventude Universitária Católica: JUC) e das classes populares de modo geral (por meio das Comunidades Eclesiais de Base: CEBs). Nas décadas seguintes, surgiram as Comissões de Justiça e Paz (CJP), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Com a realização do Concilio Vaticano II no período de 1962-1965, com a participação de Eclesiásticos brasileiros, a fim de discutir, qual seria o papel da instituição num mundo marcado por profundas transformações econômicas, sociais e políticas. Com as encíclicas papais e as constituições pastorais promulgadas no decorrer desse evento legitimaram uma série de inovações teológicas e pastorais que mudaram os rumos do catolicismo mundial. No Brasil, as transformações foram profundas, possibilitou a abertura para aproximação das classes populares, empenhando-se com afinco na promoção da justiça social e defesa dos direitos humanos.
Com as terríveis práticas de prisões, torturas e assassinatos a todos os focos de oposição ao regime militar. Membros da Igreja (padres, freiras, bispos, arcebispos, etc.) passam a ser alvo, devido às suas inserções aos segmentos sociais. Aos poucos, autoridades mais influentes dentro da Igreja passaram a assumir uma postura mais crítica com relação aos governos militares, opondo-se veementemente à tortura e à violência repressiva. Por outro lado, ao opor-se de modo cada vez mais firme contra a ditadura, a Igreja atraiu diferentes grupos e setores sociais que também estavam sendo vítimas da repressão policial, onde mais tarde, no ano de 1972, surgiu a Comissão Justiça e Paz de São Paulo (CJP – São Paulo) em apoio às vítimas de tortura e prisões políticas e na divulgação de denúncias públicas sobre os crimes perpetrados pelos órgãos de repressão da ditadura militar.
Segundo Ribeiro (2003, p. 49-52), no período da ditadura militar a “Igreja de Itacoatiara se mantinha isolada de outras igrejas locais e distantes dos acontecimentos (souberam do golpe militar em 64 pela Voz da América)”. Após a instalação oficial da Prelazia de Itacoatiara (1964) e a ida do prelado Paulo McHugh, a última sessão do Concilio Vaticano II, que possibilitou durante os anos seguintes, a formação de catequistas rurais do município. De acordo com as propostas resultantes da Conferência dos Bispos Latinos - americanos em Medellín, Colômbia, em 1968, com a sua opção pelos os pobres e seu empenho na formação das lideranças leigas para as comunidades de base, é inaugurado, no fim deste mesmo ano, o Centro de Treinamento da Prelazia de Itacoatiara (CENTREPI).
Os anos de 1969, 1970 e 1971 são marcados por intensa atividade catequética, formando inúmeros lideres em cursos no CENTREPI, que mais tarde serviram como agentes nos programas de educação, implantação de créditos rurais, de agentes de saúde e sindicatos. Nota-se o papel fundamental da Igreja Católica na implantação de programas básicos para a população itacoatiarense. Como já foi descrito, a Igreja é responsável pelos diferentes atos esportivos, artísticos e culturais desempenhado pelos jovens da PJ, no qual ganham relevância o FEMUCRI e o FEMUPI no decorrer das décadas de 1970, 1980 e 1990. Se em outros lugares do Brasil, a Igreja Católica tornou-se o reduto de pensadores e artistas em tempos de ditadura militar, em Itacoatiara ela tem o papel fundamental na implantação e formação de artistas, pensadores e cidadãos itacoatiarenses.
O terceiro ponto que gostaríamos de chamar atenção seria referente aos Festivais realizados a partir da reabertura democrática no Brasil. O período de ditadura militar (1964-1985) apresentou em seu início um sucesso econômico surpreendente em conjunto com um progressivo aumento da repressão e destruição das instituições democráticas. O Brasil passou a ser o país que mais cresce ao mesmo tempo em que abandonava a democracia. As conquistas econômicas foram impressionantes, como industrialização pesada com setores químicos, petroquímicos, elétricos, com o desenvolvimento de indústria de aviação, bélica, de equipamentos eletrônicos etc. Esse momento marca em 1967 a instalação da Zona Franca de Manaus, fazendo com que houvesse migração significativa das cidades interioranas do Amazonas para a capital, Manaus. Entretanto, grande parte da população encontrava-se marginalizada politicamente e socialmente sem benefícios desse avanço.
Com graves problemas na economia internacional, na segunda metade da década de 70, levaram o Brasil a parar de crescer. Com perda cada vez maior de legitimidade dos militares diante da sociedade brasileira, o processo de redemocratização do Brasil teve eventos importantes, como a reabertura democrática de 1979, e a campanha pelas eleições diretas em 1983 a 1984.
A partir do ano de 1985, ao mesmo tempo em que os brasileiros questionam-se sobre os rumos que seriam tomados na política nacional, daí para frente, envolvidos por um clima de expectativa e euforia, os espaços como das universidades viram-se como lugar da discussão democrática da educação para participação e o envolvimento da comunidade. Assim como na organização da sociedade civil em diferentes associações.
No clima da reabertura democrática, em Manaus, em 1984, é fundada a AIRMA que toma para si, a responsabilidade de coordenar, elaborar pesquisas e análises de natureza social, cultural e esportiva de interesse do planejamento e desenvolvimento econômico social, cultural e esportivo do município de Itacoatiara. Além de apoiar entidades estudantis e profissionais em seus projetos.
Com isso, pode-se considerar que, se na época da ditadura militar a Igreja Católica tem um papel fundamental na organização da sociedade civil, em associações de trabalhadores, incentivo a produção artística, cultural e esportiva, resultando inclusive em produções de Festivais de músicas cristãs. Com o processo de reabertura democrática, a AIRMA passa a desenvolver as mais diferentes atividades, ligada à cultura, arte, esporte e política no município de Itacoatiara, uma vez que o FECANI envolve uma complexa rede de relações.
Segundo os organizadores do evento, a exemplo dos Festivais de Canção da Shell, transmitido pela TV Globo, em 1985 é realizado o primeiro FECANI, onde envolveu a participação de compositores e cantores que vinham concorrendo nos Festivais de Música Cristã, como aqueles que já participavam dos Festivais Universitários de Música da UFAM e dos Festivais de Canção do SESC da cidade de Manaus. A AIRMA contribui, desde então, para uma produção identitária e de uma imagem da cidade de Itacoatiara.





CAPÍTULO II
A “VELHA SERPA” E O FESTIVAL DA CANÇÃO DE ITACOATIARA

“A cidade da Canção” em clima de festa.

A cidade de Itacoatiara destaca-se por um vasto quadro de festas populares e religiosas que adquirem visibilidade inclusive no Estado do Amazonas, como a Festa do Divino Espírito Santo, São Pedro (procissão fluvial), a Festa de Nossa Senhora do Rosário (padroeira do município) e o Festival da Canção de Itacoatiara (FECANI). Daremos ênfase ao FECANI, por se tratar de um evento que reúne em suas atividades apresentações artísticas, cultural e desportiva as quais tem agregado diferentes categorias de pessoas e instituições a nível local. O Festival é realizado pela Associação dos Itacoatiarenses Residentes em Manaus (AIRMA) e conta com investimentos e recursos financeiros do poder público Municipal e Estadual.
O FECANI é realizado anualmente durante a primeira semana do mês de setembro, antecipando o feriado dos dias cinco e sete de setembro
[21] no município de Itacoatiara, Estado do Amazonas, em sua vigésima segunda edição, no ano de 2006.
Itacoatiara (ver mapa anexo - 1) localiza-se à margem esquerda do rio Amazonas (médio Solimões) e liga-se a Manaus por via terrestre, através da rodovia AM-010, com a distância de 266 km, estrada pavimentada e sinalizada, cujo percurso leva em média quatro horas de viagem; por via fluvial, do porto da capital, perfazendo a distância de 144 milhas náuticas, podendo-se viajar em barcos regionais, durante seis horas, no sentido da corrente do rio Amazonas e por linha aérea até o aeroporto Mariano Barros a 177 KM em linha reta, e um percurso de 30 minutos.
O município de Itacoatiara é constituído pelos distritos de Itacoatiara e Amatari, e seu limite territorial é com os seguintes municípios: ao Norte, Itapiranga e Silves; ao Sul, Nova Olinda do Norte e Autazes; ao Leste, Urucurituba, Boa Vista do Ramos e Maués, ao Oeste, Careiro, Manaus e Rio Preto da Eva. A sua localização, com uma área de 8.892 km2, com as coordenadas cartesianas, situa-se a 3º 8’ 54” de latitude sul e a 58º 25” de longitude a oeste de Greenwich. Está a 18 metros acima do nível do mar e com o clima quente e úmido de 33,8ºC e mínima de 21,1ºC, chovendo normalmente de dezembro a maio. A população do município, estimada em 2006, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é de aproximadamente 81.674 habitantes.
As atividades econômicas tradicionais existentes no município tem grande relevância no Estado, como a pesca
[22], a bovinocultura, agricultura de cupuaçu, guaraná, banana, abacaxi, açaí e etc. Há pouco mais de uma década, a cidade foi inserida no projeto “Corredor de Transportes da Amazônia”, implementado pelo Governo do Estado do Amazonas, para escoamento da produção de soja e derivados, oriunda do centro-sul do Brasil, que chega ao porto da cidade através do rio Madeira e pela rodovia AM-010 proveniente de Roraima. Cabe destacar ainda, as atividades de silvicultura desenvolvidas por empresas orientadas para o beneficiamento de madeiras, como a “virola”, para a produção de compensados utilizados na construção civil[23].
Os serviços públicos disponíveis no município são de um hospital de saúde, administrado pelo Município, com recursos do SUS (Sistema Único de Saúde), postos de saúde na área urbana e rural, o Serviço de Saúde Pública (SESP), quatro bancos financeiros, repartições federais como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (IBAMA), Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e Correios, além, de hotéis e estabelecimentos comerciais do ramo de alimentação, incluindo restaurantes, bares e lanchonetes. Itacoatiara é também sede da Prelazia
[24], cuja padroeira é Nossa Senhora do Rosário, com jurisdição sobre os municípios de Itapiranga, Silves, Urucará, São Sebastião do Uatumã e Urucurituba.
A malha urbana está distribuída em 13 bairros asfaltados e o município conta com três vilas de importância significativa na zona rural, como as vilas de Novo Remanso, Vila de Lindóia e Vila do Batista, além das 230 comunidades. Cabe destacar também que a cidade é sede dos Pólos da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
O turismo de Itacoatiara é marcado, sobretudo, por turismo de negócios empresariais, onde as pessoas com especializações técnicas, engenheiros e outros vão à cidade para prestar consultoria às indústrias locais. Há também, o que poderíamos chamar de um turismo de visitantes, feito por aqueles que moraram na cidade, e em datas comemorativas como carnaval, aniversário da cidade, festival folclórico e feriados aproveitam para visitar a cidade. Nos finais de semana, os moradores da cidade aproveitam para usufruir dos balneários situados ao longo da estrada AM-010, e durante à noite, nos bares, restaurantes, e clubes de festas. Nota-se que os jovens Itacoatiarenses tomam como atividade de lazer o passeio de motos e bicicletas pelas ruas da cidade, com passagem quase que obrigatória pela Avenida Parque
[25], orla fluvial e Avenida Sete de Setembro. Além de encontros em praças e postos de gasolina, por aqueles que dispõem de carros.
Atualmente, são raros os eventos promovidos pela prefeitura de Itacoatiara que mobilizam o turismo local, salvo os que constam no calendário festivo da cidade, como o Festival Folclórico de Itacoatiara, o Carnaval, o FECANI e o Aniversário da cidade que são realizados no Centro de Eventos Vereadora Juracema Holanda, o qual foi inaugurado em 2003, ação conjunta do governo Municipal e Estadual para atender a solicitação da administração pública e da sociedade local, que há muito tempo almejava por um espaço amplo para reunir um grande número de pessoas.
No período de realização do festival, as pessoas que se deslocam para Itacoatiara são oriundas, sobretudo, da cidade de Manaus e cidades circunvizinhas. Dado as facilidades do transporte rodoviário e fluvial, eles chegam à cidade na véspera do Festival. Na rodoviária de Manaus, percebe-se o movimento de pessoas que vão em busca de bilhetes para viajarem até aquele município. Além da possibilidade de utilização dos serviços de transporte oferecidos pela Associação dos Taxistas de Itacoatiara, que eventualmente podem ser encontrados no lugar, cuja viagem dura em média três horas. O transporte fluvial não é tão utilizado pelas pessoas que moram em Manaus, por ser mais longo o tempo de viagem. Por isso, a opção é pela rodoviária. Na Amazônia, o barco é indispensável para aqueles que não dispõem de uma comunicação rodoviária, como os municípios de Silves, Itapiranga, Urucurituba, Nova Olinda do Norte, entre outros.
Estando em Itacoatiara, percebe-se o clima envolvente de festa na cidade, por meio das placas de “boas vindas”, que acolhem o viajante e anunciam o Festival, sinalizando o caminho que ele deve seguir para o Centro de Eventos. Ainda na rodoviária de Itacoatiara, mesmo que de maneira tímida, encontram-se placas de casas, pensões e hotéis anunciando formas de hospedagens e de pagamento para quem estiver interessado em usufruir dos quatros dias do festival. Alguns hotéis da cidade fazem reservas de quartos por telefone, ainda não é possível comodidade no atendimento, como, contatos e reservas por sites da internet.
Existe também, a possibilidade de utilizar os serviços oferecidos pelos “moto-taxistas” (transporte através de motocicletas) e taxistas que facilitam o transporte e locomoção na cidade por preços populares.
Nas rádios da cidade, o festival é anunciado por intermédio da divulgação da programação, propagandas, “vinhetas” e músicas que foram destaques em outras edições do FECANI, isso cria entre os moradores e visitantes expectativas no sentido de uma contagem regressiva para o início do festival.
Andando pelas ruas da cidade, é possível observar que o trânsito e o fluxo de visitantes aumentam a cada hora. Pode-se perceber a diferença de “nativos do lugar” e visitantes que chegam à cidade em seus carros particulares e até de ônibus fretados, bem como na orla fluvial os barcos, também fretados, que chegam de cidades vizinhas. Os restaurantes e logradouros da cidade estão sempre cheios de pessoas que aproveitam para saborear as guloseimas, em especial nas bancas de vendas de tacacá, salgados e bolos espalhados pelas ruas da cidade.
Os Itacoatirenses (como são chamados os moradores nascidos em Itacoatiara) indicam como passeio na cidade, a passagem pela orla fluvial da cidade
[26] marcado por um belo pôr - do- sol, caminhada pela Avenida Parque e visita à Galeria de Artes Professora Terezinha Peixoto[27].
Dependendo do dia e da hora de chegada do visitante, é possível presenciar o desfile cívico promovido pela prefeitura de Itacoatiara e realizado pelas escolas municipais, estaduais e universidades, no período da manhã e nas primeiras horas da tarde. A data comemorativa dos desfiles cívicos foi modificada em função da realização do FECANI.
Ainda na véspera do festival, algumas pessoas aproveitam para conhecer o Centro de Eventos para ver as instalações e a configuração dos espaços do FECANI, como por exemplo, acompanhar o ensaio geral dos músicos concorrentes no Palco Principal. Grupos de famílias, amigos, jovens e adolescentes aproveitam para passear e consumir os produtos colocados à venda, nos bares e lanches situados nesse local. Nesse momento, os parques de diversão já operam normalmente as suas atividades.
Há um tempo, a AIRMA tentou popularizar o festival nos meios de comunicação com o seguinte eslogam: “Fecani o arraial popular”
[28]. Isso porque, em sua dinâmica de realização, vem agregando um conjunto de atividades e concursos, que estão voltados para a música, artes plásticas, artesanato, poesia, teatro, cinema, culinária regional e história oral que recebem as seguintes denominações: Festival da Canção de Itacoatiara (FECANI) que é considerado principal evento, além do Concurso de Poesia Falada de Itacoatiara (COMPOFAI), Salão de Artes Plásticas de Itacoatiara (ITA-ARTE), Salão da Palha Regional de Itacoatiara (ITA-PALHA), Ilustração das Poesias Vencedoras do Compofai (ILUSTRATI), Festival de Teatro Amador de Itacoatiara (FETAMI), Noite de Contadores de Estórias de Itacoatiara (ITA-CONTA), Noite de Autógrafos de Poetas Itacoatiarenses (NAITA), Mostra de Comida Regional e Docinhos Caseiros de Itacoatiara (MOCAITA) e o Festival de Cinema de Itacoatiara (ITA-FILME) e Concurso da Musa FECANI.
Dentre as práticas desportivas, encontram-se o Torneio de Futebol Society (TOSOCIETY), Torneio de Futevôlei (TOFUTVOLEI), Torneio de Futebol de Salão (TOFUTSAL), Corrida Pedestre (CORRITA), Volta Ciclística de Itacoatiara (VOLCITA), Corrida de Motocross Show (CORRICROSS). E as disputas que buscam revelar as organizações de vizinhanças, de amizade de forma espontânea, como, o Concurso de Ornamentação de Rua (CONRUA), Escolha da Melhor Torcida do FECANI (TORCIMELHOR) e o Concurso de Ornamentação de Bar, Restaurante e Lanche (ORNAMENTA).
Pode-se notar que ano após ano, novos concursos vão sendo agregados ao Festival, na tentativa de criar novas práticas em um tempo efêmero que é o tempo da festa.


2.1 “Itacoatiara a Capital da Música”

O título “Itacoatiara a Capital da Música ou cidade da Canção” é como os meios de comunicação vem definindo a cidade em relação aos municípios do Estado do Amazonas. Toma-se o FECANI como a festa mais representativa do lugar, além da conotação artística e cultural que se tenta passar para outros estados da região Norte.
Sylvia Ribeiro (2003) considera que o Festival da Canção de Itacoatiara teve sua inspiração no Festival de Música Cristã da Prelazia de Itacoatiara (FEMUPI), que foi realizado no ano de 1984. Segundo ela, na ocasião estavam presentes os membros da AIRMA, que um ano depois realizaram a primeira edição do FECANI com recursos financeiros da Secretaria Municipal de Cultura.
Sem querer fazer uma história da origem do Festival, é interessante perceber na dinâmica de realização do evento, as múltiplas representações sociais que os sujeitos vem tomando nessa manifestação.
Diferentemente do que foi considerado por Sylvia Ribeiro como inspiração para a criação do FECANI, o Jornal A crítica do dia 03 (quinta-feira) de setembro de 1992, comenta na íntegra a entrevista concedida por Bruno Azedo e Manolo Olímpio, membros e co-fundadores da AIRMA, que a idéia de criação do Festival havia nascido em uma mesa de bar, da necessidade da valorização das atividades culturais desenvolvidas pelos jovens da cidade. Segundo a transcrição:


Bruno Azedo e Manolo Olímpio, atual presidente da Airma, que em 1985 discutiam num barzinho como agitar o movimento cultural de Itacoatiara com o propósito de integrá-lo à outros municípios. “A melhor idéia foi a criação de um festival de música, mas hoje estamos abrangendo muitas outras áreas” conta Azedo. (Jornal A crítica, 03 de setembro de 1992, p.1, Caderno Criação. Título: Itacoatiara vive de notas musicais).


Nesse momento, o FECANI estava em sua 8º edição, ainda na entrevista nota-se a alusão feita ao espaço de realização do Festival e a pretensão que os organizadores tem para o evento, é no contexto da praça que foram estendidas as manifestações artísticas agregadas ao Festival de música. Segundo relatos de moradores da cidade de Itacoatiara, registrado no vídeo FECANI: Festival na Gangorra de produção de Thyrso Muñoz, publicado em 2005, constata-se que o primeiro FECANI foi realizado em frente ao Colégio Nossa Senhora do Rosário (Colejão), sobre um caminhão com caixas de som. Passando em seguida, a sua execução para a Quadra de Esportes de Itacoatiara Herculano de Castro e Costa localizada em Frente à Igreja da Matriz no Centro.
Na cidade de Itacoatiara, a AIRMA já promovia as atividades do COMPOFAI, ITA-ARTE, FETAMI e o ITA-CONTA com datas definidas de realização no calendário cultural da instituição. Por exemplo, o ITA-CONTA ocorria no dia do Folclore, dia 22 de agosto. O ITA-ARTE na última semana do mês de março, o COMPOFAI na última quinzena do mês de maio, todos realizados na extinta Galeria de Artes Professora Mariana Penalber
[29], que ficava na Rua Cassiano Secundo, 4/46, Centro.
Ainda na referida entrevista concedida pelos membros da AIRMA ao Jornal A Crítica no contexto do 8º FECANI, nos mostra como ocorreu o momento da agregação dos outros concursos ao evento musical, bem como a conotação que os organizadores pretendiam dar para ele. De acordo com a matéria:


Edson Prado, outro coordenador do Fecani, diz que este ano a intenção é manter a praça lotada o dia todo. “Nossa programação, então, tem todo tipo de atração cultural. São exposições de artistas plásticos, apresentações de peças de teatro infantil, dança, capoeira, palhaços e à noite as atrações musicais. O Fecani, portanto, não é mais um simples evento musical, ele se torna um movimento cultural” (...) Porque trabalho é que não falta, tem que correr atrás dos patrocinadores, é preciso alugar vários equipamentos, transportá-los verificar a hospedagem e alimentação dos artistas, verificar a construção do palco e cavaletes de sonorização, pintura e muitas outras coisas que resultam em num grande festival” (Jornal A crítica, 03 de setembro de 1992, p.1, Caderno Criação. Título: Itacoatiara vive de notas musicais).


Nota-se na entrevista os aspectos que envolvem as atividades organizativas do festival, quase que numa fórmula exata. Assim como um discurso que reivindica a música como um aspecto relevante na cidade. Nesse momento, o FECANI já havia se tornado uma opção turística para as pessoas oriundas de outros lugares e a constatação no aumento de um turismo local.
O jornal Amazonas em Tempo, do dia 02 (terça-feira) de outubro de 1990, revela que o VI FECANI do mesmo ano da publicação da matéria, realizado nos dias 28, 29, 30 de setembro, mostra um aumento significativo no deslocamento de ônibus e carros particulares da cidade de Manaus para Itacoatiara na época do festival. Além do registro das atividades econômicas desenvolvidas durante o evento. Conforme a transcrição abaixo:

O VI Fecani conseguiu registrar, este ano, números gigantescos para um festival de música no interior. Até a noite de sábado, nada mais nada menos do que 412 ônibus especiais e de linha tinham chegado à cidade. 1500 carros particulares de Manaus e de municípios vizinhos, congestionavam com o pacato transito de Itacoatiara, obrigando a intendência de Santo Antônio a designar homens para controlar o transito (...). Perto de 20 mil turistas e artistas aportaram na cidade. Todos os hotéis, motéis e estalagens ficaram lotados durante os três dias 28,29,30 de setembro. A praça da matriz, com suas inúmeras barracas, tomaram um outro colorido. Só no último sábado, foram abatidas 60 cabeça de gado para abastecer os hotéis, onde estavam instalados os turistas. Na tarde de sábado era impossível comprar água mineral, até limão estava difícil. A praça da Matriz onde estavam instalados os cinco palcos do Fecani – um principal e quatro alternativos – suportou no sábado aproximadamente 20 mil pessoas, 15 dos quais em frente do palco principal, onde acotovelavam-se em busca de um melhor ângulo. Os clubes noturnos, nunca tiveram tantos freqüentadores e todos funcionaram nos três dias de festival, durante a madrugada era comum ver a legião de boêmios à procura de um bar que ainda tivesse o que beber (Jornal Amazonas em Tempo, Manaus 02 (terça-feira) de outubro de 1990, caderno Cultura em dia, Tema: VI Fecani extrapola as expectativas).


Os jornais de época nos mostram que com o passar dos anos houve um aumento no turismo local e a promoção dos setores de bens e serviços, para acomodação dos visitantes. Por outro lado, na última década e meia, a cidade comportou a abertura de novos hotéis, pousadas, restaurantes e opções de lazer.
Mesmo assim, o jornal Amazonas em Tempo, do dia 03 (sábado) de setembro de 1994, expõe a falta de estrutura quanto à hospedagem dos turistas na época do festival. Classifica os hotéis como três estrelas e os outros como simples hospedarias, onde os preços variam conforme as instalações do quarto:


Nos hotéis de três estrelas como o Regine’s, o Serpa e o Cristian onde eles podem usufruir de Tv em cores e serviços, individualmente, os preços variam entre 30 a 40 reais, a promoção para quatro pessoas fica entre 60 a 70 reais. E nos hotéis mais simples a diária pode chegar até a cinco reais, com ventilador e banheiro, sempre incluindo o café da manhã que pode ser uma opção para aventureiros sem muito interesse em comodidade (Jornal Amazonas em Tempo, Manaus, 03 (sábado) de setembro de 1994).


Ainda no jornal, Amazonas em Tempo, do dia 09 (sábado) de setembro de 1995, registra que, no 11º FECANI, houve a visitação de aproximadamente 35.000 (trinta e cinco mil) pessoas, e por falta de hotéis
[30] tem como alternativas o acampamento em barracas na praça e no entorno das árvores, além destas servirem como abrigo para aqueles que dispunham de uma rede. As matérias de jornais relatam também a presença de grupos sociais no festival, como o caso dos Rippes, que vem em bandos para curtir o festival e vender os seus produtos de artesanato, ou grupos de amigos como os rockeiros que se organizam para prestigiar o evento. O Jornal do Norte, do dia 07 (sábado) setembro de 1996, sobe com o título Festival atrai “malucos beleza”: Itacoatiara reúne gente de todo tipo de lugar, relata a presença desses grupos. O referido jornal conta como um dos pontos de diversão do festival, durante o período do dia, na época em que ocorria no centro da cidade de Itacoatiara, o bar Flutuante Ponto do Sol, situado à beira do rio, no porto, quase que defronte à quadra Herculano Castro e Costa. O estabelecimento servia como uma espécie de balneário em plena vazante do rio Amazonas, pois, lotava tanto que chegava a ficar submerso.


2.1.1 O Centro de Eventos

Atualmente, o FECANI é realizado no Centro de Eventos, localizado no bairro da Prainha, na Rua Álvaro Maia, cujo complexo estrutural foi construído através de convênio do Governo do Estado e da Prefeitura de Itacoatiara. As obras foram iniciadas no Governo Amazonino Mendes e finalizadas, inclusive com a inauguração, no dia 04 (quatro) de setembro de 2003, no Governo de Eduardo Braga.
O Centro de Eventos foi construído pela construtora INTEC que tomou a área de mais de 30.000 m² (trinta mil metros quadrados), pois antes era ocupada pelo antigo Parque de Exposições Agropecuárias Acácio Leite (EXPAMA), administrada pela Associação dos Agricultores do Médio Amazonas. O mesmo é todo construído em concreto, tem nas arquibancadas capacidade para 20.000 (vinte mil) pessoas, palco com infra-estrutura metálica, provido de camarins privativo para os artistas. As cabines dos jurados, autoridades e convidados ficam em cima das arquibancadas, estrutura metálica e concreto, além do complemento em madeira, onde foi tomada como referência a estrutura do FECANI realizado no contexto da Quadra de Esportes Herculano de Castro e Costa.
O Centro de Eventos conta com estacionamento para 500 (quinhentos) veículos, espaço com serviços de bar e restaurante denominado de praça de alimentação, banheiro coletivo, quadras de futebol de areia e vôlei e quadra de futebol de salão.
Segundo alguns membros da AIRMA, o projetado de criação do Centro de Eventos foi concebido sem discussão pública, isso pode externar apenas uma demanda do poder público Municipal que necessitava de um espaço para a realização dos eventos da cidade, onde o FECANI aparece como ícone principal, por atrair um maior número de visitantes a cada ano, além de movimentar determinados setores da economia local. O lugar foi batizado como Centro de Eventos Vereadora Juracema Holanda, em homenagem póstuma à ex-vereadora Juracema Holanda que, em vida, destacou-se na prestação de serviços sociais. Mas, as pessoas da cidade denominam o lugar como Centro de Convenções. Segundo a AIRMA, o espaço tem 100.000 (Cem mil) metros quadrados onde estão inclusos as áreas de estacionamento e praça de alimentação.
Esse espaço é controlado pela a Prefeitura Municipal de Itacoatiara que, em época do FECANI, tem suas estruturas físicas (palcos, arquibancadas, grama, fiação elétrica) revitalizada, alugado para a AIRMA. Alguns problemas estruturais desse espaço ainda estão para serem resolvidos, como a falta de energia elétrica na hora dos shows musicais e a arborização que tornaria o clima mais ameno durante o dia.
Antes da concretização de um espaço permanente para a realização do FECANI, em uma área pensada pela Prefeitura Municipal de Itacoatiara, o Festival era realizado, desde o seu surgimento, na Quadra de Esportes Herculano Castro e Costa, situada em frente à praça da igreja da Matriz, Nossa Senhora do Rosário, parte central da cidade.
Durante dezoito anos, o FECANI foi realizado nesse local. Mas, com a sua dinâmica de crescimento, o antigo espaço já não comportava o numeroso público que crescia a cada ano. Os organizadores do evento anualmente construíam um grande palco com tablado de madeira na rua Quintino Bocaiuva que dava acesso à quadra de esporte Herculano de Castro e Costa. Eram construídos também palcos alternativos de madeira, para a realização de apresentações diversas durante o dia.
Era construída uma grande cabine nos últimos degraus da quadra, a qual foi por muito tempo coberta de palha e depois de telha de amianto. No local, eram instalados boxes para os jurados, autoridades, equipe de iluminação do palco e convidados. A sonorização era feita pela equipe Tomaselli Som, a qual se acomodava em uma barraca de madeira localizada próxima a arquibancada, de frente para o palco principal. Os artistas plásticos locais tinham apoio dos artistas plásticos de Manaus, para construir os painéis temáticos do palco principal e dos palcos alternativos.
Considerando um novo espaço de realização do FECANI, pode-se dizer que houve mudanças significativas na forma de construção e percepção do espaço-tempo pelas pessoas que participavam do evento.
É notório nas falas de pessoas que vem participando FECANI, como ex-concorrentes e visitantes em geral, um clima de nostalgia ao comparar as antigas edições do festival com o antes e o depois da consolidação do Centro de Eventos. Para alguns, antes, quando o evento era realizado no centro da cidade, a proximidade dos hotéis, pousadas e o porto da cidade facilitava o deslocamento dos turistas. Bem como o lazer, a proximidade com o rio que possibilitava banhar-se no período do dia e a comodidade de fazer acampamentos debaixo das árvores durante o tempo da festa.
Nesse sentido, a reprodução das relações sociais do espaço manifesta-se na vida cotidiana dos sujeitos envolvidos nesse processo, onde a reprodução tem o sentido da constante produção das relações sociais estabelecidas, a partir de práticas espaciais centrada na acumulação, preservação, renovação. Mas, como a cidade e a produção do urbano é marcada por um fenômeno de continuidade e de movimento, pode-se considerar que a cidade transforma-se, à medida que a sociedade se transforma.
A construção do Centro de Eventos de Itacoatiara seria uma resposta e uma indicação dada pelo poder público Municipal, para onde a cidade estaria crescendo ou deveria crescer, com a valorização dos terrenos ao seu entorno. Uma vez que nos últimos sete anos, houve um crescimento significativo da população Itacoatiarense, com o processo de ocupação desses terrenos (nesse momento, cria-se o bairro Mamoud Amed Filho, prefeito candidato à reeleição em 2004), especulação imobiliária com criações de conjuntos habitacionais, como o Jardim Amanda (pela Imobiliária Florestal Norte, situada na cidade, do empresário Moysés Israel), implantação do Pólo Moveleiro de Itacoatiara e da Universidade do Estado do Amazonas. O que proporcionou, na área, a instalação de comércio, pavimentação de ruas e a instalação de atendimento médico ambulatorial.
Pode-se dizer que em Itacoatiara, como em qualquer outra cidade da região Amazônica, as espacialidades urbanas foram e, ainda, continuam sendo impostas o que não significa que não tenha tido resistência por parte dos sujeitos sociais. Como afirmamos antes que a cidade compartilha várias justaposições de vários níveis de realidade ou que essas espacialidades revelam as diferentes estratégias dos vários agentes produtores do espaço urbano, que buscam defender os seus interesses, leva a entendermos que a paisagem seria o resultado das determinações políticas de Estado, das relações sociais de produção que se expressam nos sentimentos revelado no cotidiano das pessoas.
Tomando a idéia de espaço apontada por Ana Fani A. Carlos (2001, p. 11) de que o espaço é o lugar onde se manifesta a vida, meio e produto da realização da sociedade humana em toda a sua multiplicidade”, onde ao “reproduzir a sua existência, a sociedade reproduz continuamente, o espaço”. Isto é, o espaço apresenta uma dimensão real e concreta para a realização da vida que não se dá de maneira indissociado do tempo.
Em Itacoatiara, a reprodução do espaço urbano também é marcada por “várias justaposições de vários níveis de realidade” que marca a dimensão social da cidade dada pelas relações sociais em um espaço-tempo. Essas relações estariam marcadas pelo que Milton Santos (2004) denomina de “meio técnico”, onde o trabalho sugere o lugar e os meios. O mais novo processo pela qual a cidade vem passando, é o surgimento de novos bairros, pela consolidação de ocupações em áreas que até então era tido como limite urbano da cidade, marcada por áreas de mata virgem. Esses contextos de criação de novos espaços na cidade estão articulados ao “uso da técnica para construção dos objetos e espaços de sociabilidade”. Nesse sentido, destaca-se a ação forçada do Estado em reconhecer através do embate político, as relações sociais que se concretizaram no espaço, tornado-se relações sócio-espaciais que tem duração fixadas no tempo. Nesses termos, o tempo e o espaço aparecem por meio da ação humana (CARLOS, 2001, p. 13).
A produção do espaço também se dá pela contradição entre a produção de um espaço em função das necessidades econômicas e políticas e, ao mesmo tempo, a reprodução desse espaço na vida social. Ana Fani (2001, p. 18) pondera que a “reprodução do espaço se dá pela imposição de uma racionalidade técnica assentada nas necessidades impostas pelo desenvolvimento da acumulação que produz o espaço como condição/produto da produção”, revelando, dessa forma, “as contradições que o capitalismo suscita em seu desenvolvimento impondo limites a sua barreira, a sua produção”.


2.1.2 O concurso FECANI

O FECANI representa, atualmente, na sua programação, atividades diurnas e noturnas que são realizadas tradicionalmente com apresentação de shows musicais nos “Palcos Alternativos” e “Palco Principal”. Além da promoção e revelação de grupos de músicos, danças, humoristas, mímicos e bandas musicais.
As apresentações no período se iniciam às oito horas, prolongando-se até ao meio dia, com intervalo para o almoço e retorno às quatorze horas. Encerram-se às dezoito horas, para logo mais às dezenove horas, na seqüência, ter início às atividades no Palco Principal, onde ocorre o concurso do FECANI e as apresentações regionais e nacionais.
A programação no primeiro dia de realização do festival se dá pela parte da manhã, no “palco alternativo”, com a apresentação de um “DJ”, que toca músicas populares, como forró, pagode, samba, dance, axé music, etc. Observa-se que os únicos que prestigiam esse primeiro momento são os barraqueiros que trabalham na montagem de suas barracas e abastecimento de produtos, além de trabalhadores envolvidos nos reparos do Centro de Eventos, como os eletricistas, pintores e montadores de estruturas metálicas. Mas é no período da tarde, a partir das dezesseis horas, quando os raios do sol se tornam menos intensos que os visitantes aproveitam para passear no lugar.
A programação no palco principal, no período da noite, apresenta uma estrutura diferenciada da que foi pensada para a Tenda Cultural e o Palco Alternativo. Percebe-se na programação estabelecida pela organização do evento, que as três primeiras noites são destinadas para o concurso FECANI, que tem agregado como valor toda a pompa e o glamour dos meios de comunicação local e regional, com transmissão do concurso pela Amazon Sat de televisão e rádios locais. A última noite é direcionada para shows musicais, é considerado pelo público como o momento mais dançante do evento.
O concurso FECANI ocorre em três etapas: a primeira noite é chamada de Primeira Eliminatória do Fecani. É o momento em que o primeiro grupo de 17 (dezessete) músicas, do total de 34 (trinta e quatro) músicas concorrentes faz suas apresentações. Depois da abertura das apresentações no palco principal com as bandas musicais, locais e regionais, a banda FECANI ou banda base entra fazendo os primeiros acordes da musica tema do festival, que é coreografada durante um longo tempo pelo Grupo de Dança do Amazonas (GEDAM). Após as apresentações, entram os apresentadores oficiais do FECANI
[31], é quando eles fazem o momento cerimonial de abertura, dando boas vindas ao público e aos telespectadores e ouvintes da TV e rádio, a leitura das músicas concorrentes e apresentação dos jurados. É um momento marcado pela interação e descontração com o público. O concurso tem a duração de em média duas horas. Terminada a apresentação dos concorrentes, são feitas duas apresentações, uma humorística e outra musical com duração de três horas. É o tempo necessário para que o resultado da primeira eliminatória seja divulgado pelos jurados, totalizando 7 (sete) músicas classificadas.
A segunda etapa do concurso chamado de Segunda Eliminatória Fecani, procede todo o cerimonial e o processo de julgamento da primeira noite, a diferença é que serão julgadas as outras dezessete músicas. Na terceira noite de realização do concurso, é denominado de Finalíssima do Fecani. É nesse momento, em que as quatorze músicas classificadas nas duas primeiras etapas, fazem suas apresentações. Esse processo leva em média uma hora. Após um show humorístico, que dura em média quarenta e cinco minutos, é feita a divulgação dos vencedores do Concurso e suas premiações pelos jurados e convidados. Terminado o concurso FECANI, a emissora de Tv e as rádios locais encerram a cobertura do evento, com a aclamação dos vencedores.
A última noite do festival (ou quarta noite de evento) é destinada aos shows musicais. Nota-se que em cada noite de realização do FECANI, tem na programação a apresentação de uma atração de renome nacional, que perante o público, configura-se como um dos momentos mais esperados, é onde o evento ganha dimensão nacional.
Para ilustrar uma das noites descritas, é interessante relatar a observação feita na primeira noite de realização do XXII FECANI em 2006.
Por volta das dezenove horas, houve início no palco principal Celebração e Lamento as atividades de caráter noturno da programação oficial, com a apresentação dos DJs na lateral do palco, onde foi seguido da apresentação da banda de rock OFFICIAL 80. Nesse primeiro momento, o público presente é formado por pessoas que estavam no Centro de Eventos desde o período da tarde. A arena esvaziada fica entre a arquibancada e o palco. Observa-se, muitas criança brincando e correndo de um lado para o outro, além do posicionamento dos vendedores de bebidas junto às suas caixas de isopor.
Aproximadamente, por volta das vinte e uma horas, inicia-se a chamada abertura oficial do FECANI, é o momento em que as músicas concorrem ao Melhor do Festival. Quase que de forma ritualística, sem perder a característica de anos anteriores, a Banda FECANI inicia a execução dos primeiros acordes da música tema do FECANI, com as luzes apagadas, quando o palco se ilumina, o Grupo GEDAM (Grupo Espaço de Dança do Estado do Amazonas), entra dançando e coreografando de maneira performática a música.
Nesse momento, as pessoas que estão longe do palco se aproximam para prestigiar a apresentação e acompanhar o concurso. Vale notar os olhares atentos e os aplausos calorosos do público para os artistas. Em seguida, entram no palco, os apresentadores do concurso, Ruy Castro e Nara Mendes, ambos são radialistas de Itacoatiara. Eles saúdam o público presente e comentam de maneira rápida a programação do FECANI, dão maior ênfase aos shows de renome nacional. São dados os créditos aos patrocinadores do evento e também são anunciados e apresentados os jurados para compor a cabine de julgamento que fica situada acima da arquibancada, localizada defronte ao Palco Principal.
As dezessete musicas previstas para disputar a primeira Eliminatória do FECANI 2006 foram as seguintes: Velha Serpa, de autoria Almino de Carmo; Noites urbanas, de autoria de Toty Navegante; Pra ser feliz, de autoria de João Batista Costa; A música, de autoria de Álvaro Rachid; Orgulho Macuxi, de autoria de Beto do Cavaco e interpretado pelo cantor “Bebêzão” de Itacoatiara; Canção pra Maria, de autoria de Valdo Cavalcante; Mar de Injúrias, de autoria de Camila Alves; Jardim dos Sonhos, de autoria Silvia Tavares; Panorama Amazônico, de autoria de Júlio Hatchwell e interpretado por ele mesmo; Oriente Amazônico, de autoria de Zebeto Corrêa e interpretado por ele mesmo; Amazônia dos meus sonhos, de autoria de Marcos Lima e interpretado por Elione Mesquita de Itacoatiara; João de tal, de autoria de Paulo Moura; Alma de Aprendiz, autoria de Mário Mouzinho; Descampado, de autoria de Ziza Padilha e interpretada por Augusto Hijo; Coisas de Criança, de autoria de Adriana Guermandi; Imagem de semelhança, de autoria de Kátiane Moutinho; A cena acena, de autoria de Pedrinho Callado.
Conforme o que foi descrito observa-se que algumas músicas são interpretadas pelos seus próprios compositores e outras não. Há compositores que concorrem com duas canções no concurso, e durante os ensaios do FECANI, observam e convidam os cantores para interpretar uma de suas canções, ou compor o bekvocal no momento da apresentação. Foi o caso dos cantores Itacoatiarenses Elione Mesquita e Bebêzão. Beto do Cavaco, que é do estado de Roraima, convidou Bebêzão para interpretar a sua música, ambos se conheceram nos ensaios do FECANI em Itacoatiara.
A apresentação das canções pelos seus intérpretes podem ser feitas de duas formas: a primeira, é que podem apresentar-se com a Banda Fecani, onde esta vai tocar a partir das partituras da canção; a segunda, os intérpretes podem levar os seus próprios músicos. Na apresentação de um cantor para outro depende da passagem de som, que tem um tempo estipulado de no máximo 5 minutos.
A performance das apresentações ocorrem de maneira muito própria, pois depende sobretudo, da letra da canção que defendem. As composições musicais apresentam-se nos mais variados gêneros musicais ou ritmos, os cantores as definem como rock, balada, bolero, samba, reggae, pagode, hip hop, marabaixo, carimbó e outros. Os intérpretes e músicos que participam do FECANI são oriundos das mais variadas regiões do Brasil, e pode-se perceber, nos ritmos, aspectos dessas regiões, como o carimbó que é tomado pelos músicos como o ritmo do estado do Pará.
Registrando outra edição do evento, seria interessante relatar a observação feita no contexto de realização do XX FECANI, realizado em 2004. Os concorrentes da Primeira Eliminatória foram pessoas oriundas dos estados do Amazonas, Pará e Amapá, sendo que havia duas músicas de Itacoatiara.
No momento das interpretações, foi possível notar que alguns cantores estavam caracterizados de acordo com a temática que fora abordada em suas canções. Foi o caso do intérprete da canção “O Povo da África”, que foi para o palco vestido de branco e descalço com fitas de “Nosso Senhor do Bonfim” (Santo Católico que tem grande prestigio no estado da Bahia), costuradas em sua roupa. Segundo o cantor, a sua interpretação foi no sentido de simbolizar a raiz negra do estado da Bahia, juntamente com os negros que fazem parte da história do estado do Amazonas. Outra apresentação foi da canção “São Jusa”, intérprete oriundo da cidade de Macapá-AP, onde cantou a música, vestido com um manto azul e branco, no qual simbolizava as vestes de São José (santo padroeiro da cidade de Macapá).
No momento em que são cantadas as músicas concorrentes, o público se aproxima do Palco Principal para escutar as canções e analisar a performance dos intérpretes. Quando são cantadas canções de Manaus, o público fica atento, sobretudo, porque alguns deles são bem conhecidos no Estado, como foi o caso da canção intitulada “Correnteza”, interpretada pela cantora Márcia Siqueira, popular pela sua voz e por fazer shows na cidade de Manaus, cantando músicas de MPB (Música Popular Brasileira) e da chamada MPA (Música Popular Amazonense).
Nas músicas interpretadas por Itacoatiarenses, é possível perceber a manifestação do público local através de torcidas organizadas e de apoio dado por salvas de palmas. Nesse mesmo ano, por exemplo, quando entrou no palco a intérprete da música “Amor de Outono”, dava para distinguir no meio do público uma torcida organizada que estava caracterizada com camisas, pompons
[32] e faixas, torcendo efusivamente no momento em que a música estava sendo cantada. Ouvia-se a torcida cantando em alto e bom tom a letra da canção, além de gritos com o nome da intérprete. Apesar de algumas músicas não terem sido apresentadas pela ausência dos intérpretes, no final da Primeira Eliminatória do XX FECANI, foram anunciadas as canções classificadas para a última noite, antes da Segunda Eliminatória.
Vale ressaltar que a manifestação do público de forma organizada está ligada ao concurso de melhor torcida intitulada atualmente como a Escolha de Melhor Torcida do FECANI (TORCIMELHOR). Como julgamento, nesse concurso, são observados os seguintes itens: a não utilização de instrumentos barulhentos (tambores, tarol e outros), o uso obrigatório de camisas e faixas. E a avaliação do entusiasmo com a música interpretada no palco.
Na observação feita no XXII FECANI (2006), nota-se que no momento em que a canção “Amazônia dos meus sonhos”, de autoria de Marcos Lima é interpretada por Elione Mesquita, ambos da cidade de Itacoatiara, quando a intérprete entrou no palco, ouvia-se as pessoas gritar em nome da canção e acenarem com os braços no ritmo da música, além de cantar de forma uníssona. Os membros da torcida estavam com faixas que tinha o nome da música, além de estarem todos caracterizados com camisas e balões coloridos. Nota-se que a torcida organizada era bem numerosa, com aproximadamente 70 (setenta) pessoas.
Em conversa informal com o líder da Torcida o senhor F. F de 42 anos, disse que a torcida é organizada por ele e o compositor da canção, os membros são amigos e vizinhos que se articularam no sentido de dar visibilidade para uma composição que foi feita por um Itacoatiarense. A mobilização consistiu em uma cota de cada membro para a confecção das camisas, faixas e panfleto com a letra da música e balões coloridos. Ele disse que caso venham ganhar o prêmio em dinheiro, vão realizar um almoço comemorativo.
Desse modo, fica aparente a relação estabelecida entre intérprete e torcida organizada. A permanência das pessoas na arena só ocorre no momento em que a canção de sua preferência está sendo interpretada. Terminada a apresentação, a grande maioria retira-se do lugar. Nota-se que não há uma disputa acirrada entre as torcidas organizadas, pois as que existem reúnem-se no momento em que a sua canção entra no palco. Torcidas organizadas de músicos de outras cidades aparecem de maneira tímida, muitas vezes formadas por amigos que vem conhecer o Festival.
Observa-se que o público não prestigia o concurso de maneira massiva, como gostaria os organizadores do evento. São pessoas que de uma forma ou de outra estão ligadas à música, seja do meio artístico ou porque gostam. A concentração maciça do público ocorre na apresentação dos shows musicais de renome regional ou nacional.
Pode-se verificar que um dado no festival de 2006, depois que foi apresentada a metade das canções da Primeira Eliminatória, foi dado uma pausa de cinco minutos para apresentação dos filmes de minuto que estava concorrendo no concurso do Festival de Cinema de Itacoatiara (ITA- FILME). Os filmes foram exibidos nos telões que ficavam nas laterais da parte superior do palco principal que foram: Solo amor, A velhinha e O casamento. Tratavam dos mais variados temas, que iam desde piadas até denúncia social. O público observava atentamente os filmes, pois os atores eram conhecidos na cidade, como o caso do apresentador do palco principal do FECANI.
Depois da exibição dos filmes, os concorrentes retornaram para as apresentações das músicas. É interessante notar a relação de amizade que os músicos estabelecem entre si. Pois, quando um intérprete está fazendo a sua apresentação, os músicos que se apresentaram e os que ainda estão por se apresentar ficam no meio do público torcendo por uma boa apresentação do concorrente. Assim como os familiares dos intérpretes. É o caso de Gregore intérprete da música “Coisas de Criança”, de autoria de sua esposa Adriana Guermandi, no momento da sua apresentação, ela estava no meio do público fotografando e torcendo pela atuação de seu esposo.
Em depoimento, ambos disseram estar felizes em participar do FECANI. “Mesmo que não ganhemos festival, valeu à pena a oportunidade de estar juntos mostrando o nosso trabalho”.
Para tentar mostrar a atuação performática do intérprete no palco, tomemos como exemplo, a música “João de Tal” interpretada por Paulo Moura. A letra é a seguinte:


MAS ENTROU, AH! ENTROU
QUATRO GARRAFAS DE PINGA
PARA ESCAPAR DA MANDIGA
QUE A NEGA LHE PREPAROU (DEMAL DE AMOR)
AÍ ENTÃO QUE JOÃO DESACERTOU
FOI AQUELE DESATINO
NINGUÉM FOGE DO FUTURO
QUE O DESTINO LHE TRAÇOU
CHEGOU A RÁDIO PATRULHA
COM TODA SUA TERNURA
DISSE JOÃO: TÊJE PRESO!
NAQUELE INFERNO TOTAL
ACABOU SEU CARNAVAL
JOÃO DE TAL FOI MANCHETE DE JORNAL
NÃO SAIU
NA BATERIA
ENTOOU SAMBA ENREDO
DENTRO DA SECCIONAL
NINGUÉM NOTOU
O SORRISO DE VARAL
ESTAMPADO NA MARIA
QUE TORCIA DA GERAL.


Essa música foi tocada em ritmo de samba, para qual o intérprete estava caracterizado com roupas e sapatos brancos, e uma boina da mesma cor. No momento que cantava, ele fazia gingado de samba, no compasso da música trançava as pernas dançando como se estivesse embriagado. Nos minutos de finalização da sua atuação, acabou por entornar uma garrafa de pinga na boca, brindando com o público.
Em conversa com o interprete, ele nos disse que estava representando o típico malandro de samba, por isso, justifica-se as roupas brancas, o gingado na dança e garrafa de pinga. Ele nos fez o seguinte questionamento: quem seria o malandro boêmio sem a garrafa de pinga do lado para esquecer os seus problemas?
A última música concorrente da noite (Primeira Eliminatória do FECANI 2006) foi “A cena acena”, de autoria de Pedrinho Callado e interpretada por Salomão Rossi de Manaus-AM. O intérprete é conhecido no Estado do Amazonas por sua participação em festivais de música, como o Festival de Música do Serviço Social do Comércio (SESC) de Manaus e o Festival Universitário de Música (FUM) da Universidade Federal do Amazonas.
Depois da apresentação da última canção, foi anunciado que o resultado da 1ª Eliminatória do FECANI 2006, seria anunciado à meia-noite. Por volta das vinte e três horas, foi dado início o show de humor dos artistas “Petro Velho e Abdias”. Estes são do município de Parintins e há tempo fazem parte da programação do FECANI. O show tem como tema o “caboclo Amazônico” é quando eles evidenciam os sinais diacríticos dessa gente da Amazônia, através da língua, do sotaque regional, piadas e paródias. Relatando o modo de vida e as aventuras do “caboclo” na cidade grande (neste caso, caboclo está ligado a idéia de matuto, ou daquele que vem do roçado, do interior do Estado).
Durante o show humorístico, nota-se um aumento gradativo na chegada do público. É notável o grande número de crianças acompanhadas por seus pais ou responsáveis bem como os jovens. A presença de vendedores de batatinha frita, bombons, pipoqueiros e de cervejas é considerável. Muitos desses vendedores tem barracas dentro do Centro de Eventos e, como estratégia de venda, acabam por oferecer seus produtos em caixinhas de isopor pela arquibancada.
Os “coletores ou ajuntadores de latas de alumínio” com quem conversamos já haviam nos afirmado que esse é um momento que também aproveitam para se divertirem e paquerar, além do trabalho que desenvolvem. Para sabermos mais sobre a importância do FECANI para esses sujeitos, conversamos com os senhores E. S, de 42 anos e J. M, de 38 anos. Ambos moradores de Itacoatiara.
E. S., de 42 anos de idade, disse-nos que o trabalho desenvolvido por ele é o de coletar latas, mas, não sobrevive dessa atividade; está fazendo isso para ajudar na renda familiar e nas despesas com o filho que tem síndrome de Dawn, pois é o primeiro ano que desenvolve esse trabalho no FECANI. O senhor J. M, de 38 anos de idade, diz que é ajuntador de lata, pois vive da venda que consegue desse material, trabalha em festas que ocorrem nos clubes da cidade, arraial e eventos em geral. Para ele, o FECANI é um dos momentos em que mais arrecada dinheiro com a venda das latas, que tem comprador direto de Manaus.
Às duas horas da manhã, são divulgadas as músicas que foram aprovadas na primeira eliminatória e passando disputa da Finalíssima do FECANI 2006. O momento da divulgação das músicas ocorre antes do Show da Banda de forró romântico “Calcinha Preta”, sucesso na mídia. Nota-se que as arquibancadas e a arena (espaço entre arquibancada e palco) encontram-se completamente tomadas pelo público.
Desse modo, torna-se dificultosa a passagem a pé de um lado para ao outro por defronte do palco, lugar onde se concentra a maioria das pessoas, na tentativa de assistir ao show e pegar o melhor ângulo para fotos. Nesse momento, a frente do palco é o lugar de disputas e confronto, onde a lei do mais forte prevalece. Vale destacar que o forró é um dos ritmos mais apreciados pelas pessoas da cidade de Itacoatiara, onde nas rádios e nos clubes
[33] os finais de semana são animados, sobretudo, por bandas de forró vindos de Manaus.
Terminado o show da Banda Calcinha Preta, a arena esvazia-se, é possível ver que muitos dirigem-se para fora do Centro de Eventos, possivelmente para as suas residências e outra parte do público para os bares e barracas de lanches rápidos espalhados pelo lugar.
A programação no Palco Principal segue com o show da banda de pagode Grupo Pecado, seguido pela apresentação dos cantores de toadas de Boi-Bumbá, Edílson Santana, Robson Júnior e Leonardo Castelo. Com o passar das apresentações, nota-se que o público presente é formado, sobretudo, por jovens. As atividades do Palco Principal vão até por volta das seis horas e trinta minutos da manhã. Observa-se que os sobreviventes dessa maratona de shows musicais são os jovens e adolescentes reunidos em grupos de amigos e parentes. É notório também uma grande quantidade de bêbados caídos nas gramas e arquibancadas do Centro de Eventos. Muitos sem camisas e sapatos que, possivelmente, foram roubados.
Os serviços que ainda permanecem com o grande número de trabalhadores são o de moto-táxi para transportes de passageiros. Muitas barracas no Centro de Eventos já se encontram com seus serviços encerrados, outras trocam de cardápio oferecendo os serviços de café da manhã. Os trabalhadores da limpeza pública começam suas atividades no Centro de Eventos, no intuito limpar tudo antes do início das atividades previstas para às oito horas, na tenda Espaço Cultural Agenor Alves.


2.1.3 As temáticas musicais no concurso FECANI

Nos Estados da região Norte, alguns grupos musicais e cantores figuram como ícones da música regional, como grupo Raízes Caboclas, Armando de Paula, Torrinho, Antônio Pereira e Nilson Chaves. Artistas que viajam o Brasil e o mundo divulgando a música feita no contexto amazônico.
O Festival da Canção de Itacoatiara tem sido um veículo de divulgação da chamada Música Popular Amazonense (MPA), classificação que é difundida pelos meios de comunicação da região para o Brasil. O que se percebe é que algumas letras retratam o dia- a- dia das populações ribeirinhas, figurando-se no chamado caboclo Amazônico e as belezas naturais da região, como os lagos, rios, fauna, flora e as lendas míticas.
A tematização recorrente sobre a Amazônia estaria relacionada aos diferentes gêneros e ritmos, como o forró, reggae, seresta, brega, rock e samba. Que tem como propósito de formar uma identidade regional, que estariam agregados aos valores e costumes dos indivíduos na região, que na música vem se expressando de maneira poética e romantizada.
O evento poderia ser entendido como um meio de se promover aspectos culturais de uma possível identidade local e até regional. Os aspectos culturais de uma identidade local talvez possam ser percebidos nas atividades que foram agregados ao FECANI no decorrer dos anos, como o caso do concurso do ITA-CONTA (Noite de contadores de Estórias de Itacoatiara) que antes era realizado pela AIRMA, no dia do Folclore, bem como outros concursos que tem inscrições restritas aos moradores da cidade de Itacoatiara, como o MOCAITA (Mostra de Comida Regional e Docinhos Caseiros de Itacoatiara), ITA-PALHA (Salão de Palha Regional de Itacoatiara) FETAMI (Festival de Teatro Amador de Itacoatiara).
São atividades desenvolvidas e participadas pelos próprios indivíduos da cidade. Os aspectos de uma identidade regional, talvez possam estar incutidos nas letras das canções e nos símbolos que são espalhados no Centro de Convenções, como é o caso do palco temático.
Tendo em vista a diversidade de atividades descritas no FECANI, cabe passarmos em revista trecho de músicas apresentadas durante os vinte e dois anos de Festival, na tentativa de perceber como o imaginário Amazônico se constrói nesse espaço de relações.
No segundo LP “FECANI - 2” (1994), material de registro e divulgação do Festival produzido pela Associação dos Itacoatiarense Residentes em Manaus - AIRMA, percebemos nas letras das músicas desse LP, temas em torno da Região Amazônica, sobretudo, em relação à cidade de Itacoatiara. A música “Pedra Pintada”, de autoria de Armando de Paula e Aníbal Beça, faz referência à cidade de Itacoatiara retratando em suas letras os símbolos locais, como por exemplo, o símbolo de maior importância da cidade, a “pedra pintada”
[34], retirada do sítio arqueológico Itacoatiara que deu origem ao nome da cidade, os peixes da região que mostra a riqueza dos lagos locais e características sociais da população em sintonia com a região amazônica:


Ita no telhado/ Pedra no começo/ Barriga de Cobre/ Abrigo de Cobre/ No imo da tribo/ A língua pintada/ Pintada na pedra: Itacoatiara.
Na verde coivara/ Tiara da rede/ Os peixes do sonho/ Arranham as franjas/ As águas tingindo/ Na linfa da carne/ O sangue encarnado: Itacoatiara/ Ó lua de palha/ Luz no tapiri/ Chão marupiara/ Pedra yapinari
Dureza de rocha/ Na cara da pedra/ Na cara pintada/ Ruídos escancara/ Os dentes roídos/ Trincando sorrisos/ No trinco das mágoas: Itacoatiara
Jenipapo preto/ Urucum vermelho/ Verde samaúma/ Solimões de ver/ Travoso tempero/ Do limo entravado/ Na malha da pele: Itacoatiara
Ó lua de palha/ Luz dessa seara/ Pedra na cadeia Itacoatiara. (DE PAULA, Armando; BEÇA, Aníbal. FECANI – 2. São Paulo: BMG ARIOLA DISCOS: 1994. 2 disco).


Nota-se a alusão feita pelos compositores à cidade de Itacoatiara, retratando o símbolo cultural de maior importância no município, os lagos e rios que fazem parte do patrimônio cultural do município, a floresta com os seus frutos, os animais e os nativos da Região, aspectos de uma população hospitaleira e alegre: “pintada na pedra”, “verde coivara”, “os peixes do sonho”, “ruídos escancara/ os dentes ruídos/ trincando sorriso”, “jenipapo preto”. Reconhecemos, nessa canção, os aspectos de uma cultura local.
Outra música que faz referência à Região Amazônica intitula-se “Amazônia Grande Habitat”, autoria de João de Almeida que foi apresentada no FECANI de 1990:


Amazônia, beleza, encantos, no tempo eu quero voltar.
Lua fecundava lendas, sol tupã tribo a guiar.
As vidas corriam livres, peixes livres a nadar, rios puros, céu colorido de passaredos à migrar.
Amazônia floresta encantos, da vida grande habitat.
Flora e fauna, fogo homicida, madeiros e corpos, destruição, ar, rios, riachos envenenados, índio sofrendo destruição.
Sinto o “bacilo” Ajuricaba, meu corpo todo a “infectar”, a Amazônia, floresta encantos, da vida grande habitat.
Cidades da Amazônia, no tempo eu quero voltar.
Brisa, sol, Céu estrelado noite linda de Luar, fogueiras, fogos e balões, toadas de boi-bumbá, serões segredos da mata: Mapinguari, Cobra Grande e Guará.
Amazônia floresta encantos, da vida grande habitat.
Lixo asfalto, ar poluído, selva de pedra, progresso hostil.
Safra moderna da inconsciência, mente avançada homo algoz.
Porém nem tudo é incerteza, Amazônia inda tem defesa, deixe o “vírus” Cabano Livre, te libertar, tenha fé em Deus.
Amazônia, floresta encantos, da vida grande habitat. (DE Almeida, João. FECANI – 2. São Paulo: BMG ARIOLA DISCOS: 1994. 2 disco).


Reconhecendo aspectos de uma identidade regional, tomemos nessa composição características comuns no pensamento de compositores, poetas e políticos, onde a beleza exótica da Região, a partir dos rios, lagos, florestas e animais entram em contraste com a destruição que vem sendo vinculada ao seu desenvolvimento econômico, além de retratar também as formas de manifestações culturais expressadas nas lendas e no folclore das cidades amazônicas, bem como as manifestações sociais que marcaram a vida política do Estado do Amazonas: “Amazônia beleza encantos”, “rios puros, céu colorido de passaredos a migrar”, “ar, rios, riachos envenenados”, “flora e fauna, fogo homicida, madeiros e corpos e destruição”, “cidades da Amazônia no tempo eu quero voltar”, “noite linda de luar, fogueiras, fogos e balões, toadas de boi-bumbá, serões segredos da mata: mapinguari, cobra grande e guará”, “sinto o bacilo ajuricaba”, “Amazônia ainda tem defesa, deixe o vírus cabano livre”, “Amazônia grande habitat”.
Nesse segundo LP FECANI – 2 (1994) produzido pela a AIRMA como material de registro e de divulgação do festival, encontramos, ainda, dez músicas dos seguintes anos: duas músicas do ano de 1989 (5º FECANI), quatro do ano 1990 (6º FECANI), uma do ano de 1991 (7º FECANI), e três do ano 1993 (9º FECANI). Em todas as dez músicas desse LP, há presente a temática amazônica retratando aspectos geográficos da Região, como o rio, a mata de igapó, a terra firme e outros, sendo que algumas canções falavam de amor entre duas pessoas.
Algumas canções que são classificadas como românticas, usam a poesia e o lirismo voltadas para as paixões humanas, sem necessariamente fazer referência aos aspectos da Região Amazônica, enquanto que outras se inspiravam na beleza dessa região para expressar os seus sentimentos, como é o caso da canção intitulada “Garça Morena”, dos autores Roberval Vieira e Eugênio Mar:


A canção serena desse trovador/ vestida ou na busca do teu amor/ Garça, eu te venero com todo fervor/ sabes que eu te quero porque sei te dar valor/ Garça morena vem comigo navegar/ por braços de rios e paranás. (VIERIA,Roberval; MAR, Eugênio. São Paulo: BMG ARIOLA DISCOS: 1994. 2 disco).


Nesse trecho da música, percebe-se a metáfora que os autores fazem entre a Garça (ave comum nos lagos e rios) com a beleza da mulher amada. Os rios que servem a garça, de caminho e meio de transporte para os barcos da região, que revelam sua extensão navegável e as paisagens deslumbrantes.
No ano de 1997, quando foi realizado o 13º FECANI, a AIRMA lançou um CD de divulgação e registro das músicas do festival. O CD “FECANI (1999) contém quatorze músicas que retratam diferentes gêneros e ritmos musicais, como o forró, bossa-nova, rap, baião e outros, retratando, assim, as diferentes temáticas, como a amazônica, os problemas sociais brasileiros em torno da migração brasileira, do negro das etnias indígena e outros. Para fins de análise, registramos algumas músicas que apresentam essas características:
Na música intitulada “Senzala”, de autoria de Mario Jackson, o autor faz referência à libertação dos escravos e as condições de vida e de trabalho que eles eram submetidos no tempo da escravidão, ressaltando a contribuição do negro para a construção da nação brasileira:


Quando o negro fugiu para o Quilombo/ Levou nos ombros as dores que sofreu/ E jurou nunca mais navios negreiros/ Pelourinhos, cativeiros e correntes nos pés
Seu canto de dor/ Cruzou terras, os céus e mares/ Coroando nos palmares o seu verdadeiro rei.
E hoje os chãos de barro das senzalas ecoam lamentos e falas/ De negros redentores/ Que sob açoites de chicotes indomáveis/ Dos senhores intocáveis/ Ousaram falar de flores
E hoje passada quebra de correntes/ Ainda está presente/ O martírio de uma raça/ Que banhou com seu suor essa nação/ E ainda espera vir às mãos a verdadeira alforria
Mostra Brasil a tua face nagô/ Liberta seus anjos de cor/ Abre de vez suas senzalas. (Jackson, Mario. FECANI. Amazonas: SONOPRESS: 1997. 1 disco compact (1:05:11). Digital áudio).


Vale ressaltar que a análise das músicas que fizeram parte das edições passadas do FECANI, revela a presença constante da temática em torno do negro, pois segundo alguns compositores que trataram desse tema, a música é uma forma de revelar os sujeitos sociais que sempre estiveram às escondidas na história da Região Amazônica, como a presença expressiva de negros que vieram para a Região, nos momentos econômicos mais expressivos, em um primeiro momento como escravo e depois como migrante.
Salienta-se que nesse vigésimo FECANI (2004), entre as 34 (trinta e quatro) músicas classificadas para concorrer para a Finalíssima, três canções falavam de negros. Reconhecemos, dessa forma, que a construção do espaço amazônico ocorre pelo embate das relações sociais estabelecidas, no âmbito do cotidiano (escravidão, opressão social) e a partir do reconhecimento e reivindicações de uma identidade até então apagada ou negada por parte da história oficial.
Na música intitulada “Amazônia Legal”, de autoria de Eliakin Rufino, o autor faz severas críticas às medidas políticas e implantação de grandes projetos sociais adotadas pelo governo Federal em relação à região Norte. Além de tratar sobre temas referentes aos grupos sociais como o índio, negro. Bem como as manifestações de festas populares religiosas na Amazônia e o clamor de preservação dos recursos naturais da Região:


Passei no Acre pra beber um vegetal/ Mas santo daime não esta no local/ Arretirou-se da união do vegetal/ Esse uniu com a igreja universal
(...) já em Roraima encontrei muito garimpeiro/ Todo mundo fissurado por dinheiro/ Matando índio e pondo as índias no puteiro/ Tudo por causa de um pedaço de metal
Amazônia legal/ Não há nada igual/ Amazônia legal destruição é geral
Do Amapá os tambores da negrada/ Som do quilombo no lombo da batucada/ A raça negra na Amazônia adaptada/ Vozes da África invadindo o matagal
Amazônia legal/ Boi-bumbá no curral/ Amazônia legal/ o Batuque é fatal. (REFINO, Eliakin. FECANI. Amazonas: SONOPRESS: 1997. 1 disco compact (1:05:11). Digital áudio).


Considera-se, dessa forma, que Eliakin Rufino retrata na letra dessa música, aspectos relacionados aos problemas sociais comuns na Região Amazônica, como, por exemplo, a defesa das terras indígenas contra a exploração de minério por garimpos. O autor reconhece também a presença do negro no povoamento da Região, além das práticas culturais e religiosas que estão presentes nos estados da região Norte, que está marcada por uma divisão política e administrativa fincada nas fronteiras de uma Amazônia Legal.
Outra música que faz denúncia social, revelando em sua letra a questão da migração uma das maiores problemáticas passadas na região Norte é a música intitulada “Migrante Clandestino”, de autoria de Ana Lopes, que foi classificada em 4º lugar no FECANI de 1996:


Deixei minha terra e fui pra outro lugar/ Pra fugir da fome que era de amargar/ Não tinha emprego e eu só queria terra pra plantar/ Juntei as minhas tralhas e me mandei para cá/ Com minha família vim aventurar/ Por essas restingas na beira do rio onde eu vim parar
E foi assim que eu resolvi mudar para cá/ Estava muito ruim por lá/ Eu só queria ter um teto pra morar/ Mas o jaraqui aqui dá pra se alimentar/ Há muitos rios pra pescar/ Das cordilheiras dos Andes até o Pará/ Eu descobrir que a Amazônia é meu lugar/ Tudo que aqui se planta dá/ E assim transformei a várzea verde no meu lar.
Tanta terra sem gente para cultivar/ Tanta gente sem terra e sem poder plantar/ Isso já virou guerra mataram os meus os sem terra no sul do Pará/ Então eu vi meu sonho assim desmoronar (...)
(...) Fui refazer caminhos para ser feliz/ Sou migrante clandestino em meu próprio país/ Sem ter um só amigo/ Hoje sou mendigo na praça da matriz
Quem foge num motor de linha ou de caminhão/ Muitos morrem eu suponho/ Sou mais um estranho nessa multidão/ Estou pedindo uma chance pelo amor de Deus/ Tenham compaixão dos pobres filhos seus/ Aqui um homem bravo vive feito escravo num país cristão. (LOPES, Ana. FECANI. Amazonas: SONOPRESS: 1997. 1 disco compact (1:05:11). Digital áudio).


Podemos observar que essa canção retrata, de maneira ampla a problemática da migração brasileira, que entre outros motivos é provocada pela má distribuição de terras no Brasil e falta de uma política de reforma agrária no país. Nota-se ainda, que os trechos das letras ressaltam temas que estão na ordem do dia, sendo debatidos nos mais diferentes fóruns de discussão. Na parte que diz “tanta terra sem gente pra cultivar”, faz referência a noção geografizada de interpretação da Amazônia, onde se acredita que este é um território em que a presença de grupos humanos são limitados pela amplitude de terras, ou seja, uma grande quantidade de terra por hectare para cada ser humano. E nessa perspectiva, o motivo de migrar para outros ambientes.
Por outro lado, outra questão que se coloca é o problema dos conflitos de terras nas áreas em que é implantado o programa de reforma agrária do governo, onde a especulação fundiária e exploração capitalista de determinados produtos agrícolas e extração mineral, forçam conflitos em determinadas regiões da Amazônia, nos trechos que dizem: “Isso já virou guerra já mataram os meus sem terra no sul do Pará”, “(...) aqui um homem bravo vive feito escravo num país cristão”; “(...) sou migrante clandestino em meu próprio país”.
Percebe-se ainda, as interpretações oriundas da economia e da biologia que tomam a Amazônia como possibilidade de desenvolvimento econômico para o país, e logo vem à memória os grandes projetos de desenvolvimento para a Região, como o projeto da Transamazônica, da década de 70 do século XX, que pretendia integrar a região de Norte a Sul, através de uma rodovia federal. Os momentos de boom econômico de extração do látex, que atraiu uma leva de famílias de outras regiões com a ilusão de ganhar dinheiro. E as várias possibilidades de exploração, como por exemplo, agrícola, fundiária, fármacos, conhecimentos tradicionais e outros. Destacados nos seguintes trechos: “Não tinha emprego e eu só queria terra pra plantar/ Juntei as minhas tralhas e me mandei para cá/ Com minha família vim aventurar/ Por essas restingas na beira do rio onde eu vim parar”, (...) eu descobrir que a Amazônia é meu lugar/ Tudo que aqui se planta dá/ E assim transformei a várzea verde no meu lar. (...) “há muitos rios pra pescar das cordilheiras dos Andes até o Pará”.
Fazendo um contraponto entre as temáticas recorrentes nas letras das canções do FECANI, com as toadas dos bois-bumbás de Parintins, no Estado do Amazonas, Letízia (2003) considera que as letras das toadas dos bois-bumbás de Parintins ultrapassam a simples referência ao auto do boi, incluindo ingredientes nativistas ou indigenistas, impondo outros mitos regionais e lendas locais transformando antigo auto em uma complexa ópera folclórica. Segundo ela:


As letras dessas composições poéticas populares constituem hoje na moderna poesia amazonense à moda dos antigos cancioneiros, que refletem toda a propensão do povo para a festa, o seu apego às tradições e também uma tentativa mais recente de recuperação dos valores ancestrais, além do interesse crescente pela história e pela civilização das nações nativas, até agora marginalizadas e voltadas ao desprezo e ao esquecimento. Aquilo tudo acrescenta uma escaldante de actualidade: a luta dos defensores da natureza tropical contra o desmatamento cada vez mais intensivo, contra a devastação da floresta por meio das queimadas premeditadas, contra a poluição do ar, e contra a inquinação das águas dos rios e igarapés, em suma, um combate ecologista, condizente com as aspirações e com as preocupações da nova geração dos moradores na Amazônia. (LETÍZIA, 2003, P. 39).


Tomando a idéia de Letízia (2003) a cima descrita, observe-se que no FECANI as letras das composições das canções tomam no contexto de um festival de música popular a possibilidade de uma reflexão social, a partir de aspectos históricos e culturais das etnias e populações amazônicas, em um âmbito regional e local, considerando as suas tradições orais, mitos, lendas, tecnologia e outros. Observa-se que atualmente as canções que concorrem para a finalíssima do festival vem fazendo uso de uma linguagem universal, não freqüente no decorrer de canções de edições passadas.


2.2 Outros concursos no FECANI

Além do concurso de música, que tem sua importância e expressão artística de grande relevância no festival, outras atividades merecem uma breve descrição, devido ao envolvimento que elas proporcionam aos moradores da cidade de Itacoatiara e de cidades circunvizinhas. São os concursos realizados na Tenda Cultural e as disputas esportivas que ocorrem nas ruas e espaços da cidade.
As atividades voltadas para as expressões artísticas e culturais estão localizadas na Tenda Cultural, que fica situada na parte interior do Centro de Eventos, a uns 300 metros de distância do Palco Principal, em uma das entradas principais. A tenda consiste em uma construção provisória com armação de ferro coberta, com uma lona branca. Foi dividida na parte interior em nove espaços, sendo um destinado ao serviço de informações do FECANI e os outros caracterizados por diferentes concursos. É um lugar que mede mais ou menos 50 metros quadrados, onde ficam distribuídos os salões que abarcam os concursos do COMPOFAI, ITA-ARTE, ITA-PALHA, ILUSTRATI, FETAMI, ITA-CONTA, NAITA, MOCAITA E O ITA-FILME.
Cada um desses concursos foi agregado no período de realização do FECANI a partir do atual espaço. Antes da configuração do Centro de Eventos, a AIRMA realizava alguns concursos durante determinadas épocas do ano. O ITA-CONTA, por exemplo, era realizado na época da semana do Folclore, na extinta Galeria de Artes Prof. Marina Penalber, bem como o COMPOFAI realizado no mês de junho. É por isso, que a cada realização do FECANI, cada concurso tem uma tiragem diferenciada. Por exemplo, o Concurso de Poesia Falada em 2006 teve a sua 21º edição, assim como o Salão de Artes Plásticas de Itacoatiara, com sua 19º edição, Salão de Palha de Itacoatiara, com sua 18º edição.
Há também outros concursos que foram criados recentemente, como é o caso do Ita- Filme que completou a 3º edição em 2006. Segundo informações da AIRMA, esses concursos são criados no sentido de proporcionar, num período curto de tempo, atividades que expressem as experiências artísticas dos Itacoatiarenses. Bem como a realização de atividades que durante o ano não são promovidas pelo Poder Público Municipal.
Em observações, no XXII FECANI, nota-se que, nesse primeiro dia, as atividades da Tenda Cultural ainda não tinham sido iniciadas, pois é o momento em que o espaço é preparado para as atividades que ocorrerão no dia seguinte. Isso demanda todo um dia de trabalho, com instalações de fiação elétrica, ornamentação do lugar e outras mais. E tudo, ainda, depende das condições climáticas, pois quando vem as chuvas torrenciais (comum nessa época do ano), a programação do dia seguinte pode ficar comprometida.
No dia seguinte, pela parte da tarde, ocorreu o 12º, Tarde de Contadores de Estórias de Itacoatiara, o ITA-CONTA, e o 3º Festival de Cinema Amador de Itacoatiara. Durante o concurso do ITA-CONTA, observa-se que há um número considerável de espectadores, havia mais a presença de muitas crianças e familiares do que de pessoas que se apresentavam. Observa-se que os participantes desse concurso são de diferentes idades como jovens, adultos e idosos com faixa etária de 50 anos
[35] em média. Dentre os espectadores encontramos a Prof. E. M, de 48 anos, coordenadora do Grupo da Melhor Idade de Itacoatiara[36], acompanhada de alguns integrantes desse grupo. Ela disse que anualmente participa desse evento, trazendo as pessoas do seu grupo para prestigiarem as histórias contadas, com intuito de preservar a memória de muitos deles.
O 12º ITA-CONTA teve início por volta das dezesseis horas e trinta minutos, quando chegamos ao lugar, tivemos a possibilidade de acompanhar as duas últimas “estórias”. Uma das histórias que ouvimos chamava-se “lago do inferno”, contada pelo senhor F. V, de 64 anos
[37]:


Certo dia os quatro irmãos saíram para trabalhar em uma das estradas da seringa que ficava em um lago, próximo da sua casa. Eram dois rapazes com a idade de 17 a 18 anos e duas meninas uma com 13 anos e outra com 7 anos de idade. Enquanto um dos rapazes saíram para preparar a bola de seringa, as meninas ficaram na beira do lago lavando a roupa. Uma das meninas a de 7 anos de idade foi ajudar a irmã mais velha a lavar a roupa na ponta da canoa que dava para o rio, lá pelas tantas ela foi atacada por uma cobra que a puxou para o rio, a irmã mais velha a puxou pelo braço travando uma luta contra a serpente no intuito de salvar a irmã para a terra firme, apesar de todo os gritos de socorro, foi em vão, pois os vizinhos mais próximos ficavam a 2 horas de viagem de canoa e os irmãos estavam embrenhados na mata. Depois de um longo tempo de batalha para tentar salvar a irmã que desesperada pedia socorro e se vendo afogada e desfalecida, ela deixou a irmã partir junto à fera. Por parte da tarde, quando retornaram os irmãos, viram duas serpentes na qual tiveram a possibilidade de matar uma delas. Chegando na beira do lago, viram que a irmã estava em prantos e logo sentiram a falta da outra. Retornando para casa do pai contaram-lhe toda a história, e este teve que aceitar o fim trágico de sua filha. A moral da história é que existem muitos valentões que dizem que enfrentam todo o tipo de fera, é onça, é cobra, mas só se tiverem experiência. Para a minha família o lago ficou conhecido como lago do inferno. A minha mãe não gostava de contar esta história porque foi ela quem não conseguiu salvar a sua irmã.


José Lindolfo de Macedo (avô), Edna Macedo de Vasconcelos (13 anos de idade) irmã de sete anos de idade levada pela cobra.
Após a sua apresentação, ouvirmos a Senhora C. F, de 38 anos, com o conto intitulado Matinta Perera. Ela estava representando a sua mãe que, no momento, estava hospitalizada. Ela começa o conto da seguinte forma:


A história que eu vou contar aconteceu no passado. Eu tinha apenas dez anos de idade e fiquei muito assustada. A cidade era escura, luz elétrica não havia. A noite era perigosa, com a escuridão que existia. Na rua Torquato Tapajós uma palmeira crescia, dando um enfoque legal. Na rua onde eu vivia. Era um cenário bem tosco, e as noites de luar, inspirava os sentimentos, de quem gostava de cantar, mas a paz era ferida, na ausência do luar, quando um assobio se ouvia, que chegava a assustar. Era o Matinta Perera a figura popular, que assustava a cidade com o estridente a assobiar. O tal Matinta Perera, era desconhecido, e todos tinham a intenção de conhecer o bandido. Um dia, o meu avô Macedo, se vestiu de lampião, passou uma noite escura para conhecer o vilão, e depois da meia noite, meu avô o encontrou. Era um homem encapuzado com capa e chapéu de couro, logo o reconheceu, era o meu tio Zé Maria, que a cidade apavorava. Com um assobio estridente, o povo amedrontava. Todos ficaram surpresos e pasmado de agonia, quando o vovô descobriu que o Matinta Pereira era meu tio Zé Maria.


Seria interessante fazer referência ao concurso do ITA-CONTA que estava em sua 10º edição, no momento do XX FECANI (2006), para mostrar a dinâmica e participação das pessoas no concurso. Esse concurso contou com a participação de oito pessoas de Itacoatiara, pois, conforme regulamento, só poderiam participar do concurso, as pessoas ou grupos que fossem convidadas pela AIRMA, o concorrente deveria contar histórias que viu ou ouviu falar no estado do Amazonas (ainda permanece a mesma regra). As histórias contadas retratavam as transformações da cidade de Itacoatiara, o folclore, carnaval, lendas e o dia- a - dia da cidade em tempos passados. Os concorrentes eram jovens, adultos e idosos. Os contos foram: A fé de um aleijadinho, Histórias dos Bois Garantido e Teimosinho, Caso Delmo, Extrativismo, Matinta Perera, Transformação de Itacoatiara (passado e presente), O porco, Tia Suzana
[38]. Na apresentação das histórias, alguns contadores se emocionam e outros estampam no rosto certo sorriso sarcástico. Quando perguntamos a um dos concorrentes por que exprimem um sorriso que ao espectador parece sarcástico, nos respondeu dizendo que quando estão contanto as suas histórias, algumas pessoas demonstram não acreditar e é por isso que sentem vontade de rir.
Retrataremos aqui a história “O porco”, que foi contada no contexto do XX FECANI (2006), pela Senhora I. M, de 65 anos, moradora do bairro do Jauary cidade de Itacoatiara. Segundo ela, no tempo em que era criança e quando Itacoatiara não era tão povoada como é hoje, existia um porco bravo e grande que ficava andando, à noite, pelo bairro e corria atrás de todo mundo e até mordia algumas pessoas. Mas, ninguém sabia de quem era aquele animal, todo mundo queria matar aquele “bicho brabo”, mas ele corria mais rápido do que todos e fugia para o mato. A contadora de estória continua, “a que um dia, meu irmão brincando no terreiro viu que o porco brabo estava olhando para ele e começou a atacá-lo, mas só que meu irmão foi mais esperto né! E conseguiu “cacetar o bicho”; quando nós vimos, ele chegou em casa gritando para nós irmos ver o bicho “cacetado” e quando nos chegamos lá a perna do porco era de gente! Tinha até o joelho, calcanhar e o pé, e foi assim que conseguimos matar aquela coisa dos diabos”.
Nota-se que nas histórias orais há expressão da memória dos antigos, frente às situações do cotidiano, que acabam por expressar aspectos culturais e folclóricos da sociedade Itacoatiarense. São aspectos simbólicos de representação do lugar, que no evento estaria implicando numa dimensão local.
Terminado o concurso do ITA-CONTA 2006, teve início o show musical de Alcindo Andrade e Joyce Nascimento com músicas de MPB, depois foi seguido da apresentação do grupo de palhaços para o público infantil Pimentinha e sua Turma, que foi procedido da Realização do 3º Festival de Cinema Amador de Itacoatiara (ITA – FILME).
Durante a apresentação musical de Alcindo Andrade e Joyce Nascimento, conversamos com o senhor Eliezio Fernandes Farias, de 77 anos, que contou a história intitulada “Navio Fantasma”, ele participa do concurso pela segunda vez, ano de 2004 e agora em 2006. Durante a entrevista, ele comentou um pouco sobre o senhor Algenor Alves, o homenageado através do seu nome que deu nome à Tenda Cultural, onde ocorrem essas atividades. Ele era amigo de longa data do senhor Algenor Alves que faleceu em 2005, com 81 anos de idade. Ambos compartilhavam do mesmo grupo musical, intitulado “Grupo Amazonas Caboclo”.
O grupo era formado pelos músicos mais antigos da cidade de Itacoatiara e tinha grande prestígio nas alvoradas
[39] das festividades de Santos, conhecidos pelas pessoas mais antigas da cidade que eram oriundas dos interiores vizinhos, pois tocavam nas famosas “festas de beiradão [40]. Comentou que o grupo Amazonas Caboclo era formado por músicos que tinham grandes prestigio social na cidade, como o Senhor Raimundo Diniz dos Santos, que era mais conhecido como “Seu Didico” ou “filho do Boto” por ser albino, Algenor Alves e outros.
Seu Eli disse-nos que, antes do senhor Didico morrer, eles tinham um programa na Rádio Difusora no dia de domingo, chamado “o passado também é bom”, no qual segundo ele, “cantávamos as músicas antigas, como chorinho e valsa”.
Em se tratando da importância dos músicos antigos, na cidade de Itacoatiara, nota-se na entrevista concedida pelo radialista Rui Castro, no estudo realizado no XX FECANI, que por volta dos fins dos anos 70 e meados da década de 80 do século passado, os jovens da cidade reuniam-se nas praças da cidade para tocar violão e cantar até tarde da noite, bem como nas escolas, onde os grupos de estudantes cantavam as músicas dos tempos dos festivais de canção.
O documentarista Thyrso Muñoz (2009) iniciou um trabalho de registro e valorização dos músicos da cidade, incluindo na programação do palco principal durante os dias que acontecem o Festival, um espaço de homenagem de cinco a dez minutos, ao músico homenageado ou a família caso de homenagem póstuma. No FECANI de 2005 foram homenageados os músicos Valeriano Rolim (Seu Quitó), tocador de violino, banjo, cavaquinho e violão, José Barros (Zé Barros) cantor e compositor, Algenor Alvez baterista e tocador de sax-fone, Valdemar Repolho tocador de sax-fone, e Chico Bossa percussionista. Em 2006, foram homenageados Manoel Domingos (Maneu Domingo) baterista, Miguel Arcanjo (Seu Miguel) tocador de acordeon, sanfona e orgão elétrico, Raimundo Diniz (Seu Didico) artesão, construía seus próprios instrumentos, tocava violino, violão, cavaquinho, Doca Rates tocador de sax-fone. Em 2007 foram homenageados o Cantor e Interprete Natinho, Alírio Marques tocador de violão e compositor, Luiz Bacurau tocador de violão e Valdir Menezes tocador de sax-fone e percussão. Em 2008 foram os músicos Satu tocador de sax-fone, Edson Bocaje tocador de pandeiro, Eliezer Fernandes tocador de triangulo, vocalista, poeta popular de literatura de cordel, Zé Bicó tocador de sax-fone e Lázaro Maia tocador de violão.
Nos anos de 2005 e 2006 o vídeo era feito com fotografias créditos e trilha sonora relacionadas aos músicos. Em 2007 e 2008 foram feitas com depoimentos fotografias e imagens do cotidiano e a trilha sonora relacionadas ao tempo social dos músicos. Como exemplo, ver o vídeo documentário Íconos da Música Popular de Itacoatiara, 2007 de Thyrso Muñoz.
As apresentações no palco da Tenda Cultural tem prosseguimento com grupo de palhaços para crianças intitulados “Pimentinha e sua Turma”. É um grupo bem conhecido na cidade, pois são os únicos do gênero. Apresentam-se em arraiais de festa de Santo nas paróquias da cidade, além de festas particulares de aniversário de crianças. Os integrantes do grupo são em média oito pessoas, eles são todos da mesma família.
Os personagens que mais se destacam entre as crianças são o urso, o elefante e a zebra. A apresentação consiste numa interação entre os personagens e a platéia, com perguntas e respostas, piadas e danças coreografadas, atividades que sempre tem uma moral voltada para a relação com o outro no cotidiano e preservação do meio ambiente. O prestigio que o grupo tem entre as crianças da cidade é visível, pois quando saem em retirada, muitas delas saem correndo atrás do carro.
Por volta das dezoito horas, é dado início a preparação para a realização do 3º Festival de Cinema de Itacoatiara. Nesse momento, é colocado uma tela de projeção de filmes em frente ao palco da Tenda Algenor Alves, bem como é instalado toda a estrutura de um Data Show. Todo o processo de montagem leva em média 20 minutos. Terminado a instalação do equipamento, é anunciado o início do concurso, nesse momento pede-se silêncio de todos os presentes.
O jurado do ITA-FILME foi o senhor Dori Carvalho
[41] que se posicionou bem em frente do projetor com as “fichas de julgamento”[42] de cada filme. Os filmes classificados para concorrerem foram nove, entre os quais, O castigo; Marla Mein; Língua Gens; Nem tudo é o que se parece.
São apagadas as luzes da tenda Cultural Algenor Alves, para dar início à exibição dos filmes. Na tela, aparece a apresentação dos filmes feita pelo responsável do concurso, onde expunha os objetivos e seus patrocinadores, que tinham como créditos a Prefeitura Municipal de Itacoatiara, a AIRMA e a Coca Cola.
O que se percebe na exibição dos filmes, é que o lugar não é apropriado para o concurso, pois não tem uma acústica boa, devido ao barulho, oriundo do parque de diversão que fica situado a menos de 30 metros do lugar, além da iluminação que não é apropriada para assistir ao filme.
Após a essa exibição, que durou em média 15 minutos, houve a dos erros de gravação, que a nosso ver e de acordo com a opinião dos demais presentes, não se faz necessário para o momento. Diante das dificuldades descritas, o jurado solicitou que os filmes fossem passados em lugar apropriado.
Em relação à categoria “filmes do minuto”, o que nos parece a primeira vista, é que são criações baseadas em piadas e fatos engraçados do cotidiano das pessoas, como por exemplo, o filme intitulado “Marla Mein”. As cenas se passam em uma sala de aula, da Escola Pública do Ensino Fundamental, onde a professora inicia a aula perguntando as crianças o que mais lhes causava medo. Depois de alguns depoimentos, surge um aluno dizendo que tem medo do “Marla Mein”, eis que a professora pergunta: Quem é Marla Mein, menino? E o aluno responde: - É que toda noite quando eu vou rezar com a minha mãe ela diz que nos livrai do Marla Mein!
[43] E o filme termina com os colegas de classe rindo da explicação do colega.
O filme “Solo Amor”, começa mostrando o estereotipo do caboclo amazônico com seu chapéu de palha, pés no chão, vestido com uma camisa e calça comprida velhas, olhando entre as “brechas” da casa uma linda cabocla, morena com seus cabelos soltos e vestido com as pernas a mostra. O fato ocorre quando o marido dela sai para caçar. Em outra cena aparece o personagem que estava espiando pela brecha da casa, em uma rede banhado em suor e gemendo. Nesse momento, leva o espectador a crer que ele está cometendo o adultério com a mulher que ele espiava. Na cena final, chega o marido da mulher perguntando o que estava acontecendo, só então o homem que estava na rede aparece se masturbando, que de acordo com o título do filme fica bem sugestivo. Pois a cena da masturbação causa comoção de risos no público.
Nota-se que os filmes que tratam do “caboclo” ou “cabocão”, trazem imagem de um homem do interior, como o das famílias ribeirinhas. Nesse caso, a identidade de um caboclo Amazônico é acionada no sentido classificatório do outro (em oposição de quem mora na cidade), tomadas nesses filmes como o matuto ou aquele que vive em harmonia com a natureza. Há também alguns filmes com a temática voltada para denúncia social, como o filme intitulado “Reciclagem de sonhos”, expressa a problemática da divisão social de classes no Brasil. Este mostrava um menino de uma família de classe média que não queria mais brincar com a bicicleta porque ela já estava velha e depois de todas as chantagens emocionais com os pais, ele ganhou uma bicicleta nova. Enquanto que outro menino da periferia da cidade, brincava com os seus irmãos com uma sucata de bicicleta que haviam encontrado no lixo e todos estavam felizes por terem encontrado um brinquedo novo.
Antes do início do concurso ITA – FILME é passado para o público no sentido de divulgação, alguns filmes produzidos em Itacoatiara que concorreram no Festival de Minuto, evento realizado pelo Governo do Estado do Amazonas em Manaus que existe a menos de cinco anos.
Por volta das dezenove horas e trinta minutos, finalizaram-se as apresentações no palco da Tenda Cultural Algenor Alves. Algumas atividades que permaneceram, até por volta de uma hora da manhã, foram as visitações dos quadros do Salão do ITA - ARTE, Salão do ITA-PALHA e a exposição dos quadros fotográficos que mostram os monumentos e casas antigas de Itacoatiara da Galeria de Artes Professora Terezinha Peixoto.
Vale a pena descreveremos a observação etnográfica realizada no contexto do XX FECANI (2004), referente aos concursos do Ita-Palha, Ita-Arte e o COMPOFAI, para fins de comparação com o XX II FECANI (2006), para estabelecer aspectos comuns e diferenças entre os eventos observados.
No ITA-PALHA, no ano de 2004, foi possível ver os trabalhos feitos de palha em exposição ao público e os jurados em uma sala caracterizada com uma placa identificando o espaço. Os objetos feitos de palha são cestos de todas as formas e tamanhos, bolsas, sandálias, chapéus e etc. Cada produto tem uma técnica de confecção que consiste em formas de tingimento da palha e formas de tecer o produto, além de tipos de palha utilizada pelos artesãos.
Das nove pessoas que se inscreveram para participar do ITA-PALHA, apenas cinco foram a julgamento pelos seus trabalhos. Segundo os artesãos, eles não modificam as formas de seus produtos para colocar em exposição no FECANI. Na exposição, tem produtos feitos de palha pelos índios Saterê Mawé, do município de Maués-AM, como pulseiras, brincos, colares e redes. Participam do ITA-PALHA como expositores a mais de quatro anos, mas não concorrem com os seus produtos no concurso, apenas vendem para os visitantes, porque o concurso é destinado para os artesãos Itacoatiarenses, no sentido de valorização local. Esse grupo é composto por cinco índios, dois homens e duas mulheres e uma criança. Na cidade, ficam hospedados na casa de parentes. No XXII FECANI (2006), não presenciamos a participação de etnias indígenas. Os organizadores do evento não souberam dizer o porquê da não participação.
As pessoas que mais visitam o concurso do Ita-palha são artesãos e turistas. É considerável a procura dos produtos pelo público feminino, que buscam os artesanatos de bolsas, brincos e cestos de palha. Em conversa informal com alguns dos artesões, eles disseram que esse concurso é uma oportunidade para ter um aumento na renda familiar, pois segundo uma informante a senhora A. S, de 44 anos, que participa desse concurso, desde o ano 2000, “durante o ano, a única venda que fazemos dos nossos produtos é para turistas e estabelecimentos de café regional que fazem encomenda. Com isso nos temos mensalmente apenas uma renda de mais ou menos um salário mínimo, a AIRMA é a única entidade que faz um evento na cidade para nos favorecer, como artesão”.
Quando perguntamos aos artesãos como tinham desenvolvido as técnicas ou quem as tinha ensinado, de forma uníssona, falaram-nos que aprenderam com o Sr. Filipinho que morava no bairro do Jauary, na cidade de Itacoatiara, o qual aprendera com os índios Mura do médio Amazonas. Em conversa informal, A. L., 37 anos, de Itacoatiara, bairro do Jaury, fez-nos o seguinte comentário: “Se você for conversar com a maioria dos artesãos aqui, perceberá que quase todos aprenderam com seu Filipinho lá do bairro do Jauary, e os que são mais novos aprenderam com a gente, mas no entanto, dependendo da criatividade já tem uns que têm sua forma de tecer. A minha mãe aprendeu a tecer, brechando (olhando escondido) pelas paredes da casa do Sr. Filipinho, e que depois me ensinou. E hoje, a forma como nos tecemos (técnica), foi parar até lá pra cidade de Codajás (AM), com a ida de alguns artesãos daqui de Itacoatiara”.
No 18º ITA-PALHA (2006), os concorrentes eram da mesma família, filhos e primos da Senhora Idalece Magalhães, pois segundo eles, são os únicos que vivem das vendas de palha. As técnicas de tecimento são passadas de pai para filho, com o intuito de não deixar acabar esse ofício. Comenta a mesma informante, que devido o desenvolvimento urbano de Itacoatiara, eles estão tendo que tirar a palha de tucumã, cada vez mais distante da cidade, tendo até que encomendar de comunidades interioranas. As produções que concorreram nessa edição foram: Cestos em miniatura; Balaio de palha; Utensílios domésticos e Cesta oval Grande.
Os jurados do Ita-Palha são artistas plásticos que dominam a técnica de artesanato, como é o caso do jurado do 17º ITA-PALHA, Edgar Alecrim, natural de Humaitá-AM, cursou Comunicação Social na Universidade Federal do Amazonas e atualmente é Publicitário e artista plástico, tem obras de conhecimento a nível nacional e internacional.
Segundo o depoimento do artista: “O Ita-Palha mostra técnicas muito refinadas, pois revela a evolução de um artesanato que veio da técnica de tercer a palha dos indígenas se transformando numa coisa própria de Itacoatiara, além do mais o evento mostra a importância que a natureza tem neste processo, pois é dela que o homem tira o seu sustento sem depredar e degredar o meio ambiente, e o artesanato é um mecanismo de desenvolvimento que gera riqueza de forma consciente para fugir do grande problema que assola a nossa sociedade, como o desemprego, trabalho com consciência que mostra a importância de evento deste porte para a cidade de Itacoatiara”. Em observação do 19º ITA-PALHA (2007) constamos que os concorrentes foram pessoas das mesmas famílias, onde cada um confeccionou um produto, como: Miniaturas de Cestas de Jogos; Peça a Boja; Fruteira, Quadro de parede; Cesto grande natural e Sandália. Este ano não houve a participação dos Saterê Mawé de Maués. A coordenadora do evento disse-nos que “eles simplesmente desapareceram”.
De acordo com o depoimento de Thyrso Muñoz (2006) os artesãos do ITA-PALHA raramente produzem as suas peças fora da época do festival, pois eles alegam dois motivos. O Primeiro seria pela dificuldade em se trabalhar no período das chuvas, pois o tempo não deixa a palha secar, o segundo motivo, seria a falta de locais apropriados para a venda direta dos produtos sem passar pela mão do atravessador que paga preços baixos pelos produtos. Thyrso Muñoz chama atenção para o fato de que ultimamente houve mudanças no formato de produtos que são colocados para a exposição, se antes eram confeccionados produtos em formatos comumente conhecidos como chapéus, balaios de guarda roupas, cestas e bolsas. Atualmente tem-se a diversidade de produtos, tomando outros utensílios do cotidiano, como blusas, saias, sandálias, abajus, porta – retratos e objetos decorativos em geral.
O Salão de Artes Plásticas de Itacoatiara ou ITA-ARTE tem exposição dos quadros e obras de arte, desde o primeiro dia das atividades da Tenda Cultural. Os quadros, esculturas (madeiras e diferentes matérias primas), ficaram expostos nas paredes de canto da tenda. O 17º ITA-ARTE (2004) contou com vinte e três participantes, de diferentes cidades do Estado do Amazonas, como por exemplo, de Manaus, Urucurituba e Silves, mas sobretudo com participantes da própria cidade de Itacoatiara. Os artistas apresentaram quadros de sua autoria com diferentes técnicas de pintura, como “pintura com tinta óleo sobre tela, quadros pintados em relevo (bi-dimensional e tri-dimensional)” e outros.
As temáticas dos quadros expostos giravam em torno da Amazônia, com sua fauna e flora, povos indígenas e a vida do caboclo em sua moradia ribeirinha. Entre as esculturas que estavam presentes, podemos citar um quadro que foi esculpido em madeira, que retratava os pássaros da Região Amazônica. No contexto das artes plásticas observa-se outra forma de expressão artística, conhecido como objeto. De autoria de Thyrso Muñoz toma um oratório de santo de casa vazio, sob uma mesa com uma toalha rendada onde estavam coladas muitas moedas de diferentes valores, o nome da obra é Procura-se um Santo. Nota-se que as pessoas ficavam intrigadas em saber o que significa a obra de arte.
É importante ressaltar que durante os dias de exposição, há um grande número de pessoas que visitam o lugar, pois, alguns aproveitam para comprar os quadros que também ficam à venda, com valores que variam atualmente entre cento e cinqüenta reais a três mil reais. Ao conversarmos com Edgar Alecrim, que também é jurado do ITA-ARTE, ele nos disse que “o evento é uma oportunidade para os artistas plásticos conversarem entre si e trocarem idéias sobre pintura”.
O artista nos concedeu o seguinte depoimento: “eu participo do Ita-Arte há uns onze anos, mas sou jurado há uns dez anos e exponho meu trabalho e não concorro. Vejo que durante os anos do Ita-Arte, houve uma evolução nas técnicas, pois passou de uma forma bi-dimensional, para formas tri-dimensional onde os objetos do quadro estão adquirindo volume. Quando eu vou analisar os quadros, procuro analisar as técnicas que são usadas e o material usado na confecção dos quadros, porque não adianta ser um quadro bonito e ter o material fraco que durante o tempo fique degradado, pois isso para o cliente que vem comprar não é bom”. O que se pode perceber nesse depoimento, é que, além da participação no concurso, os artistas também se preocupam em vender as suas produções.
O evento, também, vem se mostrando como uma porta de entrada para os artistas plásticos que estão iniciando com exposições de quadros. Em entrevista com o artista plástico Nelson Freire, de 37 anos, no contexto da realização do 19º ITA-ARTE (2006), ele nos revelou que participa como concorrente do ITA-ARTE, há treze anos, iniciou a sua participação na Galeria de Artes Professora Marina Penalber que ficava situada em um prédio antigo que data do inicio do século XX no centro da cidade de Itacoatiara. No evento, teve oportunidade de conhecer os artistas plásticos da cidade de Itacoatiara que eram considerados consagrados pelas suas obras. Ele comentou que o evento é uma oportunidade dos artistas que estão se iniciando na pintura, em conhecer novas técnicas de pintura e trocar experiências. Ele já esteve em várias colocações na premiação do concurso, mas afirma o que importa é a possibilidade de expor os seus trabalhos e reencontrar os amigos do fazer artístico.
Para finalizar, mas sem esgotar a descrição, cabe relatarmos o COMPOFAI que vem sendo promovido no terceiro dia de realização do FECANI. Esse concurso é um dos mais populares, pois há participação de pessoas da cidade de Itacoatiara, Manaus e cidades circunvizinhas como de Urucurituba, Silves, Itapiranga e Maués. Em observação do 19º Concurso de Poesia Falada de Itacoatiara, foram inscritas vinte poesias, sendo que sete eram de Itacoatiara e treze de Manaus.
Algumas poesias foram interpretadas pelo próprio autor e outras por intérpretes. Quando a apresentadora anunciou o início do evento, chamando o intérprete da primeira poesia, as pessoas aplaudiam, notava-se que todos ficavam muito atentos para o que estava sendo declamado. Alguns cochichavam com o parceiro do lado sobre a poesia interpretada. A título de exemplo, transcrevemos uma das poesias que foram declamadas no COMPOFAI do XX FECANI (2004):


O Grito
Lanço um grito lancinante
Contra todo o sangue derramado
Dos nossos ancestrais
E dos que hoje
Intimamente morrem, assustados.
Planto um protesto pungente
Contra a injustiça promulgada
Que silencia na voz, a liberdade;
Última cidadela fortificada.
Não pode silenciar a coragem
Que, engendrada na alma,
É luz e alimento,
Vivência de cada dia.
Mando um grito distante
Que se arremessa
Contra o ódio e a indiferença
Que desabrigou e entregou à morte
Nossos irmãos mais ausentes.
Embora que todo perdão se faça
E algumas feridas, cicatrizadas
Conosco carregaremos a marca
De eterno combate,
Quase certa a vitória.
Autor: Rafel de Souza Marques. Cidade: Manaus-AM.


Ainda na observação feita no XX FECANI (2004), constatamos que os concursos também são marcados por reivindicações. Como foi o caso de um dos poetas de Itacoatiara que se submeteu ao processo de seleção e não teve sua poesia aprovada pela comissão do concurso. No momento, ele comentou com o coordenador geral do concurso sobre a possibilidade de ter suas poesias retornadas, após o processo de seleção, pois haveria a possibilidade de detectar os erros e, depois, quando fosse fazer outras, não cometer as mesmas falhas. O coordenador do concurso disse que os poetas concorrentes da cidade deveriam organizar-se e exigir da prefeitura cursos de reciclagem, para que certos vícios e problemas de composição, possam ser sanados com a prática de leitura. A AIRMA responsabiliza-se somente pela realização do concurso.
Depois de presenciar tal fato, fomos conversar com o poeta que estava exercendo a sua crítica. Ele é pescador e mora no interior do município de Itapiranga, que faz divisa com o município de Itacoatiara. Nos últimos anos, vem tentando classificar-se no COMPOFAI, mas, até aquele momento, não conseguiu esse intento. Em suas palavras: “o concurso é desleal, pois, tem pessoas de todas as escolaridades, desde uma criança de 12 anos de idade que faz a quarta série, até uma professora que tem doutorado em Letras, como foi o caso d’aquela mulher que apresentou uma poesia aqui hoje. Bom, mas apesar de eu não ter sido selecionado, eu vim prestigiar os colegas poetas”. Nota-se aí, que o espaço é momento de reivindicações.
No contexto do evento, alguns concursos também são redimensionados para outra data, devido às condições de espaço que não é adequado ou de tempo para sua realização. Conforme a observação feita da 13º Ilustração das Poesias Vencedoras do COMPOFAI, o ILUSTRATI, no contexto do XX FECANI (2004), fomos informados de que o julgamento das ilustrações ocorrereriam, após uma semana (sem lugar definido), no sentido de obter desenhos mais trabalhados, que no contexto do evento, não seria possível, dado as condições de iluminação que era precária e de tempo. Por isso, os concorrentes ficaram responsáveis em fazer as ilustrações das poesias vencedoras do COMPOFAI em casa e depois enviar para a coordenação da AIRMA. Este ano, houve a participação de quatro pessoas.
Ainda no XX FECANI (2004), na realização da 14º Mostra de Comida Regional e Docinhos Caseiros de Itacoatiara – MOCAITA, nota-se um espaço devotado a culinária Itacoatiarense, situado na Tenda Cultural, durante os quatro dias de realização do FECANI. Nesse local, reúnem-se as senhoras pertencentes à Associação das Doceiras de Itacoatiara, interessadas em vender os seus pratos, baseados em uma comida regional e receitas próprias.
No dia do julgamento do MOCAITA, que tradicionalmente ocorre no terceiro dia de realização do FECANI, por volta das dezoito horas, é estendida uma mesa onde ficam expostas as comidas feitas para o concurso. Um dos requisitos do regulamento de julgamento é que só poderão participar as comidas e doces que forem feitos com produtos da região do Amazonas, devendo também constar a receita com as quantidades e todas as fases de preparação. Podemos notar que entre as guloseimas concorrentes havia pratos como “pirarucu com leite de castanha”, “bolinho de peixe”, “tacacá”, “pudim de cupuaçu”, “pudim de tapioca e etc”. A mesa estava farta e enchia os olhos com cores e cheiros, apresentação das comidas, deixavam com a água na boca qualquer pessoa que se aproximava. As pessoas estavam ansiosas para degustar cada prato, mas infelizmente só poderiam deleitar-se, após o julgamento do jurado.
O jurado é convidado pela coordenação da AIRMA, entre os seus atributos, deve ter o curso de culinária ou vasta experiência na cozinha regional. O jurado deste ano de 2004, tem curso na área de gastronomia no Rio de Janeiro, Porto Seguro e Recife. Em entrevista, o jurado L. R, de 26 anos, disse-nos que julgava o evento pela primeira vez, segundo ele, “o concurso é uma forma de enriquecer os valores da terra, pois pela comida podemos perceber uma certa particularidade do lugar e através do evento, as pessoas acabam descobrindo e gerando uma forma de sobrevivência”. Ao final do julgamento, as pessoas são autorizadas a consumir os produtos que ficam em exposição.
Observando algumas mudanças no concurso do MOCAITA, observa-se que na realização do 16º MOCAITA (2006) no contexto do XXII FECANI, além de toda estrutura do evento que foi observada no 14º MOCAITA, inclusive a hora de julgamento, constatou-se que os participantes do evento ficam restrito a três famílias. Elas são responsáveis em levar o nome da Associação das Doceiras de Itacoatiara para o evento. A disputa ocorre somente nos pratos que são colocados para degustação. Este ano, o público não pode prestigiar os pratos de maneira gratuita, pois se quisessem, teriam que pagar por eles. Os pratos concorrentes foram: pudim de tucumã, pudim de tapioca, bolo de cupuaçu, purê de macaxeira com pirarucu, pastelão de milho com pirarucu, bolo de cupuaçu, manjar de macaxeira com calda de maracujá, torta de camarão, pudim de açaí.
No 17º MOCAITA (2007), observou-se que houve mudanças na configuração do espaço e no horário previsto para julgamento, que foi para às quatorze horas. Este ano, foi segregado da Tenda Cultural, ficando ao lado com disposição para mesas de degustação. Este ano recebeu o nome de Praça de Alimentação Maria José Gama Menezes
[44] diferente das duas últimas observações descritas acima, nesta, constatou-se apenas a repetição de um prato pelo mesmo concorrente, o de pudim de açaí[45]. E a participação dos mesmos concorrentes nas outras duas edições, e nesta edição de 2007, com a entrada de uma pessoa, passando de 12 concorrentes para 13.
Conforme o descrito, MOCAITA tem a participação direta da Associação das Doceiras de Itacoatiara, que é composta basicamente por três famílias e, consequentemente, são elas que participam diretamente no concurso. Com tudo, até que ponto elas contribuem para um conhecimento de uma culinária local? Em entrevista com R. G, de 32 anos, filha de Maria José Gama Menezes, nos disse que aprendeu a cozinhar com sua mãe, reconhecer os pontos de preparo dos doces e dosar sabores doces com salgados. Ela nos disse que, atualmente, mora em Manaus, mas durante as festas e no FECANI, retorna a Itacoatiara para ajudar a mãe na cozinha e concorrer no MOCAITA. Durante o tempo que participou do concurso, foi premiada três vezes.
Durante as edições que acompanhamos no Festival, demos atenção maior aos concursos que já vem sendo realizado há um tempo, devido à dinâmica de suas realizações e o prestigio que adquirem entre os visitantes, como esses que foram descritos acima.
Os torneios que vem surgindo no âmbito do Festival, como os eventos esportivos nas mais variadas modalidades como o futsal, vôlei, futebol de campo, handebol corrida pedestre, volta ciclística, corrida de MotoCross, arrancada de carros e outros que vem se agregando ao evento, durante os anos, por isso, preferimos deixar para um estudo oportuno, pois mereceria um acompanhamento maior do pesquisador, por ocorrer em horários diurnos, conflitando com as chamadas atividades culturais.
Para fazer um breve comentário sobre as práticas desportivas, eles são importantes por agregar atletas de todas as idades. Os times que são formados para jogar em categorias como futebol, futsal, vôlei, handebol, são formados, sobretudo, por jovens que praticam e disputam jogos estudantis inter-escolar, os atletas de fim de tarde que jogam “peladas” nos campos e quadras de futebol espalhados pelos bairros da cidade, os chamados “atletas de fim de semana” e funcionários de estabelecimentos comerciais. Nota-se que as pessoas que organizam e fazem parte da arbitragem das mais diferentes modalidades, são os chamados atletas veteranos que fizeram ou fazem parte de seleções que representam a cidade nos torneios de âmbito Estadual, como a Copa dos Rios que é realizado anualmente no Estado do Amazonas.
Em entrevista com a árbitra do torneio de voleibol feminino, realizado no segundo dia do festival, por volta das quatorze horas, a senhora A. M, de 40 anos, disse-nos que “as atividades esportivas que são realizadas na época do FECANI, são importantes por envolver todos os atletas de Itacoatiara na mais diferentes modalidades. Isso mostra um interesse da AIRMA para como esporte, pois a prefeitura de Itacoatiara tem uma secretaria de esportes que não funciona, são raros os torneios realizada por ela, e aqueles que acontece não recebe premiação em dinheiro como este que AIRMA promove. Além é claro! Da valorização que nós que somos considerados atletas veteranos recebemos...”.
Os eventos desportivos ocorrem dentro e no entorno do Centro de Eventos. Os espaços internos do Centro de Eventos estão situados ao redor das instalações fixas do FECANI, como as quadras Poliesportivas e os campos de futebol. Fora do Centro de Eventos, são utilizadas as ruas do entorno para corridas pedestres, volta ciclistas e em 2007, o torneio de arrancada de carro. As corridas de Motocross são realizadas na pista que foi construída a 150 metros do Centro de Eventos.


2.3 Outras manifestações artísticas no FECANI

Durante os quatro dias de realização do FECANI, é possível notar outras manifestações artísticas no Centro de Eventos. São grupos de teatro, dança e mímicos ao ar livre. O que se observa é a presença de grupos de jovens constituídos, sobretudo, por membros das igrejas católicas e evangélicas. Aproveitam os espaços do festival para catequizar e divulgar as mensagens cristãs e fazer crítica social.
As suas apresentações dão-se com intervenções de forma direta, em lugares com um grande fluxo de pessoas. Quase sempre é colocada uma caixa de som com entrada para microfones e um toca Cds, destinada para apresentação de coreografias, peça teatral, que tem em média duração de 20 a 40 minutos. Nas apresentações, nota-se que a forma de abordagem dos temas e a interação com o público, ocorrem de modo muito próprio por cada grupo religioso.
Os jovens da Igreja Católica são membros de grupos da Pastoral da Juventude (P.J), que em suas apresentações tem como característica a sátira à Política Nacional e Local. Em uma das edições do FECANI (1999), observamos os jovens da igreja de Santo Antônio da paróquia do mesmo nome, em atuação artística em tempos em que o evento era realizado na Praça Herculano de Castro e Costa.
Por volta das dezesseis horas, nota-se que um grupo de jovens chegaram em frente a um dos palcos alternativos do FECANI e colocaram no chão um papelão pintado em forma de xadrez. Eram no total doze jovens entre homens e mulheres, sendo que meia dúzia estavam vestidos com roupas brancas e pintados de caras pretas e outra metade vestidos com roupas pretas e o rosto pintado com tinta branca.
Posicionados na figura representativa de um tabuleiro de xadrez e ao som de uma canção que concorreu no FECANI, representavam através da música e coreografia, toda a insatisfação que a sociedade brasileira estava passando com a Política Nacional, naquele momento, com o processo de privatização das estatais brasileiras. Além da crítica à política local, que não apresentava alternativas, como a falta de políticas públicas de emprego e renda, além da não transparência com as prestações de contas das administrações públicas. A apresentação foi assistida por muitos jovens que vieram de outros grupos, além das pessoas que já estavam presentes no festival. Terminada a apresentação, os jovens agradeceram os aplausos e divulgaram os seus dias de encontros.
No caso dos jovens evangélicos, o que se observa é que as questões temáticas de suas atividades são voltadas mais para uma moral religiosa, abordando temas como a família, as drogas, prostituição, menor abandonado, assalto e outros.
Os grupos de Jovens de Igrejas evangélicas de Itacoatiara em parceria com as Igrejas de Manaus, fazem a chamada pregação através das danças e artes cênicas. É o caso da Igreja Evangélica Maanaim, que fica situada no bairro da Colônia Santo Antônio, no município de Manaus. Em observação realizada em 2004, o coordenador do grupo, disse-nos que participam do festival aproximadamente há seis anos. Constituem-se de dois grupos artísticos: o primeiro é o Ministério de Artes Maanaim formado basicamente por jovens de idade entre quinze e dezesseis anos; o segundo grupo é o King’s Kids formado por crianças de cinco a treze anos de idade. Eles ficam hospedados em escolas da cidade durante os quatros dias do Festival.
No XXII FECANI, acompanhamos uma das apresentações desses jovens. Consistia em uma coreografia de hip hop, onde a música, na língua inglesa, falava que Jesus é a única salvação! para você quem é jovem e está perdido... Eram adolescentes, meninos e meninas que dançavam, ao final da apresentação, distribuíam para o público o convite para participar da Igreja Local, a igreja Batista de Itacoatiara. Em conversa com o líder do grupo, ele nos afirmou que a presença dos membros da Igreja da cidade de Manaus para evangelizar no festival diminuiu, pois haviam conseguido formar uma base sólida com os jovens da Igreja de Itacoatiara, sobretudo, com o grupo de dança. Avinda de membros da Igreja de Manaus dá-se no sentido de ensaiar as coreografias com os jovens da cidade.
Ambos os grupos, disseram-nos que tem total apoio da AIRMA, para a realização das atividades hora descritas, a única exigência é que eles façam um comunicado prévio à direção do evento. Segundo eles, a recepção das pessoas para atividades no qual eles vem desenvolvendo é boa. Em nossa observação, não vimos nenhum repulsa ao trabalho dos jovens. Algumas pessoas comentaram que é importante o trabalho que os jovens vem desenvolvendo no Festival, pois além da evangelização, chama a atenção para a realidade social.


2.4 Grupos urbanos e moda no festival

Durante a realização do XXII FECANI (2006), vimos que o espaço do Centro de Eventos revela os grupos urbanos da cidade de Itacoatiara os quais em outros momentos festivo da cidade não aparecem com tanta evidência. Além de o espaço revelar os produtos que estão em moda no mercado, no âmbito da música, roupas e o que poderíamos chamar de souvenir de festival.
Fora a época do FECANI, e em festas alternativas ou em lugares particulares, como casa de algumas pessoas e em clubes. É difícil ver grupo de pessoas que se reúnem por afinidade nas noites da cidade. São jovens que são fãs de algum gênero musical ou dança como o rock, hip hop e a capoeira. Para não correr o risco de classificar de maneira arbitrária e reduzir os múltiplos grupos a um suposto denominador comum as chamadas Tribos Urbanas, busca-se em Magnani (1992) esclarecer a confusão conceitual feita sobre a utilização desse termo. Afirma este autor que, metaforicamente, os meios de comunicação e o senso comum “costumam designar grupos cujos integrantes vivem simultânea ou alternativamente muitas realidades e papéis, assumindo suas tribos apenas em determinados períodos ou lugares”. É o caso de alguns jovens que fazem parte desses grupos, que em determinados momentos são trabalhadores dos comércios, outros estudantes dentre outras ocupações, são rappers, capoeiristas, street dance, roqueiros e outros. Leva-se em consideração nos grupos urbanos a sua diversidade na paisagem urbana, buscando determinar mesmo que, minimamente, as relações que estabelecem entre si e com outras instâncias da vida social.
No festival, durante o período de sua realização, é possível ver claramente membros desses grupos reunidos. A hora mais visível de avistar esses grupos é no período de fim de tarde para o início da noite. Verificamos por exemplo, na parte do corredor em frente à Tenda Cultural, que havia uma roda de capoeira composta em média por umas 15 (quinze) pessoas. Era um grupo da cidade de Itacoatiara que realizava atividades sociais com crianças carentes. Estavam caracterizados com roupas brancas, sendo calça frouxa amarrada, com uma corda e camiseta com o nome do grupo, além dos instrumentos que lhes são próprios, como o pandeiro, atabaque e berimbau. Segundo o líder do grupo, o espaço do festival é interessante para divulgar o jogo da capoeira, que na cidade é uma prática nova, onde eles seriam os únicos do gênero que desenvolvem atividades com as crianças carentes da cidade.
Outro grupo urbano que encontramos foram os jovens do movimento Hip Hop Itacoatiara. Estes se caracterizam por estarem vestidos com bermudões ou calça de moletons e blusas frouxas, com acessórios de medalhões e correntilhas (diminutivo de correntes) de prata e aço. Esses jovens gostam de ficar em uma das vias do centro de eventos com um toca Cds, ouvindo hip hop e tirando passos.
Em conversa com um dos membros, o Mako, ele nos disse que o Movimento Hip Hop é novo em Itacoatiara, existe há menos de três anos, mas já havia algumas pessoas que dançavam e cantavam rap na cidade. Comentou, ainda, que no movimento há vários grupos que se apresentam na programação do festival, é o caso do Grupo BBS CREW, no qual ele é líder. Eles se apresentam no intervalo de uma banda para outra na programação do Palco Alternativo. Perguntamos ao grupo o que caracteriza um movimento hip hop na cidade de Itacoatiara. Segundo eles, ocorre pela união de vários grupos como os “Bi - boys” (dançarino), grafiteiros e os cantores de Rap que tiram um dia do ano para o encontro com os diferentes estilos dos segmentos do hip hop, contam com a presença de membros do Movimento Hip Hop Manaus.
Outro grupo de pessoas que é comum no festival são os chamados rockeiros. São grupo de jovens que se identificam no evento, a partir das vestimentas, que nesse caso, identificam-se com roupas pretas no caso dos homens com botas, calças e camiseta com a imagem da banda preferida. Há casos de alguns que usam uma capa ou sobretudo, além de adereços de metal pontiagudos e maquiagem. As meninas usam botas ou tênis allstar, saias de jeans e camiseta de banda, além das unhas e maquiagem de cor preta. A maioria anda em “bando” e marcam presença durante os shows de rock no Palco Principal.
Encontramos no Festival desse ano, um grupo de sete pessoas que estavam caracterizados com as máscaras de sua banda preferida. Eram adolescentes com idade de 14 a 17 anos. Eles nos disseram que são de vários bairros da cidade de Itacoatiara, e que na escola descobriram a paixão pela banda de Rock Slipknot. Decidiram andar mascarados, pois assim estariam expressando a admiração que eles tem pela banda.
Há também os “hippes”, nesse caso, eles se definem como membro de uma cultura universal que tem um modo de viver nômade e uma forma de vestir-se. Concentram-se nos grandes centros urbanos, no Amazonas, encontram-se presentes exclusivamente em Manaus. É possível notá-los nos festivais de canção e nas festas expressivas de cada município, vendendo os seus artesanatos.
No XXII FECANI (2006), alguns deles estavam reunidos na parte detrás da arquibancada, onde tem uma calçada principal que faz ligação com outros lugares do Centro de Eventos. Eles não tem autorização da AIRMA para vender seus produtos no Centro de Eventos de forma gratuita, consistem em pulseiras, colares e pingentes confeccionados de maneira artesanal, com palhas e sementes da Região. Afirmam que ainda não tiveram problemas com a direção do evento para permanência no lugar.
Entre os grupos de jovens que estão circulando no evento, encontram-se os membros de galeras ou gangs que são mais visíveis à noite, pois é quase comum vê-los bêbados e envolvidos em brigas com outros membros de galeras rivais. Dessa forma, o policiamento é reforçado em cima desses grupos, porque são considerados suspeitos em brigas e possíveis homicídios que possam ocorrer no Festival. Com isso, o Centro de Eventos conta com câmeras de alta resolução que são espalhadas, a fim de monitorar as ações desses grupos.
Em observação no festival, vale comentar que este espaço serve também como termômetro das tendências da moda incutidas pelos meios de produção da indústria cultural, como televisão e o rádio, além dos souvenirs do festival que são oferecidos como lembrança do evento.
Observa-se que um dos pontos que revela a moda musical no festival é nas barracas e bares. Pois eles conseguem externar os ritmos e bandas que estão em evidência no contexto nacional. Os Itacoatiarenses e público em geral, ficam ansiosos para saber antecipadamente as atrações nacionais (são as bandas e cantores que estão em evidência na mídia ou adquiriu nome nacional). No XXII FECANI (2006), a banda Calcinha Preta
[46] foi uma das bandas consideradas atração nacional. Por isso, nas barracas e nos bares o que mais se ouvia e via em DVD era o show dessa Banda.
No XXIII FECANI (2007), a atração mais esperada era a Banda Calypso ou Calypso
[47] que na ocasião do seu DVD gravado em Manaus, há alguns meses, a expectativa do show era maior nos Itacoatiarenses e nas cidades circunvizinhas e comunidades interioranas, onde os ritmos do forró e do calipso são mais apreciados. É interessante comentar que no primeiro dia de realização do festival, fomos ao porto de Itacoatiara observar os movimentos das embarcações que chegavam das cidades e comunidades vizinhas. No período das dezessete horas, às vinte horas, chegaram, em média, de doze embarcações das cidades de Urucurituba, Silves e Itapiranga. Em conversa com um grupo de pessoas que chegavam da cidade de Urucurituba, eles nos falaram que se reuniram entre amigos para fretar um barco, para assistirem ao show da Banda Calypso e depois retornarem para a cidade, por volta das seis horas da manhã do dia seguinte. Em outra embarcação, o comandante disse-nos que fizeram uma linha de recreio apenas para esse momento do show da Banda Calypso, pois a demanda das pessoas da cidade de Urucurituba foi grande.
Durante o show, foi possível notar um grande número de pessoas com camisas, faixas na cabeça e tatuagem de rena com o nome da Banda. Além de estar presente nos toca CDs e televisão dos bares. Os gêneros musicais que são preferências junto aos frequentadores dos bares, é o forró, brega e o calypso.
A moda apresenta-se de várias formas no festival, a partir do visual do cabelo com muitos estilos de corte e cores tanto para homens como para as mulheres. Nota-se que o corte de cabelo masculino recebe várias formas de desenhos, bem como cores diferenciadas. As mulheres fazem com que o setor de prestação de serviços, o de cabeleireiro, aqueça. Em visita a alguns salões de beleza da cidade, vimos que para conseguir uma hora de atendimento, era preciso fazer um agendamento. À noite, percebe-se que a maioria das mulheres apresenta-se com um corte ou penteado diferente nos cabelos. Bem como roupas e sapatos da moda que são ditados pelos meios de comunicação.
Os souvenirs que são criados durante o festival fazem um sucesso efêmero. É o caso, por exemplo, de um chaveiro personalizado com foto que pode ser utilizado como lembrança do festival ou uma camiseta toda estilizada. Além de comidas e bebidas que são lançadas na festa. Fazendo memória de outras edições do FECANI, pode-se dizer da época em que, durante o dia, as barracas vendiam a um preço popular, um prato com sardinha frita com baião, ou na época em que foi colocado para vender pela primeira vez em Itacoatiara o Crep Suíço e o espetinho de carne simples, conhecido como espetinho de gato. E sem falar dos drink’s, que dependendo da criatividade, ganham a preferência do público, como foi à época do drink com gelo seco, ou da luz fosforescente no fundo da taça.


2.5 Associações que compõe o espaço do FECANI

Durante o momento em que é montada toda a estrutura do festival, é possível perceber os grupos que vão compondo e configurando o espaço do Centro de Eventos. Os grupos aos quais nos referimos são aqueles formados por associações de moradores, grupo de mulheres, artesãos e cooperativas.
Durante as observações feitas no contexto XX, XXII e XXIII FECANI, nota-se que no primeiro dia do evento, no período da manhã e da tarde, que uma parcela das barracas do evento é doada para Associação Comercial de Itacoatiara que se responsabiliza em fazer a distribuição para as associações e pessoas que trabalham com artesanato, entalhamento em madeira, costura, bordados e doces.
Nas observações do XXII e XXIII FECANI, identificamos o senhor M. C, de 49 anos, professor do SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial). Em entrevista, ele comentou que no SENAI vem participando do projeto Samaúma, projeto este que ocorre no Navio-Escola desta instituição, que se desloca pelas cidades do estado do Amazonas, desenvolvendo cursos de aprendizagem profissional e desde janeiro, vem desenvolvendo atividades na cidade de Itacoatiara.
Segundo o entrevistado, a barraca cedida pela AIRMA foi uma parceria entre a Associação Comercial de Itacoatiara e a AIRMA. Essa barraca foi disponibilizada para que o professor pudesse, em conjunto, com os alunos, expor os seus trabalhos que foram resultado do curso de Entalhador, como uma forma de incentivo para os que estão iniciando nessa arte. Comenta que no curso foi pedido para que os alunos fizessem durante um mês os trabalhos, para serem vendidos no FECANI, a renda da barraca seria remetida aos alunos, com a divisão de 90% e 10% para a reposição do material do curso.
O professor comentou também sobre venda e as técnicas de entalho nos objetos feitos em madeira. Ele diz que depende muito do estilo que cada aluno desenvolve com o passar do tempo e com a prática que vem adquirindo. Muitos entalhadores preferem usar pedaços de madeira adquiridos nas marcenarias e serrarias como uma forma de reciclagem do material que seria queimado. M. C. disse-nos, também, que os compradores desse tipo de artesanato podem ser divididos em dois tipos, os brasileiros e os estrangeiros. Os compradores brasileiros gostam de peças grandes e com maior número de detalhes, muitas cores e brilhos, enquanto que os estrangeiros gostam de “talha vazada”, que tenha a cor natural da madeira e peças pequenas que facilitem o transporte para viagem.
Outra barraca que encontramos, foi a dos artesãos filiados à Associação de Cultura e Arte de Itacoatiara (ACAI). Nesta barraca, são vendidos os mais variados produtos de artesanato, como pulseiras, colares e até quadros de óleo sobre tela e entalhados de madeira. A, M, de 30 anos, comenta que faz seus produtos para serem vendidos na Galeria de Artes Prof. Terezinha Peixoto e durante o período que antecede o festival, aumenta a sua produtividade para ter mais produtos em exposição.
Nas barracas de alimentação, encontramos os membros da Associação Comunitária da Mulher, que tem como objetivo desenvolver atividade de orientação política, educacional e social às mulheres humildes, presidiárias, prostitutas, vítimas de abusos e outros. Elas montaram uma barraca de alimentação, onde os produtos eram vendidos a preços populares, além de outra barraca do mesmo grupo estar com venda de confecções de roupas e artesanatos que foram frutos de cursos e oficinas de aprendizado profissional, envolvendo atividades na cidade de Itacoatiara.
Outro grupo que encontramos foram as Artesãs das Comunidades do Rio Arari. M. A., 43 anos, disse-nos que é a primeira vez que a Associação expõe seus produtos no Festival, comenta que foram convidadas pelos membros da ACAI, onde mantém contato durante o ano para venda de seus artesanatos. Os produtos são variados, vão desde a confecção de pulseiras, colares, brincos de miçangas e sementes, até entalho de madeira com formato de animais, bolsas e chapéus de palha. Ela comentou que a associação é composta por membros de quatro comunidades da Região do Rio Arari.
Os trabalhos de artesanato tematizam a Amazônia com visões carregadas da fauna e da flora, além de paisagens que mostram o homem em interação com o meio ambiente.
Ainda tomando a dimensão do trabalho, outros grupos que compõem o espaço do FECANI, dão-se pela sua organização formal e informal. Pela organização formal, tomemos as associações que estão situadas nas barracas, as quais vem desempenhando as mais diferentes atividades, descritas. Os grupos de organizações informais seriam aqueles que não estão organizados juridicamente, como as famílias que trabalham como barraqueiros e os ajuntadores de latinhas. Os ajuntadores de latinhas são membros de uma mesma família ou parentes que trabalham no evento, desenvolvendo a atividade de coleta de latas de alumínio para a venda, como sucata.
Identificamos também grupos de alunos que desenvolvem atividades no festival, com o intuito de arrecadar dinheiro para a festa de formatura. Foi o caso dos alunos do Curso de Administração da Universidade Federal do Amazonas, que ficaram responsáveis pelo estacionamento do Centro de Eventos, onde guardavam carros e motos a partir de uma tabela de preços.


2.6 Os espaços quentes e frios do festival

Tomando a idéia de espaços quentes e espaços frios de Renato Ortiz (1980) no estudo do carnaval baiano, considera que no momento da folia dada no cortejo de passagem dos trios elétricos pelas ruas de Salvador, encontram-se nestas zonas quentes (pontos de efervescência) os espaços do cotidiano que ele classifica como pontos frios. Espaços destinados a produção de alimentos, onde o folião pode alimentar-se e descansar para, em seguida, continuar se divertindo.
No FECANI, os espaços quentes e os espaços frios podem ser percebidos de forma nítida, a julgar pela separação feita pela coordenação do evento. Os espaços quentes ou zonas de efervescência poderiam ser classificados como aqueles voltados para a diversão do público, como a arena que fica defronte ao palco principal e a dos palcos alternativos, onde o público se reúne para acompanhar os shows e dançar, além de atividades que são desenvolvidas nos parques de diversão e nas bancas de jogos de azar.
Os espaços frios seriam aqueles destinados ao descanso e a alimentação, como é o caso das arquibancadas que fica em frente ao Palco Principal, onde é possível notar pessoas que aproveitam para assentar, conversar e comer e beber. É possível notar famílias, cujos pais aproveitam para assistir aos shows e as crianças para brincar ou dormir. Casais de namorados trocando carícias entre si. Dependendo da hora ou no início da noite, observa-se uma grande quantidade de idosos, mulheres e crianças fazendo uso das arquibancadas, ou no fim da noite, já com o sol raiando, é visível uma grande quantidade de bêbados que dormem de qualquer maneira, alguns já roubados de suas roupas e calçados. Mas, é na praça de alimentação e nas barracas, onde se encontram de maneira mais intimista o espaço do cotidiano. Talvez, porque é o lugar onde os alimentos são preparados e vendidos ou porque é onde as famílias que trabalham no festival fazem desse pequeno espaço (não mais que 2x3m²), o ambiente de convivência.
Eu mesmo sou testemunha dessa convivência, onde durante algum tempo ou algumas edições do FECANI (no espaço da Praça Esportes Herculano de Castro e Costa ou atualmente no Centro de Eventos), desde a minha adolescência, juntamente com meus pais e irmãos, convivíamos em uma barraca com venda de comidas e bebidas, onde passávamos a maior parte do tempo, tanto no período diurno e noturno trabalhando, só utilizando a casa para dormir ou tomar banho, pois a alimentação e a diversão ocorriam no espaço do Festival. No XXII FECANI, identificamos o senhor M. P, de 50 anos, da cidade de Itacoatiara, que há dois dias do início do Festival, estava com seus filhos montando as barracas. Segundo ele, participa do FECANI desde as primeiras edições, quando ainda era realizada na Praça de Esportes Herculano de Castro e Costas. Ele diz que tem cinco filhos e os criou desenvolvendo atividades com vendas de comida no contexto do festival. Em suas palavras diz “lembro que eles ainda pequenos, dormiam, em lona, atrás das barracas onde improvisávamos um colchão. Durante os dias de FECANI, moramos nas barracas (...) comendo, bebendo e dormindo. Hoje sou até avô, mas mesmo assim alguns me ajudam e outros tem suas barracas no festival”.
Durante o dia, as atividades que poderíamos estar classificando como espaços quentes teriam como lugar as práticas esportivas, palco alternativo e a Tenda Cultural. Observam-se nas disputas das modalidades esportivas que ocorrem nos campos e quadras poliesportivas do Centro de Eventos, a presença de um público formado por jogadores e torcedores. Os torcedores são familiares, vizinhos e amigos dos jogadores, onde a torcida pode durar uma jogada ou até o fim das disputas, dependendo do desempenho do time.
Outro lugar bastante visitado é a pista de MotoCross situada em frente do Centro de Eventos. Apesar de um sol intenso que é característico do alto verão amazônico
[48] no período da tarde, as pessoas comparecem com suas famílias para prestigiar o evento. A estrutura armada para receber as pessoas ainda é precária, pois não há nenhuma proteção contra o sol nas arquibancadas, além de algumas tábuas encontrarem-se podres.
As barracas de alimentação são encontradas em toda a área do Centro de Eventos, bem como a Praça de Alimentação que fica localizada nas suas dependências, alocada entre uma das entradas principais e da Avenida principal que dá acesso para o centro da cidade. No lugar, existem oito boxes, alguns são bares, sorveteria, pizzaria, e outros servem como bar e café regional. Em entrevista com um dos proprietários de Box, ele nos disse que o espaço é cedido pela Prefeitura Municipal de Itacoatiara, onde eles pagam uma taxa anual pelo uso do espaço, mas que no período do festival, é cobrada outra taxa de funcionamento.
A senhora F. M, 37 anos, comentou que, os lucros com as vendas deste ano em comparação com o ano passado, estão fracos; (...) o movimento nos bares se dá em função das atrações nacionais que são trazidas para o Centro de Convenções, estas atrações que estão aí, não são tão atraentes para o público.
Comenta ainda que na época do festival são contratados garçons, ajudantes de cozinha que ganham um salário mínimo e comissão nos serviços que oferecem aos fregueses. O depoimento sugere que o evento favorece a contratação de empregos temporários para pessoas que até o momento encontravam-se desempregadas.


2.7 O Espaço da Área V. I. P

Na época do festival é construída uma área destinada para as pessoas que são convidadas pela AIRMA, são patrocinadores, autoridades dos poderes Legislativos e Executivos da cidade, comerciantes e representantes da sociedade civil. A área VIP, como é chamada, fica situada nas laterais das cabines dos jurados, tanto do lado direito como do esquerdo. O acesso ao lugar é feito a partir de uma fita de identificação que fica presa no pulso do convidado, com as cores estabelecidas para cada dia de realização do evento.
Nessa área, há serviços de bar, com venda de bebidas, tira-gosto, pratos de “frios” e “salgados”. Em conversa informal com um dos atendentes, tivemos a informação de que nem todos os convidados aparecem para ocupar suas mesas, que ficam reservadas com o nome das empresas onde trabalham. Ao conversarmos com uma empresária do comércio local, disse-nos que o patrocínio é feito, a partir da compra do espaço de aquisição da propaganda, que é feito nos painéis situados acima das arquibancadas. É um bom negócio porque ajuda a divulgar o nome do estabelecimento comercial para o grande público e para fora do Amazonas com a transmissão televisiva.
Não conseguimos obter maiores informações a respeito de formas de obtenção e captação de recurso para realização do FECANI. Sabemos apenas pelos meios de comunicação que uma das fontes financiadoras principais é o Governo do Estado do Amazonas. Recordando ao estudo realizado em 2004, sobre o FECANI, percebe-se que o patrocínio firma-se somente depois em que o projeto da próxima edição do evento é fechado, pois até então, não é seguro permanente das empresas. Em conversas informais realizadas no âmbito do evento, tivemos notícias de que algumas empresas da cidade tinham patrocinado o evento, como a madeireira “Gethal Amazonas”, a “Precious Woods Amazon” que emprestou para o Festival compensados, pregos, parafusos, madeiras e outros para a realização de reparos necessários no Centro de Convenções. Além dessas empresas, participaram também do evento as emissoras de rádio de Itacoatiara, como a Rádio Panorama FM de Itacoatiara e a Rádio Difusora de Itacoatiara AM e FM. Essas emissoras contribuem com o Arraial Popular, fazendo divulgação em suas programações nos meses que antecedem o evento, bem como na cobertura de toda a programação na época do FECANI. A Rádio 101 FM Amazonas, da cidade de Itacoatiara, também fez cobertura de toda a programação do Arraial Popular transmitindo para todo o Amazonas. Observa-se também que há uma diferença de tratamento entre os artistas que vão ao FECANI, nos camaris que ficam situados no térreo do palco principal, encontra-se dois. O camarim situado a direita de quem desce as escadas do palco são destinados aos artistas de atrações principais, com todas as regalias e conforto que tem direito, com coquetel e bebidas e para os artistas locais e regionais, fica os camarins do lado esquerdo já não tem tantas regalias assim.



2.8 A Associação dos Itacoatiarenses Residentes em Manaus (AIRMA) e as Comissões de Trabalho do FECANI

O FECANI é promovido pela Associação dos Itacoatiarenses residentes em Manaus (AIRMA). Segundo as informações publicadas no site da entidade,
http://www.fecani.com.br/, trata-se de uma entidade civil, com responsabilidade jurídica, patrimônio e receita própria, com autonomia administrativa e contábil, fundada em 29 de setembro de 1984 em Manaus.
A AIRMA tem como objetivo coordenar e/ou elaborar pesquisas e análises de natureza social, cultural e esportiva de interesse do planejamento e desenvolvimento econômico social, cultural e esportivo do município de Itacoatiara, como elaborar e/ou executar programas e projetos voltados para o desenvolvimento econômico, social, cultural e esportivo; realizar trabalhos sociais, culturais e esportivos sob a forma de prestação de serviços a quaisquer órgãos e entidades nacionais, estrangeiras e/ou internacionais, seja em forma associada ou de cooperação, objetivando o desenvolvimento social, cultural e esportivo, a identificação de suas potencialidades, a divulgação e o aproveitamento racional do potencial artístico da comunidade do Município; executar a política da entidade e suas comissões; articula-se com entidades e órgãos públicos e privados, nacionais e estrangeiros e/ou internacionais; a identificação de opção de investimento e a obtenção de recursos para a aplicação em programas e projetos de desenvolvimento do Município; apoiar entidades estudantis e profissionais em seus projetos. A estrutura administrativa constitui-se de Assembléia Geral, Diretoria Executiva e Conselho Fiscal.
Segundo Frank Chaves (2005), historiador local, afirma que o FECANI foi criado por falta de alternativa de diversão, sentido por Itacoatiarenses residentes na cidade de Manaus, pois segundo ele, a cidade só dispunha de bailes que eram realizados nos clubes do Botafogo Clube, Amazonas Clube, Luso Brasileiro, Náutico e Brasil Clube. Segundo ele, “porém, a maioria desses clubes apresentava uma dura seleção de classe social tomada, a partir da obtenção de ingressos para acesso aos bailes, sem contar que essas festas só ocorriam no final de cada mês e de acordo com o calendário social de cada clube”. E ainda em suas palavras, “foi no ano de 1985 que os membros da AIRMA realizaram um concurso de música na Praça da Matriz em frente ao Colejão (Colégio Nossa Senhora do Rosário), cujo evento seria criado entre outros fins para dar oportunidade a talentos musicais da cidade e promover uma festa pública organizada”.
Atualmente, o evento exige um alto nível de profissionalização, sobretudo, na participação do concurso FECANI, devido à visibilidade que vem tomando no cenário nacional.
A comissão organizadora do FECANI é dividida em várias equipes, sendo que o responsável de cada uma, deve obedecer às diretrizes de uma coordenação geral. As equipes de trabalho são compostas em sua totalidade por trezentas pessoas que anualmente vem agregando muito mais. De acordo com a AIRMA, as equipes dividem-se nas seguintes funções: Diretoria Financeira do FECANI, a qual cuida da administração e da parte contábil; Palcos é responsável pela programação de apresentação artística no alternativo e principal; Serviços Gerais é destinado para fazer reparos no Centro de Eventos, com os serviços dos pedreiros, marceneiros e pintores; Serviços de limpeza dos palcos e camarins; Segurança são as pessoas encarregadas de fazer a segurança nos palcos e nos hotéis dos artistas e concorrentes do concurso FECANÌ, além dos Vigias que são responsáveis em fazer a vigilância das instalações e equipamentos do Centros de Eventos, como a portaria, banheiros e Tenda Cultural; Recepção são as pessoas responsáveis em providenciar a hospedagem e alimentação dos músicos e artistas e trabalhadores do FECANI; Supervisão de camarins e abastecimento são as pessoas responsáveis pelo abastecimento de alimentação, como as bebidas, frutas lanches para os camarins, palcos e Tenda Cultural; Informação e pesquisa é a equipe responsável para informar ao público em geral das atividades do FECANI, além de fazer pesquisa de opinião pública com intuito de avaliar o grau de aceitação das atividades desenvolvidas no evento e coleta de sugestões para a organização e produção do FECANI seguinte; Supervisão de Estruturas de barracas é responsável pela venda e doações de barracas no Centro de Convenções; Supervisão de esportes responde pela realização das disputas e práticas esportivas do festival; E para finalizar a equipe de Supervisão, divulgação e documentação encarregada dos concursos culturais a nível local e preparar a documentação sobre o FECANI para os jurados e a imprensa.
Na estrutura organizacional do FECANI, a figura que mais se destaca é a do Coordenador Geral, pois ele é responsável pela parte burocrática e financeira do evento, bem como das deliberações e supervisão das atividades de todas as equipes.
Durante os quatro meses que antecedem o festival, no período de preparação, alguns coordenadores do evento são acionados para que possam dar início as suas atividades. No mês de maio, os representantes da AIRMA fazem os primeiros contatos com o governo Estadual e Municipal para obtenção de verbas, além de contatos com empresas privadas, para que possam ser fechados acordos em torno do evento, como transmissão e divulgação de produtos. Nesse momento, também são fechadas parcerias com instituições que possam estar fornecendo um corpo técnico para auxílio no festival, como é o caso da Universidade do Estado do Amazonas que indica professores de música para efetuar a pré-seleção das canções que irão concorrer.
Em Itacoatiara a equipe de Supervisão, divulgação e documentação é montada para que possam ser efetuadas as inscrições dos concursos de nível local, além de agregação de pessoas que se interessem em trabalhar no Festival.
Faltando um mês para a sua realização, a AIRMA promove o “Seminário de Integração FECANI”, que tem o intuito de envolver todas as pessoas que irão trabalhar no evento e sociedade em geral. Esse seminário destina-se à comunicação das atividades que serão desenvolvidas no festival, além de palestras com profissionais das áreas de relações humanas, segurança e turismo. São comunicados pesquisas e documentários que são feitos sobre o FECANI, no sentido de revelar a importância que o evento vem adquirindo com o passar dos anos. A título de demonstração, ver o anexo 2: Demonstrativo do número de pessoas que trabalharam nos Festivais: 1 - numero de pessoas que já foram premiadas; 2 - número de pessoas que já trabalharam como artistas plásticos e pintores; 3 - número de pessoas que trabalharam como carpinteiro, ajudantes, pintores etc; 4- número de pessoas que já trabalharam na parte de iluminação, sonorização e acompanhamento; 5 número de pessoas que atuaram na Coordenação do festival e pessoal de apoio; 6 - número de pessoas que já trabalharam como barraqueiros e outros; 7 - número de pessoas que já trabalharam como jurados e convidados nos FECANI’S; 8 – número de concorrentes (autores e Co-autores); número de bandas nos FECANIS’S/SHOW. Amostragem do percentual médio de acréscimo do ICMS no período do FECANI, durante os 21 anos de evento; Levantamento do número de turistas durante os 21 anos de FECANI.
O discurso da importância desse evento para a cidade de Itacoatiara é presente na fala dos membros da AIRMA, principalmente, do então presidente da associação Bruno Azedo, que foi proferida no Seminário de Integração FECANI 2006, que o objetivo do encontro foi mostrar para as pessoas sobre a dimensão e as proporções que o festival vem tomando na cidade de Itacoatiara e no Estado do Amazonas. Ele mostrou alguns dados relacionados ao número de pessoas que se envolvem para trabalhar na época do FECANI. E para a estruturação das equipes de trabalho do ano de 2006, estariam previstos treze diretores de coordenação geral do FECANI, onze supervisores, três digitadores, seis apresentadores e dezoito jurados, além de outros envolvidos.
Bruno salientou, ainda, que a Coordenação Geral do evento ficaria sob a responsabilidade do Senhor Manolo, por apresentar prática na coordenação do FECANI. Observa-se que no momento em que foi pronunciado o nome do Senhor Manolo às pessoas presentes, no auditório, aproximadamente, cento e cinquenta começaram a aplaudir, de maneira entusiasmada. O presidente da AIRMA salientou que o coordenador Geral do FECANI não faz parte da diretoria da associação e, por isso, as pessoas por não compreenderem da estrutura organizacional do evento, direcionam todas as criticas para a figura do Coordenador Geral.
Sobre a importância do FECANI para a cidade de Itacoatiara, o presidente da AIRMA afirmou que o evento mobiliza uma grande estrutura na cidade, durante os quatros dias de sua realização. Além de movimentar economicamente a cidade durante esse período, o que normalmente não é feito durante um ano. “O FECANI vem abrindo uma nova possibilidade para a cidade, que é a de um turismo local”. Para ilustrar a sua fala, Bruno toma como exemplo, o país da Espanha, onde a maior parte de sua arrecadação, segundo ele, vem do turismo. Em suas palavras “o FECANI seria atualmente a possibilidade mais viável para a cidade de Itacoatiara, pois além de movimentar o turismo, movimenta também de forma direta dez mil empregos”.
O momento também ganha um ar de confraternização entre as pessoas, pois é montada uma exposição com fotos que registram as diferentes categorias de trabalhos no festival, além da dinâmica de agregação de novos concursos. O encontro foi encerrado com oferecimento de um coquetel aos presentes. Aproveitamos o momento para indagar ao Coordenador Geral do FECANI, sobre o número de dez mil empregos diretos que foi divulgado na fala do presidente da AIRMA. Ele nos respondeu dizendo que bastaria fazer um cálculo no número de barracas que são vendidas e doadas no evento e multiplicar pelo número de pessoas que trabalham nelas, além das pessoas que trabalham no comércio em geral. Na verdade, não há dados exatos sobre as estimativas apontadas pela AIRMA.





2.9 Os artistas plásticos que pensam o festival

Pode-se dizer que o “projeto FECANI” vem ajudando a AIRMA a fomentar mesmo que, de maneira efêmera, as potencialidades artísticas dos Itacoatiarenses, através da música, das artes plásticas, do teatro e das demais manifestações culturais, onde é possível constatar temáticas voltadas para a Região Amazônica, que refletem a fauna, flora, preservação da floresta e dos rios, a vida do “caboclo ribeirinho” e os povos indígenas.
Durante o festival, os lugares que mais ficam em evidência são o Palco Principal e a Tenda Cultural. Segundo o artista plástico E. A, 56 anos, “todos os anos é montada pela AIRMA uma comissão de artistas plásticos da cidade de Itacoatiara e de Manaus, com o objetivo de discutir a temática e o projeto gráfico para confecção do palco principal”.
Os trabalhos para confecção do palco iniciam um mês antes de realização do festival, é reunido o material solicitado pelos artistas, sendo que, em muitos casos, é utilizado um número expressivo de material reciclado, como papel, papelão e garrafas Pet. Os artistas plásticos que trabalham nessa comissão tem seus trabalhos reconhecidos em exposição e salões de artes na capital do Estado do Amazonas.
O palco principal consiste em uma estrutura permanente feita com alvenaria e ferro. Dependendo do projeto artístico, é modificado com alterações em madeira. Ao fundo, fica o painel principal. No XXII FECANI (2006), o painel do palco principal consistiu na figura representativa de um globo terrestre, onde em seu núcleo emergia uma nota musical a clave de sol, de onde da ponta superior sai à flor boa noite (a flor da planta aquática vitória régia, comum em rios e lagos da Amazônia) que pendia para o lado esquerdo do palco (lado direito para quem observa de frente), onde as pinturas e esculturas em cores claras, suaves com tonalidades de verde, azuis retratam a natureza em seu estado puro com sua fauna e flora da Região Amazônica. Na parte inferior da nota clave de sol, um olho caído em lágrimas para o lado direito do palco (lado esquerdo para quem observa de frente), com pinturas e esculturas com tonalidade forte de amarelo, vermelho, laranja e cinza que retratam as queimadas na floresta, poluição dos rios e pobreza, através de um amontoado de palafitas urbanas. As laterais do palco e as bordas são pintadas com figuras e símbolos de paisagens amazônicas, além de notas musicais e o nome da cidade de Itacoatiara.
Contudo, percebe-se o quanto é forte o esquema de interpretação por parte de um exotismo da Amazônia. Conforme a observação do XX FECANI, o palco principal estava intitulado “Palco Inspiração Amazônica”, onde fazia referência ao caboclo amazônico, na figura de um pescador (caboclo ribeirinho) que segurava um remo, como se fosse uma guitarra, tendo ao fundo um ambiente típico da paisagem amazônica (lagos de igapó, pássaros, animais).
É possível percebermos a temática Amazônica presente nos símbolos espalhados pelo festival. Na análise, por exemplo, do símbolo ou logomarca que representa o FECANI (ver anexo), percebe-se que este foi criado de maneira metafórica para expressar o festival tomando como referência a Região Amazônica. Ou seja, é um Estado Federado, o Amazonas, que tem muito de Amazônia. Em entrevista com J. C, 27 anos, que trabalha no evento há mais ou menos dez anos, obtivemos a informação de que a idéia da logomarca surgiu por sugestão da Profª. Terezinha Peixoto, uma das organizadoras do FECANI em Itacoatiara. Segundo J.C:


A Professora Teresinha Peixoto tinha boas idéias que contribuíam para realização do FECANI, entre estas idéias, ela sugeriu e criou a logomarca do FECANI. Em sua concepção, o símbolo da logomarca do festival consiste em uma nota musical de clave de sol, que representa a música, onde em sua ponta está situada uma flor da planta aquática, vitória régia, conhecida popularmente como “flor boa noite”, que representa as matas da região amazônica. Dentro desta nota clave de sol, a idéia inicial era que as diversas cores que se encontravam pintadas eram as cores do pôr do sol refletidas na água do rio, mas atualmente as cores foram substituídas pela cor dourada que significa os raios de sol, refletidos nos rios da região. E o céu estrelado ao fundo do símbolo significa que o FECANI tende sempre a desenvolver-se para o futuro (J.C, 27 anos).


Observa-se que a confecção do palco principal é para os artistas plásticos local, o reconhecimento e o prestígio do seu trabalho. Em entrevista com Nelson Freire, de 37 anos, um dos responsáveis em confeccionar o palco principal do XXII FECANI (2006), disse-nos que participa trabalhando na confecção dos palcos do FECANI, desde 1994, como pintor aprendiz. Em suas palavras diz:


No meu primeiro FECANI eu devia ter uns dezenove ou vinte anos... Era o ano de 1994. Lembro que eu ficava admirado em ver as pinturas do professor Anísio Mello no palco principal, era muito linda... Comecei a participar como ajudante dos artistas plásticos, como o Djalma, Eriberto Barroncas, Jorge Vitor... Então foi através deles, eles confiaram em mim... Aí fui trabalhando, ajudando... Não demorei muito eu peguei os palcos alternativos, foram um aprendizado para mim. Eu achava que nunca ia pintar o palco central, porque ele era só para quem já sabe pintar na arte. Depois de cinco ou seis anos pintando palco alternativo como ajudante e depois sozinho, fui pintar o palco central, era quando eu já tinha certeza que aquilo que eu fazia era correto, era beleza, bonito. Aí! Já fui dominando mesmo... Daí! Fui me soltando mesmo para o FECANI. Hoje em dia o FECANI é muito importante para nós todos.


A logomarca do FECANI é expressa nos cartazes, outdoors e em todos os materiais de divulgação do evento. Outro símbolo do FECANI é a música hino, feita especialmente para o festival. Um dos músicos da banda base disse-nos que a música, tema do festival, foi de autoria de Robertinho Chaves e Fernando Lamber da banda Expressom, na década de 90
[49], essa música é toda instrumentada e marca a abertura oficial do FECANI, no período do Festival.


2.10 A repercussão do FECANI

Durante todo o período festivo de realização do FECANI, nota-se que todas as atividades da cidade estão voltadas para o Centro de Eventos. Durante esse período, a cidade tem suas atividades reorientadas, como o caso dos funcionários da Prefeitura Municipal que trabalham no festival, como os agentes da limpeza pública. Além da semana das festividades cívicas que são realizadas antecipadamente na cidade.
O comércio também redimensiona suas atividades para o evento, pois é o momento oportuno para vender certos produtos que, em dias normais, não venderiam com tanta frequência, a não ser em tempos festivos, como material descartável, bebidas destiladas, material para sanduíche e etc. Os açougues passam a vender mais carne, bem como “peixeiros” do Mercado Municipal, dizem que há uma grande procura de peixes por parte dos turistas, sobretudo, aqueles que ficam hospedados na casa de parentes, como o caso dos Itacoatiarenses que moram em Manaus e não comem peixe com tanta frequência na capital, dado pelo encarecimento do produto nas feiras da cidade. As lojas de roupas tem um aumento nas vendas, sobretudo nas semanas que antecedem o festival, além dos salões de beleza.
O setor de transportes é o que mais cresce na cidade, sobretudo, com a atividade moto-taxi. Em conversas informais com moto-taxistas, nota-se que muitas pessoas aproveitam para entrar nessa atividade, na época do festival. Muitos são trabalhadores das fábricas e indústrias locais que aproveitam para faturar renda extra.
É visível, durante os dias de Festival, o grande número de trabalhos informais que são realizados pelas pessoas no contexto do evento. Trabalhos como os de venda de gelo para as barracas, frete, vendedores de salgados, doces e bombons, além de “ajuntadores de latas” de cerveja para revenda de alumínio. São atividades que dão oportunidades para gerar renda para quem não está empregado em carteira assinada.
O setor da hotelaria é bastante movimentado na cidade. Alguns hotéis chegam a ter o seu movimento aumentado em até cem por cento, como é o caso dos hotéis que tem contrato com a AIRMA para hospedar os artistas e pessoas vindas de Manaus para trabalhar no evento. As pensões e pousadas, em sua grande maioria, ficam todas lotadas com visitantes. Segundo o informativo do FECANI 2005, confeccionado por Frank Chaves, presidente da Associação de Cultura e Arte de Itacoatiara, existem dez hotéis na cidade que apresentam um número de quartos que variam entre dez a quarenta e quatro. Todos com serviço de quarto e café da manhã.
Os artistas locais estariam interessados em ter, no evento, uma oportunidade de mostrar o seu trabalho e lançarem-se para uma carreira a nível estadual, como afirmou um dos músicos da cidade que fez show musical no FECANI, em suas palavras: “esperamos conseguir daqui deste público o respeito e o interesse pelo nosso trabalho, tendo em vista que todos assistiram ao nosso show pela Amazon Sat e quem sabe até conseguir um patrocinador para a banda”. Os artistas que se apresentaram nos outros concursos dizem que as atividades que são desenvolvidas no festival servem para engrandecê-los e mostrar seus trabalhos a um público que vem de todos os lugares, principalmente, do Estado do Amazonas, além de serem percebidos pelos artistas de nível nacional
Os artistas de outros municípios do Estado do Amazonas e de outros estados brasileiros vem à Itacoatiara, interessados nas premiações que são anunciadas e na estrutura organizacional do evento. Em entrevista com I. C, de São Paulo, participante do FECANI, há algum tempo, diz que “o evento oferece uma premiação atraente e alta para os vencedores, (...) podemos dizer que este é um dos eventos mais organizados do Brasil e de grande participação de público”.
Durante a realização do FECANI, foi possível notar que havia pessoas de todos os lugares, como de cidades circunvizinhas de Itacoatiara, como Silves, Itapiranga, Urucurituba, Uatumã, Rio Preto da Eva, Maués e Nova Olinda do Norte. Em muitos pontos da cidade, flagramos ônibus que foram fretados por pessoas para passar o período do Festival. Além do porto da cidade que sempre se encontram barcos fretados. Há visitantes de Manaus que estão de passagem na cidade de Itacoatiara que aproveitam para passar de um a dois dias antes de seguirem viagem para o município de Maués que tem o Festival de Verão, evento que é realizado em área aberta na praia, no período do feriado da Semana da Pátria.
Diante do exposto, o que se observa é que o FECANI mobiliza diferentes categorias de pessoas com diversos interesses. A estrutura organizacional é efêmera, mas nem por isso deixa de ser complexa, tendo em vista o afluxo de um público vindo de outras cidades, que permanece durante quatro ou cinco dias. Os concursos do festival indicam para uma valorização dos sujeitos que pensam a cidade de Itacoatiara, mostrando possibilidades de fazer reivindicações junto ao poder público para uma política de valorização das produções culturais, artísticas e esportivas.
O concurso da música como elemento agregador das outras práticas, como a poesia, a estória oral, teatro, artes plásticas, desenho, culinária local e cinema, reconhecem como tema as chamadas questões amazônicas como problema do desmatamento da floresta, a escassez dos recursos naturais, o desaparecimento da fauna, relação do homem com o meio e as políticas de cunho nacional e internacional de desenvolvimento sustentável da floresta.
Por mais que em um primeiro momento as temáticas amazônicas tivessem sido tornadas uma das palavras-chave da tribo midiática, as discussões de cunho nacional como a política, a economia e os problemas sociais tem, na música, a expressão máxima de mandar recados frente às reivindicações sociais. Além dos devaneios, amores e paixões que encontram espaços em uma licença poética no âmbito de um festival.
Além de discutir constantemente a identidade brasileira, na figura das três “raças” (índio, negro e branco), o festival também contextualiza os problemas sociais vivenciadas hoje por índios, negros e migrantes, ao mesmo tempo em que se promove a figura romântica do caboclo. Nesse caso, condição social do mestiço que na Amazônia algumas correntes teóricas da década de 30, do século XX, a partir do conceito de aculturação o classificaram como caboclo, tipo social ainda marcado por pré-conceitos e hora idealizada.
No terceiro capítulo, Festa e Espetáculo: o FECANI no contexto Amazônico pretende-se aprofundar a análise sobre o processo de configuração do FECANI a partir de modelos teóricos como evento e estrutura. Buscando revelar pela descrição da festa a dimensão local e regional expressadas nas manifestações do evento. Tomando o significado do FECANI e as relações sociais estabelecidas entre as diferentes categorias de pessoas e instituições que participam na organização e atividades da festa.
O capítulo deixa entrever a discussão em torno da configuração da expansão urbana da cidade de Itacoatiara, tomando a dinamicidade do FECANI como ponto de partida para análise. No sentido de averiguar em que medida o Festival representa importância turística, econômica e cultural para a cidade de Itacoatiara.
Por fim, notar a estrutura do FECANI como um sistema de relações, pretende-se perceber nos grupos constituídos de artistas, barraqueiros e outros, o sistema de parentesco e de filiação, sistema de comunicação linguística, sistema de troca econômica, da arte, do mito e do ritual. De acordo com Marcel Mauss (2003), trata-se de um verdadeiro potlach ou fato social total, que põe em circulação a totalidade da sociedade envolvida em um complexo sistema de prestações totais, que para ele são fenômenos jurídicos, econômicos, religiosos, estéticos e morfológicos, etc.













CAPÍTULO III
FESTA E ESPETÁCULO: O FECANI NO CONTEXTO AMAZÔNICO

3.1 A Cidade e a Festa: a expansão urbana de Itacoatiara no Espaço e Tempo na produção de uma localidade.

Nos capítulos anteriores, vimos que o FECANI constrói-se a partir de processos culturais, políticos e históricos, figurando em diferentes movimentos musicais que tem suas expressões nas décadas de 1960, 1970 e 1980 com os festivais de canção do Brasil. E de forma localizada nos movimentos de grupos de jovens da Igreja Católica, nesse caso, os Festivais de Música Cristã, fins das décadas de 70, e perpassando toda a década de 80. A revisão bibliográfica sobre música popular e os festivais de canção do Brasil, aponta que, nos anos 70, há um fechamento de um processo cultural iniciado ainda nos anos 20, marcado pela necessidade de buscar uma identidade nacional brasileira e para qual recorreu, de forma significante, à esfera musical popular.
Estamos de acordo com Napolitano (2002) de que “a reflexão sobre as relações entre música e história (do Brasil) deve levar em conta esse processo geral de configuração e crise do nacional-popular e da modernidade brasileira”. Nossa música não apenas expressou, mas equacionou impasses gerados ao longo deste processo, sob perspectiva de diversos atores envolvidos.
Pensar a constituição do FECANI no espaço e no tempo na cidade de Itacoatiara, é tentar pensá-lo a partir das condutas sociais dos sujeitos e nos significados que os próprios sujeitos “inscrevem” nessas ações. Por isso, pensar o FECANI como invenção das tradições, cabe pensar como uma estratégia de afirmação simbólica de grupos sociais dentro do sistema musical e da cultura como um todo. É nesse sentido que buscamos averiguar em que medida o Festival da Canção de Itacoatiara vem representando importância turística, econômica e cultural para a cidade de Itacoatiara, ou como ele vem configurando-se na cidade como um fato social total.
Refletir o FECANI a partir da perspectiva do Espaço-Tempo, incorporado aos anos de realização do Festival ao longo dos seus vinte e dois anos de existência (2006) e o espaço que vem sendo pensado e construído para fruição do evento no âmbito da cidade.
David Harvey (2005) em a “Condição Pós-Moderna” sustenta que o tempo e o espaço não podem ser compreendidos independentemente da ação social. Pois é nessa ação que estão fincadas as “práticas espaciais e temporais de toda a sociedade, são abundantes as sutilezas e complexidades”. Nesse sentido, é nos processos de reprodução e da transformação das relações sociais que surgem formas gerais de aproveitamento dos espaços e o seu uso, criando demandas públicas de uma ação governamental e formas culturais.
Harvey (2005) toma como referência Henri Lefebvre (2001) sobre a produção do espaço, quando salienta três aspectos de seu pensamento, como o espaço vivido, o percebido e o imaginado. Onde as relações dialéticas entre estas é o sustento de uma tensão dramática por meio do qual pode ser lida a história das práticas sociais. Os espaços de representação, além de afetar a apresentação do espaço, tem como força produtiva material de agir nas práticas espaciais.
Ele defende que os espaços de representações são invenções mentais, baseados nos códigos, signos, “discursos espaciais”, planos utópicos, paisagens imaginárias e até construções materiais como espaços simbólicos, ambientes particulares construídos, pinturas, museus e outros que nos dão possibilidades de imaginar novos sentidos ou possibilidades para práticas espaciais.
Nesse sentido, cabe analisar como os sujeitos sociais pensam o espaço do FECANI, que outrora foi pensado como um espaço em função das necessidades econômicas e políticas por parte do Estado e da Prefeitura para atender eventos de características efêmeras como o carnaval, aniversário da cidade, festival folclórico, FECANI e atividades esporádicas, como convenções político-partidárias, convenções de Igrejas Evangélicas e missas campais da Igreja Católica. Então, cabe indagar, como as pessoas estariam ressignificando esse espaço na época de realização do FECANI?
O centro de Eventos de Itacoatiara passa a maior parte do ano fechado sem ações continuadas da prefeitura para os moradores e visitantes, ficando restrito apenas para alguns frequentadores que se utilizam da área para caminhar e praticar esporte no período da tarde, com hora marcada de abertura e fechamento.
No tempo do FECANI, toda área é re-configurada. É quando são divididas áreas para bar, barracas de venda para produtos alimentícios, lanches, artesanato, parque de diversões, postos policiais, bombeiro, saúde pública, etc. É o que denominamos no primeiro capítulo como espaços quentes e espaços frios do festival. Os espaços quentes seriam aqueles destinados às apresentações dos concursos, como as áreas dos palcos principais e alternativos, tenda policultura que agrega os concursos locais com maior movimentação de pessoas e espaços frios que estariam destinados ao descanso como bares e restaurantes.
David Harvey (2005, p. 198) busca em Bordieu o entendimento pelo qual a submissão dos ritmos coletivos é exigida com tanto rigor nas ordenações simbólicas do espaço e do tempo. Ele pondera que “é o fato das formas temporais ou estruturas espaciais estruturarem não somente a representação do mundo do grupo, mas o próprio grupo, que organiza a si mesmo de acordo com essa representação”. Nesse sentido, cabe avaliar a estrutura organizacional do FECANI e de como estes grupos vem pensando o espaço de atividades para os mais variados sujeitos inerentes nesse processo. O autor afirma que “a organização do tempo e do grupo de acordo com estruturas míticas leva a prática coletiva a parecer o mito realizado”. Nesse sentido, o lugar ou local torna-se importante, pois, é onde as expectativas sociais voltam-se, no momento em que as ações ocorrem.
Jose Aldemir de Oliveira (2006, p. 05) salienta que as dimensões sócio-espaciais na Amazônia são compartilhadas de modos diferentes do que era. Novos sujeitos, indígenas, movimentos sociais, empresas, ONG’s e mídia produzem espacialidades diversas e articulam as estruturas preexistentes quase sempre locais às dimensões globais.
No primeiro capítulo, vimos que a construção do Centro de Eventos Vereadora Juracema Holanda, inaugurado em 2003, através do governo Municipal e Estadual, como solicitação da administração pública e da sociedade local, que almejava por um espaço amplo, para reunir um grande número de pessoas para os eventos, no antigo lugar que antes era ocupada pelo Parque de Exposições Agropecuárias Acácio Leite (EXPAMA), no bairro da Prainha, na rua Álvaro Maia. A consolidação do Centro de Eventos no lugar que antes era tido como limite urbano da cidade, seria resposta ao processo de desenvolvimento da cidade, onde a Prefeitura de Itacoatiara estaria indicando por conta da implantação de equipamentos urbanos, a direção do desenvolvimento urbano do município.
Articulado com a especulação imobiliária com criações de conjuntos habitacionais, como o Jardim Amanda da construtora do empresário Moysés Israel, validação das ocupações urbanas com o processo de criação de novos bairros, como o bairro Mamoud Amed Filho (mesmo nome do prefeito candidato à reeleição em 2004), implantação do Pólo Moveleiro de Itacoatiara e da Universidade do Estado do Amazonas. O que proporcionou na área próximo ao entorno do Centro de Eventos, a instalação de comércio, pavimentação de ruas e a instalação de atendimento médico ambulatorial.
Nota-se que com a construção do Centro de Eventos houve um impulsionamento comercial, com a instalação de lojas de materiais de construção, armarinhos e miudezas, resultando em uma valorização contínua das áreas que ficam ao seu entorno. Pode-se dizer que Itacoatiara está passando pelo mesmo processo pela qual está passando as cidades de Parintins, Manacapuru, no Amazonas, e Alter do Chão, no Pará. Com a criação de Centros de Convenções e Eventos para a realização de suas manifestações festivas de fortes destaques.
Serpa (2007, p.19) ao comentar sobre a contribuição de Henri Lefebre para o estudo do espaço e da constituição das cidades modernas, afirma que não é necessário um exame muito atento das cidades modernas, das periferias urbanas e das novas construções para constatar que tudo se parece. “Esses espaços repetitivos resultam de gestos e atitudes também repetitivos, transformando os espaços urbanos em produtos homogêneos, que podem ser vendidos ou comprados”. Para o autor, não há nenhuma diferença, entre esses espaços, a não ser a quantidade de dinheiro neles empregada. O que reina é a repetição e a qualificação.
Conforme a observação de Braga (2002, p. 29), na cidade de Parintins – AM, a criação do Bumbódromo para apresentação dos bois-bumbás na época do Festival Folclórico, foi inaugurado em 1988, com a denominação de Centro Educacional e Desportivo Amazonino Mendes. Com a capacidade para trinta e cinco mil pessoas, constituindo-se, na época, como um projeto arquitetônico espetacular, comparável em termos funcionais ao sambódromo do Rio de Janeiro ou de Manaus, com o detalhe original de ter sido desenhado no formato de um boi.
Nogueira (2008) observa que para as manifestações festivas das cidades de Manacapuru-Am com a Festa da Ciranda no mês de Setembro e Alter do Chão do Estado do Pará, com a Festa do Sairé, também no mês de setembro, o Boi-Bumbá de Parintins pode, ser tomado como referência da concepção de um aperfeiçoamento técnico e organizacional. Que segundo ele:


É a partir do bumbódromo que os bumbás ganham projeção televisiva e se lançam para a aventura mercadológica na qual se encontram hoje. Produz a partir daí, um espetáculo dentro de uma arquitetura que atenda às necessidades dos brincantes (foliões), do público espectador dos meios de comunicação e dos patrocinadores. A estrutura arquitetônica desse espaço vem se aperfeiçoando a cada ano, de acordo com as exigências de cada um dos segmentos envolvidos no espetáculo. São mais camarotes e arquibancadas para turistas e modificações que facilitam a “evolução” (apresentação) dos bumbas e a cobertura da imprensa. Pelos mesmos processos passam o Sairé de Alter do Chão e a Ciranda de Manacapuru: tiveram de deixar os terreiros acanhados para se apresentar em lugares mais visíveis aos espectadores, telespectadores, leitores, ouvintes e internautas. E por isso, foram construídos, também o sairódromo e o cirandódromo. São lugares edificados pelo poder público, para abrigar espetáculos e, por tanto, apropriados como espaço de e/ou para o mercado (NOGUEIRA, 2008, p. 40-41).


É importante salientar a importância dos autores como Braga e Nogueira no estudo sobre as festas populares e religiosas na Amazônia, pois nos dão subsídios para notarmos a transformação e os elementos que vem sendo agregados ao FECANI. Nesse caso, pode-se considerar que em Itacoatiara a construção do Centro de Eventos também serviu para se configurar como um espaço de relações econômicas e/ou para mercados, uma vez que se observa anualmente a vinculações de marcas locais de lojistas, comerciantes e indústrias da cidade (madeireiras de compensado, e um porto graneleiro de soja). Ao evento produtos e serviços regionais e nacionais, das indústrias de refrigerantes, de cerveja (em 2006, Kaiser), correios, bancos (em 2006, Caixa Econômica Federal, Banco da Amazônia). Apoios institucionais no ano de 2006 da Secretaria de Educação do Estado do Amazonas (SEDUC), Secretaria de Cultura do Estado do Amazonas (SEC), Prefeitura Municipal de Itacoatiara.
Mídias que fazem a cobertura do Festival. Rádios Panorama de Itacoatiara 95,3 Mhz, Rádio Difusora de Itacoatiara AM 720 Khz e FM 94,5 Mhz, Rádio Comunitária Pedra Pintada 104,9 Mhz e 101,5 FM Amazonas (Manaus). Televisão RTV Rede Vida de Itacoatiara (transmissão local), Rede Amazônica através do AMAZON SAT (canal UHF) e o Portal Amazônia no sit:
http://www.portalamazonia.com/.
Serpa (2007) afirma que é no período contemporâneo, que o consumo cultural parece ser o novo paradigma para o desenvolvimento urbano. As cidades são reinventadas a partir da reutilização das formas do passado, gerando uma urbanidade que se baseia, sobretudo, no consumo e na proliferação (desigual) de equipamentos culturais. Percebe-se, por exemplo, que o concurso FECANI é advindo dos festivais de música cristã da Igreja Católica, onde as criações artísticas musicais eram livres sem o rigor das partituras e de uma possível formação erudita. Ou de uma exigência nas construções academicista (mesmo não figuradas em regulamento) das poesias do COMPOFAI, com a participação cada vez mais crescente de universitários e professores universitários de Manaus, alto nível de profissionalização que acaba excluindo os alunos da rede pública local e pessoas da cidade como um todo. Na observação do FECANI 2004, verificamos a discussão entre o coordenador geral do FECANI e concorrente do concurso do COMPOFAI que não teve a sua poesia aprovada:
Após a realização do COMPOFAI, constatamos uma reivindicação de um dos poetas de Itacoatiara que se submeteu ao processo de seleção e não teve sua poesia aprovada pela comissão do concurso. Ele comentava com o coordenador geral do concurso sobre a possibilidade de ter suas poesias retornadas após o processo de seleção, pois haveria a possibilidade de detectar os erros da poesia e depois quando fosse fazer outras poesias, não pudesse persistir no erro. O coordenador do concurso disse que os poetas concorrentes da cidade deveriam se organizar e exigir da prefeitura cursos de reciclagem, para certos vícios e problemas de composição da poesia, que poderiam ser sanadas com prática de leitura. A AIRMA se responsabiliza somente pela realização do concurso.
Depois de termos constado tal fato, fomos conversar com o poeta que estava fazendo esta reivindicação. Ele é pescador e mora no interior do município de Itapiranga, que faz divisa com o município de Itacoatiara. Nos últimos anos vem tentando se classificar no COMPOFAI, mas até agora não conseguiu esse intento. Em suas palavras: “o concurso é desleal, pois, tem pessoas de todas as escolaridades, desde uma criança de 12 anos de idade que faz a quarta série, até uma professora que tem doutorado em Letras, como foi o caso d’aquela mulher que apresentou uma poesia aqui hoje. Bom, mas apesar de eu não ter sido selecionado, eu vim prestigiar os colegas poetas.
Nogueira (2008, p. 129) observou nas adaptações adotadas pela Ciranda de Manacapuru em relação à Ciranda (matriz) de Tefé, como uma tentativa de criar e encenar um bailado com as cores locais que deem conta do cotidiano da cidade, mas que, também se articule com mercado de bens simbólicos. Que segundo ele, “o historiador Eric Hobsbawm diria que os manacapurenses, estão assim como fizeram os cariocas e os parintinenes, tentando inventar uma tradição e, para isso, vem contando com eventos políticos e sociais favoráveis”.
Em relação à cidade de Itacoatiara, esse jogo de interesses políticos e sociais favoráveis a realização do FECANI, não estão claros nesta pesquisa, dada a dificuldade e a limitação por parte das agências públicas de financiamento, como a Prefeitura de Itacoatiara, em estar divulgando dados de financiamento para o Festival, bem como nenhuma entrevista concedida pela direção da AIRMA sobre o Projeto anual de realização do FECANI. A não ser no vídeo promocional do FECANI que afirma ser um projeto de mais de um milhão de reais (ano de divulgação de 2006, 2007).
Assim como em Manacapuru em que o interesse do público externo cresce a cada ano, como nas mudanças na estrutura de apresentação dos cirandeiros: de um lado para atender à expectativa dos visitantes movidos pelo espetáculo; de outro, para atender ao formato de transmissão ao vivo da TV (NOGUEIRA, 2008, p. 129). Em Itacoatiara nota-se que o formato de apresentação do FECANI para TV também vem passando por processos de experiências, já algum tempo. De acordo com a entrevista realizada em 2007 com R. C, (idade não divulgada), Coordenador e Gerente do Amazon Sat da Rede Amazônica. Que falou do formato que o Amazon Sat vem assumindo para a transmissão do Festival da Canção de Itacoatiara nos anos de parceria: Segundo suas palavras:


O FECANI, já é considerado como o maior Festival da região Norte e quiçá do Brasil. O que procuramos enfatizar este ano em nossas transmissões, são as músicas deste Festival, as suas letras e com isso, quem sabe ele pode até se torna o maior da América Latina.
O Amazon Sat começa a trabalhar a pelo menos cinco meses antes de realização do evento. É quando nos reunimos com a equipe de produção e definimos o que de fato queremos naquele evento. Este ano, buscamos mostrar um pouco desta emoção que o compositor, interprete tem antes de sua apresentação.
A idéia foi passar para as pessoas que estavam assistindo o Amazon Sat e aqueles que estão no Centro de Eventos um pouco da história da música do concorrente, ou seja, em que situações a música foi concebida (...) para que no momento em que as pessoas escutassem as músicas concorrentes elas já soubessem de sua história. Com isso acreditamos que a valorização do Festival, passa primeiro pela valorização do cantor.
Achamos interessante que este ano o Festival fechou parceria com a faculdade de música da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), pois lá tem gente que entende de partitura, de técnica, e isso é interessante, pois mostra uma profissionalização do evento.
O Amazon Sat está a mais de treze anos cobrindo a transmissão do Festival, e a intenção é melhorar cada vez mais. Precisamos nos aproximar cada vez mais da coordenação do evento, pois é preciso pensar no festival para a televisão, não só para o público local. Atingindo aquele que está em casa, poderemos conseguir mais patrocínio e com isso uma autonomia cada vez maior do Festival.
Assim poderemos ajudar outros músicos do Brasil a se deslocarem até a cidade para concorrer (...).
Este ano, achamos que o FECANI estaria ganhando a maioridade, sendo ele o maior Festival da região Norte, achamos interessante colocar isso na boca daqueles que participam do FECANI. Este ano convidamos artistas como o cantor Zezinho Corrêa do Carrapicho, Celdo Braga do Raízes Caboclas, Gonzaga Blantes, Candinho e Inês e Salomão Rossy, para eles mostrarem para os telespectadores a importância destes Festival para suas vidas. E nós colocamos cada uma dessas falas nas chamadas da programação do Amazon Sat.
Valorizar o FECANI é preciso que a coordenação pense neste Festival para o formato de televisão e com isso, é pensar nas formas de divulgação do evento, pois percebemos que na hora que inicia o concurso ainda fica um vazio na frente do palco. Então como fazer para incentivar que as pessoas da cidade e visitantes participem? Deve usar rádio, televisão e outras formas que vincule a importância do festival e a participação das pessoas.


É interessante notar na fala do responsável pela transmissão do festival, que no decorrer dos anos o FECANI fica cada vez mais profissional. Para isso, exige-se cada vez mais a profissionalização e técnica dos concorrentes, da Banda FECANI dos jurados e dos diferentes shows do palco principal
[50]. Além de passar por meio de mídia televisava todo um discurso performativo sobre Amazônia.
Talvez já esteja em curso no FECANI o que Nogueira (2008, p. 49) denominou de disputas pelo controle da festa midiatizada. Para o autor, tornam-se inevitáveis em função da visibilidade social, do dinheiro que movimentam e do poder político que passam a concentrar. Para ele, isso ocorre quando as festas populares alcançaram o nível de profissionalização que atende aos interesses comerciais (...), onde os produtores de TV precisam de imagens que justifiquem um show permanente, no caso da transmissão ao vivo. As TVs necessitam prender o telespectador, para que dêem retorno comercial aos seus anunciantes.
A importância que o produtor televisivo tem dado aos intérpretes e compositores nas chamadas e propagandas da TV na programação da Amazon Sat em 2006, mostra a necessidade de se tentar criar na população da cidade de Itacoatiara um vínculo emotivo com o concurso FECANI.
Ressaltar depoimentos de cantores renomadas no Estado do Amazonas como Zezinho Corrêa, da Banda Carrapicho que foi sucesso nos anos 1990, no Brasil, com a música ao ritmo de boi-bumbá “TIC TIC TAC”, Celdo Braga, do Grupo Raízes Caboclas
[51], conjunto musical que tem enorme prestígio na cidade que, no FECANI 2004, foi motivo de protesto pelos Itacoatiarenses contra a AIRMA que devido às exigências técnicas de montagem do palco da banda do cantor Alexandre Pires, ex-vocalistas do grupo de pagode Só Pra Contrariar (SPC), não deixou tempo para o Raízes Caboclas apresentarem-se. Candinho e Inês[52] e Salomão Rossy e Gonzaga Blantes. É mostrar que o FECANI seria um palco de revelação e consagração de artistas Amazonenses, que ganharam prospecção na mídia.
O jornal Amazonas em Tempo, do dia 06 de setembro de 2006, publica matéria com o título Tudo Pronto para o Festival, mostra a expectativa dos coordenadores do FECANI quanto à transmissão do evento pelo Amazon Sat: A coordenação da AIRMA informa que o Festival será transmitido ao vivo durante os três primeiros dias, pelo o Amazon Sat. A expectativa dos coordenadores é que este seja o grande gancho para a afirmação do evento e sua respectiva expansão nacional. (Jornal Amazonas em Tempo, 2006, p. B1). É importante ressaltar que atualmente a Rede Amazônica de Televisão e o Canal UHF do Amazon Sat, que são emissoras filiadas à Rede Globo de Televisão, adquirem os direitos exclusivos para explorar comercialmente a edição das imagens videográficas do Festival, colocando esporadicamente à venda a fita de vídeo que recebe o nome FECANI: Festival da Canção de Itacoatiara-Am, onde estão editadas as imagens referentes aos melhores momentos do Festival.
Essas fitas de vídeo podem ser adquiridas em lojas de artesanato situadas no Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, em Manaus-AM. Em 2007, adquirimos duas fitas de vídeo. Uma intitulada FECANI: Festival da Canção de Itacoatiara-Am, compactos 2003, com aproximadamente 28 minutos de apresentação e outra fita compactos dos anos 2000, 2001, 2002, com aproximadamente 56 minutos.
Braga (2002) mostra-nos que o Festival Folclórico de Parintins passou pelo mesmo processo, quando era transmitido pela mesma emissora de TV.


A Rede Globo de Televisão, adquiriu os direitos exclusivos para explorar comercialmente a edição das imagens videograficas do Festival, colocando anualmente à venda a fita de vídeo que recebe o nome Folclore na Floresta, onde estão editadas as imagens referentes aos melhores momentos do Festival. O Programa Fantástico da Rede Globo de Televisão vem dando destaque à festa do boi à época da sua realização, veiculando imagens da cidade de Parintins e do espetáculo, com duração de três a quatro minutos em sua programação dominical, assistida por milhões de telespectadores (BRAGA, 2002, p. 122).


A observação feita pelo antropólogo sobre o Festival Folclórico de Parintins data entre os anos de 1991 a 1996. Nota-se que a AIRMA a exemplo do Festival de Parintins, tem tentado divulgar o FECANI por via televisiva buscando convidar o então presidente da Rede Globo de Comunicações Dr. Roberto Marinho, para a abertura do VII FECANI (1991), conforme a carta resposta da Rede Globo: Prezado Presidente (AIRMA): Com referência a seu ofício de 05 do corrente, comunico-lhe que o nosso Presidente, Dr. Roberto Marinho, agradece seu gentil convite, mas não lhe é possível comparecer à abertura do festival. Quanto à divulgação, V.S. deve entrar em contato com nossas afiliadas dessa região (Rio de Janeiro, 22/08/1991. Walter Proyares, Assessor do Presidente).
Apesar do não comparecimento do Presidente da Fundação Globo de Televisão, a AIRMA continuou o trabalho de divulgação do FECANI por meio de telegramas e cartas para as secretarias de cultura dos estados brasileiros, como por exemplo, em 1991, ofício destinado à Secretaria de Cultura do Estado do Rio Grande do Sul, que pedia a divulgação do VII FECANI (realizado nos dias 26 à 29 de setembro), com o envio de material de divulgação composto de cartaz e fichas de inscrição para o concurso. E a comunicação, nesse mesmo ano, ao Gabinete do Dep. Federal do Amazonas Pauderney Avelino, que agradecia a comunicação do evento: Felicito essa Associação pela tão momentosa e importante iniciativa, tendo inclusive recomendado ao meu Gabinete a mais ampla divulgação do referido evento (Brasília-DF, 21 de agosto de 1991).
No dia 23 de setembro de 1992, a Superintendência Estadual de Comunicação Social do Estado Espírito Santo
[53] acusou o recebimento da carta-convite, onde pedia a inscrição de compositores para a participação do FECANI, respondendo que não seria possível devido à falta de dotação orçamentária. Ainda no mesmo ano, a Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão acusa o recebimento do material de divulgação e se compromete em difundir o convite aos músicos do Estado.
Em 1993, no dia 24 de junho, a Secretaria de Estado da Cultura do Estado do Paraná acusa o recebimento do ofício que pedia a divulgação do FECANI, na carta dizia ter encaminhado o material para a Rádio e Televisão Educativa do Paraná para a divulgação. Ainda no mesmo ano, a Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, acusava o recebimento e a divulgação do material do IX FECANI.
Percebe-se diferentes formas de comunicação do FECANI e a necessidade de agregar celebridades da mídia a imagem do Festival, foi o que levou a AIRMA a convidar a jornalista da TV Globo, Leilane Neubert, para apresentar o Festival nos anos de 1995 e 1996, ao lado do radialista local Ruy Castro, apresentador oficial do FECANI. Segundo o Jornal A Critica, do dia 10 de setembro 1996, ao lado de Ruy Castro ela comandou as duas últimas noites do festival e demonstrou que assimilou bem o espírito dessa festa musical amazonense, cuja dinâmica exige do apresentador o desempenho de um animador de auditório. A matéria revela que a jornalista tomou conhecimento do Festival por uma amiga, e desde então, o convite foi feito diretamente pela AIRMA.
Enquanto a AIRMA tenta lançar o FECANI para uma projeção nacional e até internacional, articulando os meios através da mídia e dos jornais escritos locais e da capital. Por outro lado, observa-se que algumas exigências técnicas como a inserção da inscrição das músicas e arranjos em partitura com a melodia cifrada tem preocupado os músicos Itacoatiarenses. Pois dizem que essa cláusula que, foi instaurada em 2006, acaba por excluírem do concurso dado a dificuldade de suas formações em músicas eruditas. Os músicos clamam que a AIRMA entre em convênio com a Prefeitura Municipal de Itacoatiara ou governo Estadual, no sentido de montar um conservatório de música, para formação dos músicos locais.
Pode-se dizer que devido à profissionalização do Festival em que se exige um conhecimento mais técnico de música, é que tem feito as pessoas perderem o interesse em participar do concurso. Logo o desinteresse do público em prestigiar os concorrentes no momento das eliminatórias do FECANI.
Em entrevista com o Sr. P. R, 32 anos de idade, que foi Jurado da Pré-seleção e do Concurso FECANI 2006. Informou-nos que a AIRMA aplicou o sistema de cotas para a pré-classificação das 34 musicas do FECANI 2006, onde quatro vagas eram destinadas para os compositores itacoatiarenses. Em suas palavras:


Tem uma coisa que você como pesquisador precisa saber. O Festival ele é promovido em Itacoatiara, pelo povo de Itacoatiara, Prefeitura e pelo governo do Estado do Amazonas. Tou te falando o que a AIRMA passou pra mim, nada mais justo do que você deixar uma cota de música para Itacoatiara (...) se não me engano, são quatro músicas para Itacoatiara. Foram trinta músicas de outros lugares e quatro músicas de Itacoatiara. Só que claro! Foram muito mais inscritos de Itacoatiara, se eu não me engano foram mais de quinze ou vinte músicas inscritas, de onde destas vinte músicas foram selecionadas quatro.
Mas é importante lembrar! Que em Itacoatiara o nível não é ruim, lá eles tem grandes artistas, mas só pode entrar quatro (Manaus, 23 de agosto de 2006).


Pode-se notar que a AIRMA começa a se preocupar com a participação de músicos da cidade de Itacoatiara, desenvolvendo mecanismos para garantir quase que de direito a presença dos músicos locais. Mas até que ponto o sistema de cotas é valido para um concurso público que se exige alto grau de conhecimento técnico de teoria musical?
A exigência das partituras no ato da inscrição do concurso FECANI, como um dos elementos da pré-seleção, suscitou debates entre os músicos concorrentes. E foi vista como um dos aspectos positivos no desenvolvimento dos trabalhos da Banda FECANI. A. F (idade não divulgada), produtor musical do FECANI há mais de quinze anos, afirma que a partitura serviu para agilizar os ensaios das músicas concorrentes, que vem ocorrendo durante os anos na última semana do mês de agosto na cidade de Manaus. De acordo com suas palavras:


Eu acho importante a exigência da partitura nas músicas concorrentes. Eu já tinha conversado com o pessoal da AIRMA antes sobre isso, Porque veja bem... Todo mundo de fora (de outros Estados) que vem para o Festival, vem super organizados. Então ta na hora do Amazonense e do pessoal de Itacoatiara se organizar nesse sentido. Porque se perde muito tempo no ensaio transcrevendo a cifra e a melodia.
Então se você traz tudo arrumadinho é só tocar. Aqui todos os músicos são competentes. Essa galera que ta aí só de olhar toca, mas o que quero te dizer é que a gente ganha muito tempo... Antes a gente perdia quase uma hora escrevendo a música. O cara (compositor) quer uma coisa, mas ele não sabe se expressar, ele não sabe como pedir. Na partitura cada um olha e interpreta (Manaus, 26 de agosto de 2008).


Conforme a entrevista a cima, podemos inferir que com a inserção das partituras há um aumento no nivelamento técnico das músicas concorrentes do FECANI, que no contexto nacional, entre os músicos de outros Estados, essa é uma prática corriqueira. Observa-se que a partir do momento em que o FECANI vai ganhando visibilidade, há um aumento no nível de profissionalização do evento. Tem-se na cidade o investimento de equipamentos sociais para abarcar o crescimento do Festival.
Claudemilson Oliveira (2007, p. 168-169), em sua Dissertação de mestrado, considera que Itacoatiara assume o papel e a importância de cidade intermediária. Uma vez que as cidades intermediárias são aquelas que nutrem de informações, tecnologias, serviços, ideologia e presença política aquelas cidades de menor porte, incapazes de realizar de forma direta essas funções. “Elas fazem parte da rede urbana e, consequentemente, como intermediárias, asseguram a produção, a circulação do processo de acumulação capitalista”.
Para o pesquisador, Itacoatiara recebe o título de cidade intermediaria devido a sua função, seu grau de polarização, seus equipamentos de serviços e de lazer e o papel que sua estrutura exerce na Região, “recebendo e emitindo externalidades”. Uma vez que a cidade tem uma população acima da média regional, exercendo influência em sua sub-região, com funções que a fazem assumir o papel de pólo regional na hierarquia urbana, provendo o consumo produtivo e coletivo da sub-região onde está inserida, recebendo e emitindo inovações. Apresentando-se, dessa forma, “como modelo de progresso de produção e de modo de vida, a ser seguido e, assim, consolidando a forma de viver da sociedade capitalista em todos os lugares, mesmo nas regiões mais distantes dos grandes centros, como é o caso da Amazônia”.


3.2 “O maior Festival de Canção do Norte!” A produção de estereótipos como elemento identitário da cidade

Pensar como vem ocorrendo o processo de recreação e reprodução da paisagem urbana no contexto da cidade de Itacoatiara tomando o FECANI, como referência, é verificar o processo de vinculação identitária dos sujeitos sociais, a partir dos estereótipos produzidos no contexto do evento.
Carlos Fortuna et al (2002) no texto A recreação e reprodução de representações no processo de transformações das paisagens urbanas de algumas cidades portuguesas, busca compreender como ocorre o processo de transformação identitária das cidades portuguesas de Aveiro, Braga, Coimbra e Guimarães, de acordo com as dinâmicas de reprodução e recriação de suas paisagens. Buscando dar conta dos referentes culturais que vão marcando a história das cidades e o modo como elas vão se estruturando material e simbolicamente ao longo do tempo. Ele ressalta que se deve levar em consideração a “identificação das figuras ou heróis locais, dos acontecimentos celebrados e os episódios de rivalidade ou estratégias de distinção que as cidades põem em marcha e alimentam”.
Deve-se compreender o “grau de interiorização e de consensualização de símbolos da identidade local, do mesmo modo que envolve a aferição do grau de identificação e do sentimento de pertença dos residentes à cidade e a importância que esta assume nos seus projectos de vida”, e “auto-estima que é capaz de gerar”. Para o autor em ultimo caso, o “processo de transformação identitária das cidades passa, no fundo, por revelar os elementos que, na sua história secular, vão sendo valorizados e desvalorizados, esquecidos ou notabilizados, no plano simbólico em que as cidades se representam e são representadas (FORTUNA, 2002, p.19)”.
Como fonte analítica de material empírico sobre as cidades portuguesas, os autores buscam através de monografias clássicas entre os anos de 1920 e 1990, materiais turísticos de divulgação das cidades, estatísticas e entrevistas com as pessoas residentes, onde eles consideram, essencialmente, a partir da lógica de auto-representação elaboradas.
A partir do cruzamento do material, os autores buscam revelar duas situações: a primeira é de que as principais imagens que as cidades tem difundido e convertido através de “processos de estereotipação”, em verdadeiras imagens de marca, no sentido em que se afirmam como característica identificadora mais comum e recorrente de processos de referência e de distinção. A segunda situação é de que a volta dessas imagens de marca estão para serem recriadas, num processo feito de rupturas e de continuidades, novas imagens que, em termos de cultura urbana e cosmopolitismo, reforçam a identidade local.
Os autores afirmam, que nesse confronto de imagens mais antigas e as representações recentes que decorrem dos processos de modernização, buscam identificar o poder simbólico dominante nas dinâmicas de transformações das paisagens urbanas, no sentido de apontar as lógicas de reprodução ou de substituição dos protagonistas que maior influência exercem na construção das imagens que as cidades projetam.
Parafraseando Carlos Fortuna et al (2008) nas imagens que a historia fixou: a antiguidade como elemento que cauciona a identidade. Nota-se nos panfletos de divulgação turística de Itacoatiara e do FECANI, a presença da historia da fundação do município e principais acontecimentos históricos do Brasil, como elementos de agregação identitário da cidade. Conforme a observação do autor é nos panfletos e guias turísticos das cidades portuguesas, que elas se destacam pelas suas antiguidades:


Se para João de Braga (1985) é claro que qualquer bracarense sabe e sente ser a sua cidade mais antiga de Portugal”, Guimarães é afinal a raiz de toda a nossa história (Garibáldi, 1971), Coimbra é uma cidade com dois mil anos de história (Região de Turismo do Centro, s.d.), o Porto é não só uma das cidades mais antigas da Península Ibérica, mas também uma das cidades mais antigas da Europa (Carvalho, 1997) e, por fim, Aveiro orgulha-se dos seus mil anos de história (FORTUNA, 2008, p.22).


No caso de Itacoatiara, identificamos um caderno de informações do FECANI de 1998, que foi escrito pela Socióloga Prof. Terezinha Peixoto. Esse caderno é dividido pelas seguintes partes: “Município de Itacoatiara: sua história”; “Patrimônio Histórico de Itacoatiara: prédios públicos, particulares e outros bens”; “Sítios Arqueológicos”; “Localização Geográficas e Dados sobre Itacoatiara”; “Itacoatiara: Estratégico Ponto de Convergência” e “13 Anos de Festival da Canção de Itacoatiara/FECANI.” Esse caderno remonta de maneira histórica como a cidade de Itacoatiara vai passando pelos momentos históricos, identificando as figuras notáveis da cidade e heróis locais, os acontecimentos celebrados e os episódios de rivalidade ou estratégias de distinção que a cidade elege a partir de instituições como a escola pública, dada pelo ensino das disciplinas como a historia e a geografia:
Valores simbólicos que tem forte projeção na percepção dos artistas, como os artistas plásticos, que retratam nas suas telas aspectos históricos da formação da cidade com a contribuição das etnias indígenas do sítio Itacoatiara, da chamada “Batalha Naval” (1932), imagens paisagísticas da cidade, como o pôr-do-sol do porto da cidade, as praças, monumentos e prédios históricos. Essas mesmas imagens estão presentes nos trechos de poesias, nas canções que concorriam nas edições do FECANI, conforme a letra da “Canção Pedra Pintada” do FECANI 1991. Nos painéis dos palcos alternativos e principais, como mostram os cartazes de divulgação dos FECANIs de 1987, 1988, 1989 e 1990 (ver anexos).
As cartilhas turísticas trazem recortes históricos (modelo de uma historiografia positivista) da cidade, através da seguinte narrativa. A fundação da cidade teria nascido de uma “Missão Religiosa” do ano de 1696, pelo jesuíta Frei João da Silva, na foz do rio Mataurá que faz confluência com o rio Madeira. Embora outros historiadores levantem a hipótese de que o primeiro núcleo de povoamento organizado em território hoje compreendido pelo município de Itacoatiara foi no ano de 1631.
Após vários ataques dos índios Muras a Missão do Mataurá teria sido mudada para a margem direita do rio Canumã (que deságua no furo Tupinabarana). Após outros ataques do muras, a instalação do Canumã, a Missão teria se instalado num sítio da margem direita do rio Abacaxis (que também faz confluência com o rio Madeira), fundada pelo tuxaua Mundurucum de nome abacaxis no ano de 1696. A então Missão de Abacaxis teve como administrador o jesuíta Frei João Sampaio, que em 1716, recebeu no lugar os índios da etnia Torá, que fugiram do massacre que o Capitão-Mor do Pará, João de Barros Guerra, emplacava sobre os Torá do rio Madeira.
Ainda sobre os ataques dos índios muras que temiam ser aprisionados e escravizados pelos brancos, forçou a Missão de Abacaxis a se mudar para um lugar de terra firme. Em 1758, chega ao lugar o general Francisco Xavier de Mendonça Furtado, do governador do Grão-Pará e Maranhão, com a intenção de levar à aldeia de Abacaxis a condição de vila. Ao general, os moradores reclamavam das doenças, e dos constantes ataques dos muras e com isso pediram a permissão para mudar mais uma vez.
Terezinha Peixoto (1998, p. 2) ressalta um trecho da carta enviada ao ministro Ultamar de Portugal pelo Governador Mendonça Furtado sobre a escolha do novo lugar de assentamento da aldeia, hoje cidade de Itacoatiara: “Na verdade escolheram bem, porque as terras são as melhores que aí há, pois produzem todo o gênero de frutas, e o rio naquele sítio é abundantíssimo e sobre tudo esta na estrada real destes sertões, e com esta vila acharão os passageiros socorro, e os índios não só tirarão grande lucro dos seus trabalhos na venda dos mantimentos, mas civilizar-se-ão”.
No trecho que fala sobre a estrada real, refere-se ao rio Amazonas, pois o sítio Itacoatiara já existia antes da instalação do povoado. Ressalta-se o lugar como ponto de comunicação entre os povoados dos rios Madeira, Solimões e Negro. Ressalta-se também, que as primeiras famílias que faziam parte deste povoado eram das etnias dos Abacaxis, Anicorés, Cumaxiás, Juris, Juquis, Aponariás, Barés, Jumas, Pariquis e Torás. Fruto do processo de descimento das aldeias paras as margens dos rios na Amazônia.
No ano de 1759, o povoado foi elevado à categoria de vila, em primeiro de janeiro de 1759, com o nome Vila de Serpa. Nome Serpa cumpria a exigência que o Alvará de 14 de setembro de 1758, pedia para que as vilas que tivessem as denominações indígenas fossem trocadas por nomes de cidades portuguesas. A Vila de Serpa foi a terceira denominação portuguesa
[54], pois a primeira foi Borba e a segundo Barcelos.
Outro aspecto importante que os relatos históricos sobre Itacoatiara ressaltam, é sua importância econômica. Em pleno século XIX, destaca-se a supremacia que a Vila de Serpa tinha sobre as demais vilas, inclusive sobre o Lugar da Barra, hoje Manaus a capital do Amazonas. “Mesmo o Lugar da Barra recebendo o título de capital (da Capitania de São José do Rio Negro, em 1808), não ganhou categoria de vila, não possuindo Câmara, ficando o seu distrito dependente de Vila de Serpa”. Desse modo, todas as solicitações para abertura de casas comerciais, pesca, colher drogas do Sertão e outros, tinham que ser feito em Serpa.
A Câmara tinha um representante, o Juiz de Julgamento que era eleito anualmente. Quando era preciso reunir a Câmara de Serpa numa importante solenidade, era feito no Lugar da Barra. Em 1833, o Governo do Pará dando a execução ao Código do Processo Criminal, transformou o território amazonense em Comarca do Alto Amazonas, composta de quatro vilas: o Lugar da Barra (Manaus), Ega (Tefé), Maués (atual cidade de Maués) e Mariuá (Barcelos). Serpa perdia o “Foral de Vila e era rebaixada à condição de Freguesia ou Colégio Eleitoral subordinado a Silves.
Em 1835, na Província do Pará irrompia o movimento revolucionário denominado Cabanagem, o Amazonas foi duramente atingido e Serpa lutou ao lado dos legalistas. Os cabanos tentaram por várias vezes dominar Serpa que numa demonstração de coragem era recuperada graças aos esforços de seus habitantes (Peixoto, 1998, p.3). O historiador Francisco Gomes (1945) descreve o drama passado pela população Itacoatiarense no momento da Cabanagem:


O território de Itacoatiara, passagem natural dos insurretos que iam e vinham pelo rio Amazonas, foi duramente atingido. Simples freguesia sem força política para deliberar, sua segurança dependia do apoio de Manaus. Em janeiro de 1836, abandonado por Antônio Macedo Português, juiz de paz a quem competia a manutenção da ordem local, e mesmo a despeito das providências defensivas tomadas pelo capitão da Guarda Nacional Henrique João Cordeiro (juiz municipal da Comarca 1833-1836), enviado da Barra em seu socorro, Serpa caiu em poder dos cabanos, o mesmo ocorrendo em São José do Amatary (...). Finda a luta, Serpa, como toda a Amazônia ficou na maior penúria. Sua população diminuíra consideravelmente, alcançando entre brancos, mamelucos, mestiços e índios, pouco mais de 700 pessoas. A produção agrícola praticamente desaparecera. Saqueada a freguesia, seu arquivo foi dado por desaparecido, extraviando-se importantes documentos históricos, entre os quais a Carta Régia da Coroa Portuguesa delimitando o seu patrimônio urbano (GOMES, 1945, p. 78).

Observa-se nos documentos, a afirmativa de que Itacoatiara seria formada por um povo guerreiro, que luta constantemente pela sua permanência no lugar assentado.
Após a tentativa fracassada de 1852 de elevar à Freguesia a condição de vila, com o nome Serpa
[55], em 1857 no dia 10 de dezembro foi reivindicado pelo predicamento de Lei nº 74 feito por Salustiano de Oliveira presidente da Câmara de Silves. Mas só no dia 24 de junho de 1858, com a comemoração de um século da primeira instalação, foi erigida a Vila de Nossa Senhora do Rosário de Serpa. Com a criação da Câmara em 1871 e após embates políticos para o estabelecimento do nome do lugar, em 1874, pela proposição do projeto de Lei nº 283, de 25 de abril de 1874, do Deputado Damaso de Souza Barriga, a vila Serpa foi elevada a categoria de cidade com o nome de Itacoatiara.
Em 1876, pela Lei nº 341, de 25 de abril, foi criada a comarca de Itacoatiara. Em 1911, o município de Itacoatiara configura-se em onze distritos: Pirapitinga, Amatari, Curaizinho, Apipica, Iauanaçu, Caapiranga, Castelo, Lago do Soares, Ambrósio Aires e Muritinga. Em 1930, por força do ato Estadual nº 45, de 28 de dezembro, o município de Urucará foi anexado ao de Itacoatiara, em 1931 pelo ato Estadual nº 33 de 14 de setembro, o de Urucurituba também foi incorporado.
Outro fato importante na história do Município foi a Batalha Naval de Itacoatiara. Silva (1945) afirma que “a batalha naval esta intimamente ligada à revolução constitucionalista
[56] que eclodiu em São Paulo, em 1932”. Com adesão da Fortaleza de Óbidos – PA, sob o comando do Coronel Alderico Pompo de Oliveira, os rebeldes subiam o rio Amazonas até Manaus, com o intuito de incluir as cidades ribeirinhas na frente contra a política adotada pelo Governo de Getúlio Vargas.


“Em meio à viagem prenderam os navios Jaguaribe e Andirá, desde logo armados com canhões, metralhadoras, obuzes, fuzis e muita munição, transformando-os em postos avançados de Guerra. A lancha “Diana”, também foi capturada. Parintins foi tomada de assalto e, quando se preparavam para ocupar Itacoatiara, foram surpreendidos pela força naval legalista embarcada nos navios Baependi (No diário oficial do Estado do dia 04/10/1925 consta que o vapor Baependi, do Loyd Brasileiro, desde os idos de 1920 fazia viagem até Montevidéu, no Uruguai) e Ingá, procedente de Manaus, sob o comando do capitão de Fragata Alberto de Lemos Bastos. Em terra liderava o movimento de defesa o capitão Gonzaga Tavares Pinheiro da Força Policial do Estado do Amazonas e então no exercício da prefeitura de Itacoatiara (...) Precisamente às treze horas e trinta minutos de 24 de agosto de 1932 teve início à batalha, resultando na vitória da legalidade. Os vapores inimigos foram postos a pique. No gênero, batalha naval foi a única na América Latina, neste século.” (SILVA, 1945, p. 208).


Nos relatos dos moradores com mais de 80 anos, que na época eram crianças, contam que durante o dia em que se travou a batalha era possível ver corpos descendo rio a baixo e ouvir tiros de canhões. Conta-se também, que na cidade foram construídas trincheiras em pontos estratégicos e colocadas pessoas dispostas à luta. O vigário da paróquia Padre Joaquim Pereira, o comerciante Antônio Araujo Costa e o prefeito Capitão Gonzaga Pinheiro, foram a bordo do navio dos “revoltosos” para declarar que a cidade não se renderia. Nota-se que com a exceção do capitão Gonzaga Pinheiro, o padre e o comerciante são tomados pelo poder administrativo de Itacoatiara como heróis, pois estão eternizados na cidade sob o nome de ruas.
Em 1933, o município de Itacoatiara ficou com um só distrito, o de sede. Em 1935, Urucará (ex-Silves) e Urucurituba retornaram à antiga condição de município, em 1938, os distritos de Ambrosio Aires e Murutinga para o novo município de Autazes e parte do sub-distrito de Curupira para o novo município de Nova Olinda do Norte.
Os aspectos físicos do município, como lugar de sítio arqueológico, estratégico para o comércio, para o desenvolvimento da agricultura, de área de proteção ambiental (Lago de Serpa), são exaltados e tomados como aspectos turísticos importantes.
Silva (1945) transcreve do texto de Bates (1825-1892) a sua impressão ao chegar à Vila de Serpa no dia 23 de dezembro de 1849:

“Serpa é uma pequena vila composta de cerca de oitenta casas, construídas no alto de um barranco que se ergue cerca de 8 metros acima do nível do rio. As camadas de tabatinga, que se alternam com um conglomerado semelhado escória, exibem belas variadas cores em alguns trechos da encosta do barranco. O nome do lugarejo na língua tupi – Itacoatiara – tem aí sua origem, pois significa pedra listrada ou pintada (SILVA, 1945, p. 81).


A Prof. Terezinha Peixoto (1998, p. 4) descreve que o nome Itacoatiara é um vocábulo procedente do tupi ou nheengatu. Segundo ela, o nome de Itacoatiara é um vocábulo procedente do tupi ou nheengatu; é puramente indígena, segundo Octávio Mello, grande estudioso da língua e autor do Dicionário Tupi-Português Português-Tupi e da gramática Nheengatu Umbueçaraíma (nheengatu sem mestre) (...) Pedra gravada, pedra esculpida, pedra escrita, são as traduções que concordam com a palavra Itacoatiara: Itá – pedra; coatiare – gravada, esculpida, escrito. Essa versão tem sua razão de ser, porque nas pedras milenares do sítio Itacoatiara, os desenhos e escritos são gravados em baixo-relevo.
Ela faz referência ao escritor Anísio Jobim no livro Município de Itacoatiara – Estado do Amazonas, que traz os estudos de J. Barbosa Rodrigues ao falar sobre a necrópole indígena denominada de Miracanguera:


Sob o título Antiguidade do Amazonas, o famoso etnógrafo consagra em tantas páginas de vivo fulgor e erudição, situada a cima da cidade de Itacoatiara, em terrenos elevados, que o rio Amazonas, na violência de suas correntezas, vai todos anos escavando e provocando grandes desmoronamentos, deixando à mostra suntuoso e admirável tesouro que se esconde sob suas terras. Alombada de terra estende-se até o atual povoado de Amatari ou Matari, onde toma o relevo de terra firme. O espaço que ocupava tinha mais de meio quilometro e para o interior se estendia a grande distância, na ilha do Matapí hoje costa do Miracanguera e deve ter sido fundado pelo povo Aroaqui que se espalhou até as Antilhas.
Na maneira de ver de Barbosa Rodrigues, o cemitério começou em era anti-Colombiana e durou até o século XVII. Os desprendimentos dos barrancos deixavam a mostra admirável tesouro arqueológico, como: vasos, taças, amuletos, panelas, machados de pedra, igaçabas. Barbosa Rodrigues afirma, no meio de fragmentos e peças inteiras foram encontradas três espécies de iucaçauas ou urnas mortuárias, todas de diversos tamanhos, indicando a estrutura e a idade do indivíduo nela sepultado, o que se verificava pelo comprimento dos ossos. A necrópole do Miracanguera, reflete os vestígios de uma civilização estrangeira pré-histórica. (...) O trabalho de fabricação de louça era deixado à paciência e habilidade das mulheres, que se utilizavam do barro puro, ou em combinação com outros ingredientes tais como o pó de caraipé, pós de pedras-pomes trazidas pelas águas do rio, do casco da tartaruga (PEIXOTO, 1998, p. 5)


Na referida citação, é clara a alusão feita ao município de Itacoatiara como potencialidade de uma possível exploração e estudos arqueológicos na região do médio Amazonas. Segundo o Arqueólogo Eduardo Góes Neves da Universidade de São Paulo (USP), o pesquisador Curt Nimuendaju ao passar pela região na década de 20 do século passado, constatou que no lugar apontado por Barbosa Rodrigues, como Miracanguera
[57], já havia desaparecido pelo o fenômeno das terras caídas, comum em toda extensão do rio Solimões.
É inegável a valorização dos aspectos físicos do município de Itacoatiara, no caderno de informações turísticas do FECANI produzido pela prof. Terezinha Peixoto (1998), sugerindo as possibilidades de um desenvolvimento turístico voltado para o eco-turismo. Segundo ela, “Itacoatiara apresenta, além do majestoso rio Amazonas, o rio Madeira, o rio Urubu, o rio Preto, o rio Abacaxis, os lagos do Ararí, Canaçarí, Piquiá, Serpa, Muritúba, onde é realizada a pesca do tucunaré e paranás, furos e igarapés e as cachoeiras de Lindóia e Iracema. As ilhas de Serpa, Trindade e do Risco com sua belíssima praia, compostas por mais ou menos 130 ilhas protegidas”.
Ainda no caderno de informações, produzido pela Prof. Terezinha Peixoto (1998), propõe o FECANI como alternativa econômica e valorização histórica para a cidade de Itacoatiara. O texto Itacoatiara – Estratégico Ponto de Convergência descreve o seguinte:


Itacoatiara, situada à margem esquerda do Rio Amazonas, foi e será sempre um estratégico ponto de convergência. No passado, somente através das estradas líquidas (rios, paranás, furos) chegavam as pessoas, com objetivo diversos, de vários pontos do planeta terra à Serpa brasileira (existe a Serpa portuguesa). Uma rede intensa de navegação era mantida pelos comerciantes de Itacoatiara para o baixo Amazonas, Madeira (chegando até o Mato Grosso) e Solimões. “Logo depois de fundada a Província do Amazonas (1850), o comércio com a Bolívia era feito pelo Porto de Itacoatiara”. Os bolivianos desciam pelo “Madeira”. Em vista do movimento do comércio em 1872, foi criada pelo governo imperial uma alfândega em Itacoatiara, sendo extinta anos depois. O porto de Itacoatiara era um dos mais movimentados na região Amazônica, vindos da Europa e dos Estados Unidos, navios exclusivamente ao seu porto, trazendo mercadorias e levando produtos da região, como: cacau, castanha, maçaranduba, sorva, andiroba, borracha, balata, cumaru, essência de pau – rosa, madeiras, couros, peles, guaraná, mel de abelha, óleo de copaíba, tabaco, juta, pirarucu, pedra-ume-caá, salsa, puxuri, castanha de caju, além de outros produtos.
Hoje, com a criação do Festival da Canção de Itacoatiara – FECANI, pela AIRMA – Associação dos Itacoatiarenses Residentes em Manaus, convergem para Itacoatiara, através dos meios de transporte: fluvial, rodoviário, e aéreo, compositores, músicos, intérpretes, cantores, atores, bailarinos e demais profissionais e amantes das artes e do belo. Que, no simbolismo da logomarca do FECANI, os rios formam as linhas da pauta musical, a flor boa – noite como uma antena parabólica, captando todos os sons melódicos que são transformados pela grande clave de sol, em músicas belíssimas de alto astral, que fazem de Itacoatiara a “CAPITAL DA CANÇÃO DA AMAZÔNIA” (PEIXOTO, 1998, p. 14).


Os textos que são produzidos pela AIRMA, as demais instituições e meios de comunicação, tentam fomentar o turismo na cidade de Itacoatiara como alternativa econômica, valorizando os seus aspectos históricos, geográfico e social. Tomando a cidade como ponto de convergência econômica para o Estado do Amazonas e região Amazônica, é importante ressaltar a implantação do Terminal Graneleiro da Hermasa: navegação da Amazônia e do grupo André Maggi na cidade, que aponta maiores investimentos no município, como possibilidade de emprego e renda, e possíveis patrocínios na área da cultura, esporte e eventos.
Para mostrar o quanto foi significativo para a especulação capitalista a implantação do Porto Graneleiro na cidade, o Jornal A crítica do dia 22 de setembro de 1996, destaca a seguinte matéria: Itacoatiara começa a exportar em 1997: testes no terminal graneleiro iniciam em novembro e em abril por ali 165 mil toneladas de soja com destino ao exterior. A matéria destaca que no ano de 1997, o Terminal Graneleiro estaria exportando 165 mil toneladas de soja para a Ásia e a Europa. A matéria mostra que os primeiros testes de armazenamento de grãos, seria feita ainda, em 1996, com a vinda de milho do Estado do Mato Grosso, Via Porto Velho com navegação através do rio Madeira:


Revolução – Otimista com o andamento da trabalho, Pagot destaca que a construção desse complexo portuário em Itacoatiara representa uma verdadeira revolução em termos de Brasil, porque vai chegar os grãos da Chapada do Parecis, no Mato Grosso, por US$ 30,00 mais barato no mercado internacional. Quer dizer, com isso a soja brasileira produzida no Mato Grosso ganhará maior competitividade. Esse empreendimento contribuirá, de forma decisiva, com a expansão da fronteira agrícola brasileira na região Norte. Anteriormente os colonos que se radicaram na região na década de 70, não se sentiam estimulados a produzir em grande escala, por que não tinham acesso ao mercado internacional e nem como fazer frente ao custo do frete para colocar seus produtos no mercado interno. (...) será muito mais vantajoso produzir soja, milho, cacau, café, algodão, em Rondônia, no sul do Amazonas ou no Acre, do que em algumas regiões do Brasil (Jornal, A crítica, 22 de setembro de 1996, p. C9)


Ao mesmo tempo que esta matéria mostra toda uma especulação capitalista para o desenvolvimento da Amazônia para o agronegócio, nenhum momento foi mostrada a visão das populações Amazônicas para implantação deste projeto. Os moradores de Itacoatiara tem a expectativa de emprego e renda, coisa que não ocorreu de maneira esperada após a instalação do Projeto do Terminal Graneleiro.
No caderno de divulgação da AIRMA, ao comentar os treze anos de realização do FECANI, na quadra de Esportes Herculano de Castro e Costa (1998), justificava-se a verba investida no FECANI em palcos improvisados pelo fato da cidade não dispor de um Centro Cultural para a realização do evento. A AIRMA encontra no Grupo André Maggi uma possibilidade de patrocínio para o FECANI, conforme observação feita em 2006 e 2007.
A AIRMA vem mostrando-se no decorrer dos anos por meio do FECANI, como constituinte de um poder simbólico dominante na cidade, que na dinâmica de transformação da paisagem urbana de Itacoatiara, influência nas construções urbanísticas da cidade. Como se pode notar que, a pós muitas negociações políticas, com o Governo Publico Municipal e Estadual, construiu-se o Centro de Eventos Vereadora Juracema Holanda.
O jornal A crítica do dia 21 de junho de 1992, já apontava para o interesse que AIRMA tinha na construção de um Centro de Eventos, com a seguinte chamada: Itacoatiara luta para ocupar espaço. A matéria anuncia a realização do XII Festival Folclórico de Itacoatiara, que se realizaria no dia 23 de junho, em um amplo espaço situado em frente ao terminal rodoviário, onde hoje se situa a sede do Fórum de Itacoatiara. O Festival Folclórico aconteceu nos dias 23 a 29 de junho de 1992, com a programação de apresentação dos bois Caprichoso, Garantido e Corre Campo da cidade de Itacoatiara, apresentação de 15 quadrilhas e oito danças, das quais as mais famosas eram a Dança da Serafina, Dança do Vinho e Dança Rio Grandense. Mas o que mais chama a atenção na matéria é a grande estrutura armada para realização do Festival Folclórico, como a construção de um palco com 40 metros de comprimento por 30 de largura, e a construção de 100 metros de arquibancadas, “que somando as áreas das barracas e o largo que se faz ao lado, comportam 25 mil pessoas facilmente”:


Com o apoio da Prefeitura, Liga dos Grupos Folclóricos de Itacoatiara, do Governo do Estado do Amazonas e Associação dos Itacoatiarenses Residentes em Manaus (Airma), o festival tem como objetivo principal melhorar o nível dos festivais realizados no Amazonas e criar opções mais baratas ao turismo manauara. O que está se fazendo hoje em Itacoatiara, é uma tentativa de lançamento da pedra fundamental de um espaço semelhante ao Centro de Convenções do Amazonas. Pretensão? – Claro que não, garante o presidente da Airma, Manolo Olimpio. (...) Itacoatiara, certamente estará em breve inserida neste grupo dos maiores promotores do folclore nacional, acrescenta ele. Se depender do público que acompanha este festival todos os anos e dos brincantes que a cada ano se empenham ainda mais para que o melhor seja feito, em breve o Festival Folclórico de Itacoatiara estará no calendário das agências de turismo, disputando, assim uma fatia do que é reservado a outras cidades do Amazonas. Para isso, Itacoatiara conta com aliados que compõe a 8° Sub – Região – Silves, Itapiranga, Urucará, Urucurituba, São Sebastião do Uatumã, Nova Olinda do Norte e Boa Vista do Ramos- que desde o primeiro Festival vestiram a camisa desta festa popular (Jornal A critica, 21 de junho de 1992, Ano XLIII n° 15.163)


Nota-se que a cidade de Itacoatiara, vem se tornando ponto de referência para as manifestações de festivais e de cultura popular no médio Amazonas, onde encontra na realização do XII Festival Folclórico de Itacoatiara a participação de grupos das cidades descritas. E que a realização do Festival Folclórico aparece como um dos eventos mais antigos da cidade. Revela também, a importância que AIRMA adquire por meio dos seus sócios nos eventos que acontece em Itacoatiara, como no Festival Folclórico de Itacoatiara, Carnaval e Festa de Nossa Senhora do Rosário. O fazer lhes garantiu uma experiência na apreensão de técnica em promoção de eventos.
Carlos Fortuna et al (2008, p 53) nos dá uma dica de como identificar os traços de uma identidade local da cidade. “A facilidade em identificar os traços de uma identidade local estende-se ao domínio dos símbolos que sobressaem em cada cidade, quer estejamos a nos referir a monumentos, a instituições ou a pessoas”. No caso de Itacoatiara, a primeira vista é possível identificar nos monumentos as suas representações simbólicas, nesse caso, ganha relevância a “pedra pintada” que está em destaque na praça da matriz na área central da cidade, e na bandeira oficial do município, além dos prédios históricos, do século XIX, como a Casa Moises construída em 1890 e o Hotel São Jorge construído no início do século XX (1903 à 1906)
[58].
Referente às instituições podemos citar a própria constituição da Igreja Católica no município enquanto instituição religiosa, responsável pelo poder provincial na época colonial do Estado e a formação das comunidades religiosas, que hoje é tida como sede da Prelazia de Itacoatiara. Assim como a referência feita ao poder judiciário no século XIX, como sendo a vila que tinha autonomia sobre o Lugar da Barra ou Capitânia de São José do Rio Negro, por possuir uma Câmara com um Juiz de Julgamento, onde todas as solicitações para abertura de casas comerciais, atividades de pesca, colheita de drogas do Sertão e outros, tinham que ser feito em Vila de Serpa. Bem como os relatos históricos que são exaltados quando se pretende mostrar a bravura dos personagens frente à Revolução da Cabanagem (1835), a Batalha Naval de Itacoatiara que estava intimamente ligada à revolução constitucionalista de 1932. Que nesses episódios, sempre estavam à frente das negociações os representantes da Igreja Católica como o padre, da Ordem como juiz, prefeito ou administrador público e do comércio, cada um com seus interesses muito bem definidos. Para Fortuna et al (2008), ao nível dos discursos representacionais as instituições ganham importância pela capacidade que tem em afirmar e promover a cidade.
O autor nos chama a atenção pelo fato de que é nítida a separação existente em cada cidade entre as representações dominantes junto das gerações mais novas e as representações partilhadas pelas gerações mais antigas, onde no fundo a representação que os indivíduos fazem da cidade que habitam não nos revela apenas a forma como eles a veem, mas revela-nos também o modo como a viveram, como a vivem e as próprias expectativas que ela lhes alimenta (Fortuna et al, 2008, p 48-49).
Nos jornais que estão nos arquivos da AIRMA, é possível notar toda uma construção representacional de Itacoatiara pelos meios de comunicação, onde o FECANI vai aparecendo como um dos símbolos de maior prestígio no calendário festivo do Estado do Amazonas. Aparece o rótulo Itacoatiara a cidade da Canção.
O Jornal A crítica do dia 14 de novembro de 1993, traz, no caderno Criação, na página 1, a matéria Festivais culturais são motivo de festa no interior, encontra-se descritas as formas e estrategias que os municípios do interior do Amazonas se utilizam para desenvolver nas cidades manifestações festivas para fomentar o turismo no Estado, e alternativa de trabalho para os músicos e artistas da capital. Cita como exemplo o FECANI, que na sua nona edição, já figurava como sucesso no calendário de manifestação artístico e culturais do Amazonas, diante dos demais municípios, como Tabatinga, São Paulo de Olivença e Manicoré, que aos poucos tentam desenvolver eventos festivos como alternativas econômicas. A matéria aponta que na medida em que “a cultura dos festivais” perderam força em Manaus, elas foram reelaboradas para os município interioranos, como Maués com o Festival de Verão e Tabatinga com I Festival Internacional de Música.
Vale salientar que nos jornais arquivados pela AIRMA, o ano de 1993, é notório as diferentes denominações que a cidade recebe por conta do FECANI, momento em que vai se configurando em diferentes estereótipos de classificação durante a realização do FECANI, dentre os quais, Itacoatiara ou o FECANI é: “babel musical”, “piracema musical”, “terra de malucos beleza”, “terra da pedra pintada”, a “Velha Serpa”, a “sinfonia da floresta”, o “bálsamo dos festivais do Brasil”, etc.
Estas imagens são evocadas para ressaltar um diferencial frente a outras manifestações festivas. Como ressaltou o jornal A crítica do dia 05 de setembro de 1993, com o título Itacoatiara, babel musical. No sentido de mostrar a efervescência e a participação de pessoas de Manaus, o jornalista faz o seguinte comentário: A começar pelo cenário, o Fecani não tem nada a ver com Woodstock, mas atraiu muitas tribos de mochileiros e barraqueiros, gente com um ar tão blazê quanto a dos antigos hippies que tomaram conta do festival de música pop de todos os tempos. A Praça Nossa Senhora do Rosário em Itacoatiara, está tomada por dezenas de barracas coloridas, habitada por gente muito doida.
Nessa matéria, o jornalista chama atenção para quantidade de pessoas que se deslocam até Itacoatiara para participar do FECANI, seja na forma de visitante, que ficam alocados nas barracas espalhadas por toda a praça da Matriz e pendurados em redes nas árvores mais próximas, ou para trabalhar no evento, como o caso de barraqueiros e “vendedores ambulantes”. Ele informa dados quantitativos referente ao aumento na frota de ônibus nas empresas de viagem, que se deslocam até a cidade na época do Festival, conforme observado, de 4 (quatro) ônibus passa para média de 150 ônibus no período festivo. Bem como a chegada de carros particulares a cidade que sobe para 150 carros por hora, segundo dados da Polícia Rodoviária. Itacoatiara aparece como a segunda cidade do interior do Amazonas, depois do Festival Folclórico de Parintins a se configurar como um potencial turístico e econômico para o Estado.
Na medida em que as cidades vão se constituindo, sobretudo, aquelas que faziam parte do município de Itacoatiara. Elas vão buscando estabelecer um diferencial histórico e simbólico, sejam por meio das festas religiosas como a festa do Divino Espírito Santo em Urucará, ou aquelas que se destacam por algum produto agrícola como a festa do Cacau em Urucurituba, ou de pesca como a festa do peixe liso em Itapeaçu, comunidade de Urucurituba. Há aquelas que se destacam pelas sua belezas naturais, por meio de rios e lagos como Silves e Itapiranga, com a implantação de hotéis de selva.
Nesse sentido, Carlos Fortuna et al (2008) reconhece que os estereótipos constituem uma importante fonte de pressão para a produção de inferências, a partir da informação que veiculam, ganhando importância analítica enquanto condicionante dos processos e dos discursos representacionais.
Para o autor, o processo de globalização e sua atuação no contexto urbano tem forçado uma intensa fase de transformações identitária das cidades que se dá pela “regeneração dos lugares”, que estaria ligado aos seguintes fatores, a contínua concentração populacional nos centros urbanos, a transferência de poderes do Estado central para a administração local, que se faz acompanhar por busca de modelos alternativos de governo. Para o autor, a transformação das identidades das cidades, tem haver com a vasta e rápida difusão de referências culturais por via do desenvolvimento das telecomunicações, a transformação do estilo de vida, as pressões mediáticas, a intensificação de fluxos, capitais e outros.
Mas por outro lado, o autor nos chama atenção para até que medida os estereótipos possam se constituir como elemento identitário dos sujeitos, uma vez que “as cidades são para além daquilo que são no seu plano tangível e material, realidades socialmente apropriáveis e imaginadas, suscitando muitas vezes imagens contraditórias e conflituais e assumindo uma identidade difusa e mutável”. Nesse sentido, os estereótipos serviriam mais como um instrumento de identificação e de referência, menos como característica identitária, pois, com a facilidade que os estereótipos são frequentemente reproduzidos dificultam a compreensão mais importante da realidade urbana, os processos de transformações identitárias das cidades, a partir dos sujeitos sociais.
Observa-se em Itacoatiara que a valorização das instituições permitiu pôr em evidência algumas das velhas e das novas imagens que a cidade produziu, onde identificamos a AIRMA como protagonista no processo de transformação simbólica da cidade e nas festas, como o carnaval de Itacoatiara, a Festa de Nossa Senhora do Rosário e o Festival Folclórico de Itacoatiara.
José Aldemir de Oliveira (2006) nos sugere que a análise das cidades amazônicas deve se levar em consideração a floresta e a água como ponto de partida e não de chegada, para ele as cidades localizadas no meio da floresta e nas margens dos rios ou das estradas, pode levar os habitantes inconscientemente a estabelecer dimensão de espacialidade por encantamento da realidade física.
Levando-se em consideração que a cidade de Itacoatiara estaria situada em um ponto estratégico, ou seja, como ponto de convergência e de passagem, faz-se necessário recuperar a noção de rede proposta por Milton Santos (2004, p. 262) que seria “toda infra-estrutura, permitindo o transporte de matéria, de energia ou de informação, e que se inscreve sobre um território onde se caracteriza pela topologia dos seus pontos de acesso ou pontos terminais”, mas não somente, a “rede também é social e política pelas pessoas, mensagens, valores que frequentam”. O autor reconhece nas redes três tipos ou níveis de solidariedade: no nível mundial, em nível de territórios dos Estados e o nível local.
No primeiro nível as redes aparecem de modo totalizado, de forma concreta e empírica. No segundo nível ganha importância o território formado pelos Estados nacionais é onde se dá a formação sócio-espacial, resultado de um contrato e limitado pelas fronteiras. E a terceira totalidade é dada na categoria de lugar onde “fragmentos da rede ganham uma dimensão única e socialmente concreta, graças à ocorrência na contiguidade de fenômenos sociais agregados, baseados no acontecer solidário, que é fruto da diversidade e num acontecer repetitivo que não exclui a surpresa” (SANTOS, 2004, p. 270).
Em nosso entendimento Itacoatiara como lugar, se destaca no campo das manifestações artísticas e culturais do médio rio Amazonas, pois ao mesmo tempo em que ela se opõe à globalidade em certos momentos eles se confundem. A “floresta amazônica” é cada vez mais assunto em debate nos mais diferentes campos do conhecimento, tema que vem perpassando pelos três níveis de solidariedade onde nos discursos em nível mundial assume a retórica de patrimônio natural da humanidade e natureza intocada e por isso deve ser vigiada e preservada, em nível de territórios dos Estados recai sobre o discurso de desenvolvimento regional, demarcação de território e exploração dos recursos naturais e em nível local vem assumindo o caráter de um exotismo dos seus aspectos naturais como a fauna, a flora e os rios que estariam influenciando diretamente nos aspectos culturais das populações tradicionais e ribeirinhas. É como se a floresta e temas relacionadas a ela, tivesse virado um produto cultural para atração de turistas e forasteiros que tentam usurpar a riqueza do eldorado.
O lugar seria o que Milton Santos (2004, p.322) convencionou em chamar de “quadro de referência pragmática ao mundo” do qual lhe vêm solicitações e ordens de ações condicionadas, mas é também o teatro insubstituível das paixões humanas, responsável através da ação comunicativa, pelas as mais diversas manifestações da espontaneidade e da criatividade.
Appadurai (1996) ao pensar a produção de “localidade”, diz que “ela é uma produção relacional e contextual do que escalar e espacial”. Por isso busca compreender esta localidade tomando o simbolismo espacial dos ritos de passagem, pois para ele, estes ritos não são simples técnicas mecânicas de agregação social, são técnicas de produção de nativos. Ele afirma que os ritos são gerador de uma localidade, porque dependendo do lugar, adquire aspectos e formas próprias produzidas pelas relações sociais.
Para o autor, o bairro seria o espaço de resistência e exercício urbano de alteridades. É o lugar entendido como menor espaço em que as relações humanas podem ser percebidas, onde ocorre intensamente à reprodução de sujeitos locais permanentes da noção de pertencimento de um lugar. Deste modo, a produção de “localidade”, estaria presente no cotidiano de comunidades, em relação as suas práticas culturais como rituais religiosos, festas, nas artes musicais e em outras situações.
Considerando a noção de “localidade” apontada por Appadurai (1996) reconhecemos nos concursos do ITA-PALHA a reunião de artesãos que desenvolvem artesanato em palha reivindicando uma técnica diferenciada de trançado, o MOCAITA com a produção de uma culinária que envolve produtos da região Amazônica e segredos culinários que passam de mãe para filha, neste caso na produção dos doces e o ITA-CONTA que envolve pessoas idosas no sentido de valorização da história oral da cidade e suas manifestações folclóricas.
Assim como canções do FECANI, sobretudo aquelas que concorrem ao prêmio de melhor canção Amazônica, faz um paralelo através de suas letras entre a cidade de Itacoatiara e região Amazônica, conforme visto na música “Pedra Pintada” de autoria de Armando de Paula e Aníbal Beça que faz referência à pedra que foi encontrada no sítio arqueológico Itacoatiara, com inscrições que data do século XVIII, foi tomada como símbolo máximo de um patrimônio natural e cultural que envolve as riquezas naturais da cidade, composto por lagos que são ricos em peixes. Assim como nos painéis dos palcos principais que buscam retratar as questões ambientais de preservação e destruição. Assim como as nomenclaturas dos concursos locais que apontam para um sentido de pertença e valorização das práticas culturais e esportivas.
Considera-se que existe um discurso de Amazônia que tenta se produzir através de Itacoatiara, da “terra da canção”, da “velha Serpa”, do “festival que canta a Amazônia”, de outros símbolos que vão construindo-se como característicos da cidade. No campo da música, diferente de Itacoatiara, Manaus produz um discurso de Amazônia a partir de seus símbolos mais significativos, como do Teatro Amazonas, ou da ilha de Marapatá, do Porto de Lenha. Manacapuru com as músicas de cirandas, Parintins com as toadas de boi.
Cidades que acabam por assumir um discurso regionalista, que toma a Amazônia, os seres naturais e as comunidades tradicionais, nesse caso em especial o índio e o “caboclo mestiço”, como tipos sociais características desta região. Em um sentido tropicalista conforme Gilberto Freyre, revitalizando a natureza e os traços de um “luso-tropicalismo”, nesse caso, a valorização exagerada das potencialidades Amazônicas.
Autores como Ricardo Benzaquém (1994) identificam no termo “trópico” e por analogia “tropicalismo” empregado por Gilberto Freyre, “um excesso de natureza”, de potencialidades naturais de um país dos trópicos, que encontrou no colonizador português, novas formas e técnicas de tratar o meio físico instituindo em última instância formas culturais na nova terra. O que suscitaria em reconhecer na produção musical do FECANI, forte contribuição para a configuração do rótulo musical de uma Música Popular Amazonense (MPA) ou no campo das artes plásticas de uma arte Amazônica aspectos artísticos que tomam a natureza Amazônica, uma versão regional de exaltação das potencialidades locais e em especial das relações entre o homem e a natureza.
De acordo com as discussões proposta por Rubem Oliven (2006), que o processo de afirmação do Estado nacional brasileiro esvaziou economicamente e culturalmente os Estados brasileiros, hoje os Estados estão adquirindo novos argumentos que valorizam as suas potencialidades. Nesse caso, identifica-se na produção artística do Amazonas, certo saudosismo e sensação de perda de um Estado, sobretudo, com o forte discurso de preservação ambiental e de seus recursos naturais.
De acordo com a noção de localidade, pode-se dizer que o FECANI durante os anos de sua realização pode ser tomado como um espaço onde ocorrem os ritos de passagens para os diferentes grupos de artistas, como músicos, artesãos, e artistas plásticos, pois estas práticas exigem certo grau de preparação e profissionalização para quem deseja concorrer e prestar serviços no âmbito da festa.


3.3 As várias formas de mobilização para o festival: FECANI como Fato Social Total

Arnold Van Gennep (1978) na literatura antropológica é tido como o primeiro autor a tomar o rito como um fenômeno social, a ser estudado como possuindo um espaço independente, ou seja, como objeto dotado de uma autonomia relativa em termos de outros domínios do mundo social, e não mais como um dado secundário, uma espécie de apêndice ou agente específico e nobre dos atos classificados como mágicos:


No Les rites de passage, Van Gennep estuda os rituais de um modo um tanto diverso. Aqui não se torna mais rito como um apêndice do mundo mágico ou religioso, mas como algo em si mesmo. Como um fenômeno dotado de certos mecanismos recorrentes (no tempo e no espaço), e também de certo conjunto de significados, o principal deles sendo realizar uma espécie de costura entre posições e domínios, pois a sociedade é concebida pelo nosso autor como uma totalidade dividida internamente (MATTA, 1977, p. 16).


Victor W. Turner (1974) também nos chama atenção para os mecanismos que vão se configurando no tempo e no espaço para configuração dos ritos de passagem no seio de uma sociedade. Onde o autor relaciona as manifestações cerimoniais com os momentos de transições das sociedades, tanto primitivas como complexas. Nessa perspectiva, o autor interpreta o ritual não somente como um agente de conservação de cultura, mas também, de mudança social. Em suas palavras:


Os beats e os hippies, mediante a utilização de símbolos ecléticos e sincréticos e ações litúrgicos e ações litúrgicas extraídas do repertório de muitas religiões, de drogas empregadas para a expansão do pensamento, da música rock e de luzes faiscantes, tentam estabelecer a total comunhão de uns com os outros. Esperam e acreditam que isto os torne capazes de atingir uns aos outros pelo dèrèglement ordonné de tous les sens, numa reciprocidade terna, silenciosa, cognoscitiva e numa completa concretidade (...) o que buscam é uma experiência transformadora, que vai até as raízes do ser de cada pessoa, e encontra nessas raízes algo profundamente comunal compartilhado (TURNER, 1974, p. 168-169).


Nesse sentido, o rito poderia estar indicando para as pessoas que buscam participar do Festival como um momento extraordinário. Tendo em vista, que muitos desses artistas preparam antecipadamente as suas produções, como é o caso dos artistas plásticos que acabam configurando os quadros para concorrerem no ITA-ARTE, das artesãs que concorrem no ITA-PALHA ou até mesmo todas as pessoas que estão envolvidas na estrutura de organização do FECANI como veremos mais adiante.
O surgimento do FECANI acaba por configurar na cidade de Itacoatiara um evento que mobiliza toda a cidade no que poderíamos chamar de fato social total. Tomar o festival como evento é pensar em que medida esta manifestação festiva influencia nas práticas cotidianas das pessoas? Qual é o sentido de se ter em um único evento como o FECANI, as manifestações artísticas, culturais e esportivas conforme descritas no primeiro capítulo, que a cada ano congrega novas práticas em um tempo efêmero?
Marshall Sahlins (1997) considera que “um evento não é somente um acontecimento do mundo; é a relação entre um acontecimento e um dado sistema simbólico”. O autor analisa o evento ocorrido no encontro do povo havaiano com aventureiros europeus, numa possível teoria da história, da relação entre “estrutura” e “evento”, que se inicia com a proposição de que a transformação de uma cultura também é a sua reprodução.
O que está presente em sua análise é o inconsciente popular, que estaria relacionada à cosmologia havaiana, coincidindo com o contato com os britânicos. Usa classificação de “estrutura de conjuntura”, para indicar que o valor da ação simbólica do evento assume para os nativos uma sacralização entre a estrutura e a história, ou seja, é a relação entre um acontecimento e um dado sistema simbólico. Conforme sua definição:


Uma estrutura de conjuntura é um conjunto de relações cristalizadas a partir das categorias culturais operantes e dos interesses dos atores, assim como a noção de ação social de Giddens está sujeita à dupla determinação estrutural de intenções baseadas em um esquema cultural e das conseqüências involuntárias que surgem de sua recuperação em outros projetos e esquemas (SAHLINS apud BRAGA 2002, p. 171).


Em consideração ao FECANI que se apresenta como evento de forte expressão artística e cultural da cidade de Itacoatiara, observa-se que estes elementos já se colocavam nos movimentos da Igreja Católica das décadas de 1970 e 1980. Onde os grupos de Jovens que são vinculados a Pastoral da Juventude, já se configuravam na cidade como pontos de revelação de artistas e políticos.
Segundo o histórico da Pastoral da Juventude (PJ) “Pastoral da Juventude um pouco de história (1984)”, relata que na década de 1980 foi criada a Organização dos Estudantes de Itacoatiara (OEI) com a participação ativa dos jovens da igreja católica. Relata que com o avanço da militância estudantil, os grupos de jovens da PJ passam a ficar enfraquecidos, devido à dedicação das atividades do movimento estudantil, nesse momento, a OEI cria dois grupos de teatro o Buriti e o Tucumã. Observa-se que a Igreja Católica foi primordial para o desenvolvimento crítico e artístico dos jovens na cidade de Itacoatiara e das cidades do interior do Amazonas, conforme observou Nogueira (2008) na preparação dos brincantes do boi Garantido para se apresentar na quadra da JAC (Juventude Alegre Católica) no ano de 1974.
A configuração do FECANI, enquanto elemento agregador das diferentes manifestações culturais, surgidas em Itacoatiara e como alternativa a uma expressão econômica da cidade, põe em ação os sujeitos pensantes relacionados ao signo na posição de agentes:


O esquema cultural é colocado em uma posição duplamente perigosa, isto é, tanto subjetiva quanto objetivamente: subjetivamente pelo uso motivado dos signos pelas pessoas para seus projetos próprios; objetivamente, por ser o significado posto em perigo em um cosmo totalmente capaz de contradizer os sistemas simbólicos que presumivelmente prescreviam (SAHLINS apud BRAGA 2002, p. 385)


É nesse momento que o FECANI vai aparecendo na cidade como alternativa de desenvolvimento turístico e econômico. Como se pode observar nos jornais de 1991, 1992, 1993 etc. O Jornal Semanário Maskate, traz uma matéria que descreve como o FECANI vai aparecendo no contextos históricos da cidade. A cidade como um dos pontos de intensa relação comercial com os navios da Bolívia (1850), e sede da Alfândega Imperial no ano de 1872 para os navios que vinham da Europa e dos Estados Unidos:


Uma rede intensa de navegação era mantida pelos comerciantes de Itacoatiara para o baixo Amazonas, Madeira (chegando até o Mato Grosso) e Solimões. Logo depois de fundada a Província do Amazonas (1850), o comercio com a Bolívia era feito pelo porto de Itacoatiara. Os bolivianos desciam pelo “Madeira”. Em vista do movimento do comércio em 1872, foi criada pelo governo imperial uma alfândega em Itacoatiara, sendo extinta logo depois. O porto de Itacoatiara era um dos mais movimentados da região Amazônica, vindo da Europa e dos EUA, navios exclusivamente ao seu porto, trazendo produtos e levando mercadorias da região, como: cacau, castanha maçaranduba, madeiras entre outros diversos.
Hoje, com a criação do Festival da Canção de Itacoatiara – FECANI pela AIRMA, convergem para Itacoatiara, através dos meios de transporte: fluvial rodoviário e aéreo, compositores, músicos, interpretes, cantores, atores, bailarinos e demais profissionais, um grande número de pessoas (seja para apreciar, seja para compor as torcidas organizadas), em fim todos os administradores e apreciadores da cultura e arte Amazônica (Jornal Semanário Maskate, Manaus, 03 setembro de 2000, p. 10).


Tomar o aparecimento do FECANI como manifestação festiva de maior relevância, sentido de pertença na cidade de Itacoatiara e como uma das cidades economicamente mais importantes do médio Amazonas, é notar a construção de categorias operantes em que os atores sociais, sobretudo, os produtores culturais evocam na recuperação de certos esquemas culturais e projetos.
Considerar a estrutura organizacional do FECANI como um sistema de relações, pretende-se perceber nos grupos constituídos de artistas, barraqueiros e outros a identificação de um sistema de parentesco e de filiação, sistema de comunicação linguística, sistema de troca econômica, da arte, do mito e do ritual. De acordo com o pensamento de Marcel Mauss (2003), trata-se de um verdadeiro potlach ou fato social total, que põe em circulação a totalidade da sociedade envolvida em um complexo sistema de prestações totais, que para ele são fenômenos jurídicos, econômicos, religiosos, estéticos e morfológicos, etc. Em suas palavras:


Os fatos que estudamos são todos, permitam-nos a expressão, fatos sociais totais ou, se quiserem – mas gostamos menos da palavra – gerais: isto é, eles põem em ação, em certos casos, a totalidade da sociedade e de suas instituições (potlach, clãs enfrentados, tribos que visitam, etc.) e, em outros casos, somente um grande número de instituição, em particular quando essas trocas e contratos dizem respeito de preferência ao indivíduo. Todos esses fenômenos são ao mesmo tempo jurídicos, econômicos, religiosos e mesmo estéticos, morfológicos, etc. São jurídicos, de direito privado ou público, moralidade organizada ou difusa, estritamente obrigatórios ou simplesmente louvados e atacados, políticos e domésticos ao mesmo tempo, interessando tanto às classes sociais como aos clãs e às famílias (MAUSS, 2003. P. 309-310).


Essa passagem sugere-nos que na configuração do evento do Festival da Canção de Itacoatiara, durante as décadas de 80, 90 e meados do século XXI, são as várias áreas que essa manifestação opera entre os sujeitos que participam da festa, segmentando-os e ao mesmo tempo unificando todos, uma vez que o evento também contribui para suprimir os conflitos existentes entre os cidadãos de Itacoatiara, é o momento que encontram nas atrações artísticas de sucesso nacional, nos concursos locais, práticas esportivas e trabalhos temporários os vários sentidos que uma festa desempenha.
Del Priore (2000) em seu livro “Festas e Utopias no Brasil Colonial”, chama atenção para os vários sentidos e múltiplas funções que as festas desempenham. Segundo ela, “ora é suporte para a criatividade de uma comunidade, ora afirma a perenidade das instituições de poder”. O tempo das festas configura-se como um momento de “utopias”, “liberdades”, “ações burlescas” e, por outro lado, pode expressar também “as frustrações, revanches e reivindicações dos vários grupos que compõem uma sociedade”. Priore relata que “a alegria das festas ajuda as populações a suportar o trabalho, o perigo e a exploração, mas reafirmam, igualmente, laços de solidariedade ou permite aos indivíduos marcar suas especificidades e diferenças” (PRIORE, 2000, p. 9-10).
Mostrar os vários sentidos que os sujeitos assumem durante realização do FECANI é fugir da mera descrição do evento. Mas como podemos identificar no evento um fato social total?
Como já descrito por Marcel Mauss (2003), um fato social total compreenderia fenômenos jurídicos, econômicos, religiosos, morfológicos e estéticos, que mereceriam ser tratadas caso a caso, como forma de se restituir uma totalidade que se projeta na festa. Nesse caso, seria interessante examinar em relação ao FECANI, como esses diferentes fenômenos que se traduzem em códigos específicos, que no seu conjunto, mostra-se como uma alternativa turística, de lazer, de expressões artísticas, econômico e outros, perante a uma realização efêmera, onde se identifica aspectos de uma cultura local e regional, frente ao global. A festa poderia expressar a operação desses diferentes códigos pelos próprios sujeitos, de onde se evidenciaria o fio condutor que mantém a instituição social que garante a própria continuidade da festa.
Nesse sentido, é importante retomar a etnografia, de modo quase que “impressionista”, com o intuito de construir, a partir dela e das considerações feitas sobre o contexto análogo, mediado por códigos de significação que dão ao pesquisador uma compreensão possível sobre a festa que se constitui no meio Amazônico, com a intenção de obter o significado que os próprios sujeitos tomam na festa.
Geertz (1978, p. 37-38), compreende a Antropologia como uma ciência interpretativa, partindo da observação etnográfica das ações dos sujeitos, anotando no seu caderno de campo aquilo que foi possível registrar do discurso nativo, com a finalidade de chegar, através de uma “descrição densa” ao significado que os próprios sujeitos “inscrevem” nessas ações, de modo a compreender “o que o conhecimento assim atingindo demonstra sobre a sociedade na qual é encontrado e, além disso, sobre a vida social tal”. Na etnografia, “o dever da teoria é fornecer um vocabulário no qual possa ser expresso o que o ato simbólico tem a dizer sobre ele mesmo – isto é, sobre o papel da cultura na vida humana”.
Ao nosso entendimento, é o que Mauss (2003, p. 309-310) pretende identificar, ao falar de um fato social total, que pode ser analisado segundo os diferentes códigos que nele se expressam. Para o autor, um código jurídico é “de direito público ou privado, de moralidade organizada ou difusa, estritamente obrigatório ou simplesmente louvado ou atacado, político e doméstico ao mesmo tempo, interessando tanto aos clãs sociais como às famílias”. Um código religioso se refere o mais das vezes a uma “mentalidade difusa”, presente numa dada sociedade. O código econômico corresponde a “idéia de valor, do útil, do interesse, do luxo, da riqueza, da aquisição e da acumulação e, por outro lado, a idéia do consumo, e mesmo a do gasto puro, puramente suntuário, estão sempre presentes”. Um código estético, por sua vez, pode incluir “as danças executadas alternativamente, os cantos e desfiles de toda espécie, as representações dramáticas que se oferecem de acampamento a acampamento e de associado a associado; os objetos mais diversos que se fabricam, usam e enfeitam, pulem, recolhem e transmitem com amor, tudo que se recebe com alegria e se apresenta com sucesso, os próprios festim que todos participam”.
E por fim, o código morfológico, onde se identifica uma forma de reunião social que “se passa no decurso de assembléia, de feiras e mercados, ou pelo menos de festas que funcionam como tais. Todas elas supõem congregações cuja permanência pode ultrapassar uma estação de concentração social, como os potlatch de inverno dos Kwakiutl, ou semanas, como as expedições marítimas melanésias. Por outro lado, é preciso haver caminhos, trilhas pelo menos, mares ou lagos por onde se possa viajar em paz. É preciso alianças intertribais ou internacionais, o commercium e o connubium”.
De acordo com que foi descrito e nas discussões dos capítulos anteriores, referente à descrição densa e a contextualização bibliográfica sobre os festivais de canção no Brasil e as interpretações antropológicas e sociológicas sobre a Música Popular Brasileira, pode-se considerar a importância de cada um dos códigos sugerido por Mauss (2003) que ao mesmo tempo eles são gerais, assumem também uma cor local, nos relatos que contam a articulação dos movimentos artísticos e culturais em Itacoatiara, apontam para uma articulação na promoção do FECANI, que em momentos é motivo de orgulho e prestígio e outro é de críticas e de estranhamento.


3.3.1 O Festival da Canção como Penhor.

No Ensaio Sobre a Dádiva, Mauss (2003) ressalta a importância de um sistema claro e desenvolvido de trocas sob a forma de dádivas, voluntárias e obrigatórias, recebidas e retribuídas. Nota que em todos os contratos germânicos intertribais de aldeias alemãs havia presença de caução (penhor, prenda, salário), que se configuraria como uma instituição social nas suas relações econômicas e moral.
Para o autor:


“a caução aceita permite aos contratantes do direito germânico agir um sobre o outro, já que um possui algo do outro, já que o outro, tendo sido proprietário da coisa, pode tê-la enfeitiçado, e já que a caução, com freqüência um objeto cortado em dois, era guardada por metade por cada um dos dois contratantes. Mas a essa explicação é possível sobrepor outra mais próxima. A sanção mágica pode intervir, ela não é o único vínculo. A própria coisa, dada e comprometida na caução, é, por sua virtude mesma, um vinculo. Antes de mais nada, a caução é obrigatória. Em direito germânico, todo contrato, toda venda ou compra, empréstimo ou depósito, compreende uma constituição de caução; dá-se ao outro contratante um objeto, em geral de pouco valor, uma luva, uma moeda (Treugeld), uma faca- entre nós, ainda alfinetes - que serão devolvidos por ocasião do pagamente de coisa fornecida. (...) a coisa assim transmitida é inteiramente carregada da individualidade do doador. O fato de ela estar nas mãos do donatário, obriga o contratante a executar o contrato, a redimir-se resgatando a coisa. Assim, o nexum está nessa coisa e não apenas nos atos mágicos, nem tampouco apenas nas formas solenes do contrato, nas palavras, juramentos e ritos recíprocos, no aperto de mãos; (...) a caução não apenas obriga e vincula, mas também compromete a honra, a autoridade, o mana daquele que a fornece. Este permanece numa posição inferior enquanto não tiver se libertado de seu compromisso-aposta. (...) É o prêmio de um concurso e a sanção de um desafio, ainda mais imediatamente que um meio de obrigar o devedor. Enquanto o contrato não estiver terminado, ele é como o perdedor da aposta, o segundo na corrida, e assim perde mais que participa, mais do que aquilo que terá de pagar; sem contar que se expõe a perder o que recebeu e que o proprietário reivindicará enquanto caução não tiver sido retirada. – O outro aspecto demonstra o perigo que há em receber a caução. Pois não é somente quem dá que se compromete, quem recebe também se obriga. Do mesmo modo que o donatário das ilhas Trobriand, ele desconfia da coisa dada. (...) Todo ritual tem a forma do desafio e da desconfiança, exprimindo um e outra. (...) E eis aqui o terceiro fato. O perigo que a coisa dada ou transmitida representa não se percebe em parte alguma melhor, certamente, do que no antiqüíssimo direito e nas antiqüíssimas línguas germânicas. Isso explica o sentido duplo da palavra gift no conjunto dessas línguas – dádiva, de um lado, e veneno, de outro” (MAUSS, 2003, p. 290-291).


De acordo com os relatórios da Pastoral da Juventude e depoimentos de pessoas ligadas nas diferentes expressões artísticas em Itacoatiara, a “tradição” dos festivais na cidade teriam surgido no âmbito dos grupos de jovens católicos nas décadas de 70 e 80.
Nesse caso, podemos considerar que a caução ou o penhor seria a forma de realização do Festival de Música oriundos dos Grupos de Jovens da PJ, que com a criação da AIRMA, ganhou um novo sentido. Desta forma, confirma-se um contrato definido por Mauss (2003), onde as relações simbólicas estariam colocadas entre duas instituições sociais no plano da cidade.
É importante salientar que não nos propomos em discutir a origem do FECANI, mas é fato que existam pelo menos duas fortes explicações para o surgimento do evento. A primeira é a que está descrita por Sylvia Ribeiro (2003) em E Deus visitou o seu povo – história do povo de Deus em Itacoatiara na qual se fundamenta nos relatórios da PJ, conforme visto no segundo capítulo desta dissertação, bem como as entrevistas feitas com as pessoas que participaram dos grupos de jovens e movimento estudantil da época. E a segunda forma é a que aqui os membros da AIRMA contam nas diferentes edições dos jornais que divulgam o FECANI, na qual seria uma idéia nascida na mesa de um bar, com o intuito de criar um movimento cultural que fosse alternativa aos jovens de Itacoatiara. Onde os seus fundadores salientam a influência dos Festivais de Canção da TV e de Manaus, desconhecendo inclusive a primeira forma explicativa apresentada pela PJ e Sylvia Ribeiro.
Nesse caso, a dádiva ou prestação total seria a própria realização do FECANI com a participação dos artistas, músicos e pessoas da própria cidade, tanto no que concerne a parte estrutural do evento, quanto nos concursos. É o que obriga a AIRMA como “contratante” a executar o contrato, a redimir-se resgatando a coisa (...) a caução compromete a honra, a autoridade, o mana daquele que fornece. Em outras palavras, cumprir o contrato é dar uma festa cada vez maior, com a participação mais intensa dos itacoatiarenses em todos os momentos da festa, para além do espetáculo mediático que acaba por excluí-las com a exploração da força de trabalho a baixos custos, falta de apoio técnico para elaboração de suas produções artísticas, como nas configurações das partituras para se inscrever no concurso FECANI, de poesias para o COMPOFAI, deixando apenas o lugar de realização do Festival para turistas e visitantes.
Constata-se que os artistas itacoatiarenses almejam um apoio mais segmentado por parte da AIRMA e poder público municipal, na implantação de cursos técnicos para aprimoramento dos “produtos culturais” da cidade de Itacoatiara. Em entrevista realizada no dia 26 de agosto de 2006, no estúdio de ensaio da Banda Base FECANI em Manaus, com os concorrentes da cidade de Itacoatiara, o Senhor M. L, 48 anos, participante há oito anos como concorrente do Festival, diz que com a exigência da inscrição das composições acompanhadas por partituras musicais a partir desse ano, fica difícil para as pessoas de Itacoatiara que queiram concorrer no FECANI, pois não há na cidade pessoas qualificadas para fazer o trabalho. Segundo ele, é notável a importância do uso de partituras nos ensaios da Banda FECANI, por facilitar o trabalho dos músicos. Sobre a importância do FECANI para a cidade comentou: o FECANI é importante para Itacoatiara, é um momento de alegria que se estabelece na cidade na época do Festival, atraindo muitos turistas. Mas é preciso que a AIRMA em parceria com a Prefeitura de Itacoatiara e o governo do Amazonas, disponibilizem para os músicos da cidade um conservatório de música, no sentido de elevar a qualidade de suas produções musicais, além de atender as novas exigências do FECANI.
Pode-se sugerir que a perspectiva do código jurídico apontada por Mauss (2003), do FECANI a festa de Itacoatiara e como maior festival de Canção do Norte do Brasil, têm se constituído como um contrato da caução, de direito público e privado. No âmbito público a caução se estabelece entre os membros da AIRMA e os diferentes grupos de artistas existentes na cidade como artistas plásticos, artesãos, poetas, das artes cênicas, dançarinos e músicos.
Pois agregou durante os anos de sua realização, concursos que a própria AIRMA vem desenvolvendo com apoio de pessoas que defendem a promoção das artes. Eventos que ocorriam durante todo o período do ano de forma dependente, como se pode observar no calendário cultural da AIRMA, lançado no dia 30 de janeiro de 1992, pelo jornal A Critica, com as seguintes atividades: O Salão de Artes Plásticas de Itacoatiara, o V ITA-ARTE estava previsto entre os dias 20 e 29 de março; VII Concurso de Poesia Falada de Itacoatiara (COMPOFAI), de 29 a 31 de maio; VIII Festival da Canção de Itacoatiara (FECANI) entre os dias 03 a 06 de setembro. Além da proposta de realizar durante todo o ano, atividades como exposições em agências bancárias em Itacoatiara e Manaus que divulgassem trabalhos dos artistas plásticos. Conforme a observação, todos os eventos eram realizados de forma independente pela AIRMA.
Como se trata de estabelecer diferenças de comportamento social, para então considerar o significado contextual das ações dos atores, em relação ao código jurídico, deve se reconhecer no Festival da Canção de Itacoatiara, o sentido de pertença que é evocado por todos os segmentos sociais da cidade. Garantido apenas o direito da AIRMA em administrar o festival.
Desde a sua concepção, a AIRMA nasce com o objetivo de promover “eventos culturais”, que envolvam os diferentes segmentos artísticos de Itacoatiara. E hoje, as pessoas requerem o direito público de continuar participando das manifestações artísticas do FECANI e que elas não ocorram de maneiras mediáticas, mas de forma continua, pois reserva o direito dos artistas em participar e público de apreciar. Pois se trata de reconhecer nessas atividades desenvolvidas pela AIRMA a influência do domínio público, condição essencial para que ela chegasse até os dias atuais. Ao ponto que se identifica a importância das produções artísticas para participar do evento e o envolvimento das pessoas que trabalham na estrutura organizativa do festival.
Aliás, a reivindicação de uma participação mais ativa de concorrentes do Estado do Amazonas e da cidade de Itacoatiara no concurso FECANI é a que mais se ouve por parte dos músicos e público de Itacoatiara. É comum ouvir comentários de pessoas e artistas que participam do festival, dizer que o FECANI deixou de ser da cidade há muito tempo ou que o FECANI só ocorre em Itacoatiara e depois vai embora com dinheiro da cidade no pagamento das atrações nacionais.
Talvez seja porque, o festival ganhou um alto grau de profissionalização e as disputas acirradas, com participação de pessoas de todo o Brasil que vem em busca das altas premiações. Mas há artistas que discordam da importância dos festivais como lugar de revelação de novos artistas e ressaltam apenas como o lugar de captação de recursos, como no caso do Cantor Cileno, da cidade de Manaus.


“O festival para revelar talentos para o Brasil é algo muito distante, não vejo muitas perspectivas a não ser de colocar uma graninha no bolso e, por isso, eu desistir de participar. O que eu tenho percebido é que as pessoas de outros Estados vêm para o FECANI por causa do dinheiro mesmo, virou um caça níquel” (Jornal À Crítica, Caderno Bem Viver, Manaus, quarta-feira, 04 de junho de 2008).


O Cantor Cileno foi um dos frutos de revelação dos palcos do FECANI. Nos jornais dos anos de 1991, 1992, 1993 é expressivo seu sucesso nas apresentações do festival, além de cantores que se consagraram no decorrer dos anos, no Estado do Amazonas, como Célio Cruz, Lucinha Cabral, Roberto Dibo, Maca, Candinho e Inês, Lili Andrade, Kleber Faba, Pereira, Raizes Caboclas, Nilson Chaves, Eliana Printes, Felicidade Suzi, Natinho e Grupo Mureru, Banda Expresson, Uns Adoráveis, Água Cristalina e tantos outros.
A mesma matéria do jornal A crítica que trás as opiniões de Cileno sobre os Festivais de Música da atualidade, revela também o que as novas bandas musicais pensam sobre o assunto. Os integrantes da Banda Ayahuasca tem nos Festivais de Canção uma forma de observar a evolução e o amadurecimento da banda, no que diz respeito à aceitação do público e o amadurecimento das letras em comparação a outros concorrentes como Márcia Siqueira e Salomão Rossy. Para o compositor Paulo Marinho, que já foi campeão várias vezes no FECANI, diz que além da premiação em dinheiro que é significativa para quem vive de produção musical, os títulos dos festivais é importante para o currículo, pois ajuda quem pretende seguir com campanhas publicitárias. Ressalta também, que “os arranjadores também se dão bem porque passam a receber mais propostas de trabalho, teve músicas até que viraram questão de vestibular”. Para Amauri Frazão, vocalista da banda Underflow, os festivais são essenciais para o cenário independente. Ele diz que, dessa forma, a música própria chega para o público e para os produtores (Jornal À Crítica, Caderno Bem Viver, Manaus, quarta-feira, 04 de junho de 2008).
Dado o crescimento significativo do FECANI no campo das artes constata-se que a figura jurídica da caução, se estabelece para formas contratuais situadas no âmbito do direito privado e positivo, onde ganha corpo as relações contratuais com diferentes instituições e empresas para dar conta da organização do Festival, como no caso das empresas de prestação de serviços de sonorização e iluminação, banheiros químicos, e do Instituto Euvaldo Lodi (I.E.L) e do Serviço Social da Industria (SESI) responsáveis em organizar seminários de integração entre os prestadores de serviços do FECANI e ministrar cursos para as equipes de trabalho do Festival, voltadas para valorização do turista e criação de produtos culturais na cidade.
Observa-se que ao longo da valorização e segmentação da festa, a transformação da figura jurídica da caução, de direito público para direito privado, ganhou força na configuração da AIRMA, que pode responder civil e penalmente pelo desempenho de suas funções, voltadas para o estabelecimento de obrigações contratuais com diferentes organismos financiadores da festa, principalmente empresas privadas e instituições públicas, que investem recursos no festival com intuito de divulgação de suas marcas e promoção institucional.
A caução enquanto garantia de relações contratuais de direito privado, figura-se também entre artistas e colaboradores perante AIRMA, pois são esses trabalhadores que se encarregam da preparação do Centro de Eventos para o FECANI. Uma vez que há prazo nos reparos, e na montagem do palco principal. Mesmo que os artistas reclamem de pagamento não condizente com seus trabalhos, da falta de material ou material de melhor qualidade que poderia agilizar o trabalho, ele tem que improvisar com materiais recicláveis, como no caso dos painéis do palco principal, das esculturas que são feitas de papelão e goma de trigo, resultando em um gasto de tempo maior do que se tivesse sendo feito com o material apropriado.
Mauss (2003) identificou que a figura jurídica da caução, que em certas ocasiões pode representar dádiva, mas em outras pode representar veneno, tal como se encontra em duplo sentido da palavras gift, em inglês, também presente no português, tem o mesmo sentido, considerando tratar-se de dádiva de bom presente ou presente de grego, quando se trata de uma surpresa desagradável. É o que está em jogo na construção do painel do palco principal, na execução das canções pela Banda FECANI uma vez que é ela a responsável de fazer a criação de arranjo e ritmo musical de algumas canções, e na contratação das atrações nacionais, que podem ter tanto a aceitação das pessoas ou podem ser criticadas, uma vez que segundo o depoimento das pessoas que trabalham com venda no Festival, como barraqueiros, ambulantes e camelôs são as atrações nacionais que determina se o evento vai ser bom ou não de público. Mas, no entanto, o que acaba prevalecendo é a condição financeira que AIRMA despende para contratação, pois é ela que escolhe os artistas e trabalhadores que atuam no Festival. Por isso, é importante que o Festival tenha sucesso na divulgação para atrair turistas e visitantes de cidades circunvizinhas de Itacoatiara, pois assim todos acabam ganhando.


3.3.2 As Relações Dramáticas no FECANI

O código religioso, referente à certa “mentalidade religiosa difusa”, onde o espaço de realização do FECANI estaria marcada por diferentes atividades de grupos de jovens de Igrejas cristãs, nesse caso, os comportamentos performáticos desempenhados por jovens das Igrejas Evangélicas e Católicas, que buscam evangelizar por meio das diferentes manifestações artísticas. O evento pode ser entendido como um rito agregando performances prescritas no contexto de um Festival. Encontrando no Centro de Eventos espaços para pregar o evangelho, mas também como forma das diferentes categorias de artistas de se legitimarem no campo das artes.
Segundo Turner (1988), o rito seria uma “performance transformativa revelando classificações, categorias e contradições do processo cultural”, vinculando momentos de transição e crise de vida pessoal, como nascimento, iniciação, casamento e morte, onde os “símbolos e valores que representam a unidade e continuidade do grupo social foram celebrados e reanimados”. Os ritos vêm se classificando no decorrer do tempo, como “ritos sazonais, agrícolas de fertilidade, funerários, de cura, porque eles tornam explícita a interdependência de pessoas com suas ambiências físicas e corporais”. O autor nos sugere que a leitura do comportamento ritual deve ser feita pela performance, onde se definiria como “uma seqüência complexa de atos simbólicos”, que fariam parte de um processo social mais amplo, percebido como ritual. Além de incluir “fases distintas do processo social, com que grupos e indivíduos se ajustam a mudanças internas e se adaptam a um ambiente externo”.
Turner apud Braga (2002) observa que o ritual em performance coloca termo às antinomias do mito, quase que obrigando ao sujeito, a consciência das oposições, que apareçam unificadas em conjunto no rito. Ou seja, faz com que os sujeitos expressem os seus signos culturais de acordo com as antinomias do mito. Para o autor, o modo de se aprender antropologicamente o ritual em performance seria através do conhecimento das “técnicas culturalmente transmitidas e da intensa disciplina pessoal sustentada no ápice da experiência” isto é, no momento de sua efervescência, ou liminaridade, quando os atores, ou os iniciados são submetidos às regras de conduta prescritas no processo social, e os condicionantes de técnicas “não dominados pela rotina tecnológica”, inclusive aquelas escritas no corpo do individuo pela sociedade.
É o que se observar nas composições das canções e demais concursos artísticos que trazem expressões de uma temática Amazônica. Seria um imaginário Amazônico que circunda em aspectos simbólicos no âmbito do FECANI.
Braga (2005) considera que os indivíduos que vivem na região Amazônica, “são de fato os sujeitos que vivem e pensam a floresta, num devaneio que só alcança limites na capacidade imaginativa, responsáveis pela caracterização do espaço Amazônico”. Com isso, ele nos sugere pensar que os indivíduos que participam do FECANI, nos concursos locais ou apenas como espectadores são oriundos de comunidades ribeirinhas, cidades próximas a Itacoatiara. O autor utiliza-se das idéias de Gilbert Durand (2001), quando diz que “os sujeitos tem um papel na dinâmica das culturas humanas”, e na exata medida que “opera no plano dos símbolos, um imaginário que lhes é peculiar”, cujo resultado “são produções intelectuais que se expressam na poesia, na classificação das coisas em taxionomias, ou de outros sujeitos em diferentes formas de organização e convivência social” (BRAGA, 2005,p. 3).
Considera-se em expressões artísticas do festival de que o homem amazônico seria o “caboclo”, onde este assume um significado simbólico. Seria o homem regional amazônico que assume a figura do mestiço, mas que por diferentes lugares e regiões tem outros significados, como é o caso do caiçara do interior de São Paulo, ou de algumas entidades espirituais da Umbanda.
No FECANI, o “caboclo Amazônico” vem assumindo uma forma de referência aquele que está inserido na Região Amazônica numa relação com a fauna e flora da floresta, em expressões míticas das lendas, que denuncia a destruição da natureza aos seres humanos, rogando por uma consciência de preservação e solidariedade em nível global.
Um evento como o FECANI que reúne uma serie de manifestações artísticas, pode ser pensado como um espaço de manifestação do que Laplantine (s/d) denominou de “arte total”. O autor comenta que o “nascimento da ópera no século XVII é indissociável de da arte barroca, da qual é o gênero musical por excelência”, isto porque, em “sua estética está presente qualquer elemento que tende a extravasar o seus limites, tendendo para o encontro com o outro, numa dinâmica constante de descentramento, expansão e transformação. É fundamentalmente uma arte de metamorfose, de mestiçagem das formas” (LAPLANTINE, S/D, p. 51).
Considerando o espaço do FECANI como um todo artístico, pode-se considerar que assim como na ópera que “aposta na partilha, na justaposição ou permuta dos espaços visuais (bastidores, palco, fosso) e sonoros (cantores/orquestras e cantado/falado)”, há a conjugação dos contrários, que se produz levando em consideração a todos que participam um nível de tensão mais extremo, como no caso dos organizadores, artistas e espectadores.
Observa-se que a figura do caboclo amazônico está recorrente em todas as manifestações artísticas do festival, como uma figura romantizada. Laplantine (s/d) considera que a mestiçagem “não é pois um estado ou uma qualidade, pertence ao território do acto. É o acontecimento que se dá numa temporalidade no seio da qual já não é possível distinguir o passado, o presente ou o futuro em estado puro”. É pensar a mestiçagem na perspectiva de troca, onde pode-se considerar que a Amazônia é um misto de relações descendente da colonização entre o índio, negro e o branco europeu.
Nesse sentido, pode-se considerar que o “caboclo” assume a posição de um processo que Laplantine (s/d), denomina de “processo sem fim de bricolage”, pois se apropria de valores e práticas que durante um longo processo de colonização da região resultou em certa “identidade cultural”, ou onde o autor denomina de “um processo resultantes de misturas e cruzamentos feitos de memórias, mas, sobretudo de esquecimentos”.
Pode-se considerar que as músicas cantadas do FECANI, fazem referência aos agentes dessa mestiçagem amazônica, por exemplo, as canções tematizam os remanescente de quilombo, as condições de vida e de trabalho que lhes eram submetidos em tempos de escravidão, sua religião, comida, ressaltando, sobretudo, a sua contribuição para a construção da nação brasileira. As festas de santos religiosos como a festa de São José em Macapá, introduzida por uma colonização portuguesa. Ou até a situação do migrante brasileiro, para região Norte, afirmação da presença de etnias indígenas cuja notícia se tem desde os primórdios da colonização. Nesse sentido Laplantine (s/d) define a mestiçagem como “um lugar de pertença identitária ou do pensamento da fusão, propomos o nem exclusivamente português, nem apenas o índio, nem completamente ser brasileiro por nacionalidade, português pela língua, inglês pela religião”, ou em outras palavras, caboclo pela região Amazônica.
Pode-se reconhecer nas práticas artísticas uma dimensão importante da cultura popular. Arantes (1981) considera que a formação de uma cultura popular se dá sobre as condições de vida, de trabalho e as relações sociais dados em uma localidade. Ele nos mostra que “a cultura é um processo dinâmico”, pois, “passa por transformações (positivas) ocorrem, mesmo quando intencionalmente, visa congelar o tradicional para impedir a sua deterioração (ARANTES, 1981, p. 21). Arantes (1981) por sua vez, demonstra-nos que as transformações culturais que ocorrem em um lugar, dependem das relações sociais determinadas por fatores significativos da sociedade.
Peter Burke (1989) reconhece o popular como “uma cultura não oficial, uma cultura não – elite, das classes subalternas”. O autor sugere-nos a existência de uma possível interação entre as culturas, pois não existe somente uma cultura popular, mas culturas populares. Fazendo referência, inclusive, a Bakhtin quando diz que a “definição de Carnaval e do Carnavalesco pela oposição, não às elites, mas a cultura oficial assinala uma mudança de ênfase que chega quase a redefinir o popular como o rebelde que existe em todos nós e não como propriedade de um grupo social.
Burke (1989) usa o termo “biculturalidade” para mostrar que as elites redescobrem a cultura do povo e tenta reformar dando a ela uma nova roupagem. Como é o caso de cantos populares que passa por uma erudição musical e contos do popular que são resgatados e readaptados em uma linguagem escrita e mais refinada. No FECANI, podemos perceber essa apropriação da cultura popular, através de regras que são impostas pelos organizadores do evento. No concurso, como o de poesia falada, o COMPOFAI, observa-se que entre os inscritos, o grau de escolaridade é diversificado, mas que revela uma certa disparidade no momento de triagem das pessoas classificadas para concorrer o concurso, é claro que os poetas, menos escolarizados, são barrados por não se enquadrarem às normas e parâmetros da língua culta, obrigados a suprimir sua veia poética.
O que é interessante perceber na cultura popular é a idéia de uma “circularidade da cultura”, apontada por Mikhail Bakhtin (1993) e reforçada por Carlos Ginzburg (1987), onde segundo Ginzburg (1987) “é um relacionamento circular feito de influências recíprocas que se moviam de baixo para cima, bem como de cima para baixo entre as classes subalternas e as classes dominantes que existiram na Europa, pré-industrial”.
Notar como a “circularidade da cultura” faz-se presente no FECANI, é notar que no Festival há espaços destinados para expressões das artes plásticas, artesanato, culinária, estória oral e principalmente para música. É onde os indivíduos tem condições de expressar os seus dramas sociais, mesmo sendo um espaço repleto de regras.
Bakhtin (1993) ao trabalhar com a idéia de carnavalização, ressaltando a importância do riso como forma de oposição a uma ordem rígida, em suas palavras, “o mundo infinito das formas de manifestações do riso, opunha-se à cultura oficial, ao tom sério, religioso e feudal da época (Idade Média)”. O autor ressalta a diferença de uma festa oficial e não oficial. Para ele, as festas oficiais seriam aquelas que eram realizadas pela Igreja Católica e o Estado feudal que serviam para manter “a relação dos fins superiores da existência humana” e que serviam apenas para consagrar a ordem social presente. A idéia de festa não oficial, seria o carnaval, onde “só podia alcançar a sua plenitude e sua pureza, sem distorções no carnaval e em outras festas populares e públicas” que “nestas circunstâncias as festas se convertiam na segunda vida do povo, o qual penetrava temporariamente no reino utópico da universidade e na abundância (BAKHTIN, 1993, p. 8).
O autor sugere-nos, também, a idéia de um “realismo grotesco”, que segundo ele, “é no realismo grotesco (isto é, no sistema de imagens da cultura cômica popular), o principio material e corporal aparece sob a forma universal, festiva e utópica”, é do corpo popular cujo princípio material e corporal é a festa. Nesse caso, o popular não tem muito compromisso com o oficial, pois é no carnaval ou em certas manifestações que o popular se manifesta. Neste caso, a carnavalização do grotesco seria uma circularidade da cultura, é onde o oficial se apropria do popular, que no caso de um evento como o FECANI, que tem durante os dias de sua fruição a ação de grupos de jovens que se expressam por meio dos seus agrupamentos sociais os seus sinais diacríticos. Conforme a observação feita em 2006, de jovens que se caracterizaram de acordo com sua banda de Rock preferida, ou dos integrantes do Movimento Hip Hop de Itacoatiara com suas roupas de moletom e correntilhas. Assim, como no carnaval existe a possibilidade de certa inversão, onde Bakhtin (1993) denomina de “grotesco romântico” que está diante uma ordem totalmente diferente, de uma ordem mundial distinta, de uma outra estrutura da vida, ou seja, o mundo verdadeiro em si mesmo, da “verdade carnavalesca”, onde tudo se torna possível.
O que as imagens grotescas sugerem-nos, é que “elas se convertem no principal meio de expressões artísticas e ideológicas do poderoso sentimento da história”. É onde os indivíduos tem possibilidade, de utilizar-se de elementos do cotidiano, para expressar através de certas práticas culturais, os seus anseios, os seus medos, suas alegrias e as suas reivindicações frente a uma ordem estabelecida.
Pensar nos concursos que estão vinculados ao FECANI, é notar uma relação do que seria popular ou erudito e urbano ou rural. A própria nomenclatura dos concursos como ITA-PALHA, ITA-ARTE, ITA-FILME e outros, nos sugerem certa vinculação com o mundo rural ou com o interior, mas não significa dizer que estão desprovidos de uma leitura global das artes.
García Canclini (2006) compartilha da idéia de que “não há mais um conjunto de indivíduos propriamente folclóricos, há contudo, situações mais ou menos propicias para que o homem participe de um comportamento folclórico”. Ele considera que os fenômenos culturais folk ou tradicionais são hoje produto multideterminado de agentes populares e hegemônicos, rurais e urbanos, locais, nacionais e transnacionais. Afirma que


“é possível pensar que o popular é constituído por processos híbridos e complexos, usando como signos de identificação elementos procedentes de diversas classes e nações. Ao mesmo tempo, podemos tornar-nos mais receptivos frente aos ingredientes das chamadas culturas populares que são reprodução do hegemônico, ou que se tornam autodestrutivos para os setores populares, ou contrários a seus interesses: a corrupção, as atitudes resignadas ou ambivalentes em relação aos grupos hegemônicos” (GARCIA CANCLINI, 2006, p. 321).

O FECANI acaba por requerer o título de maior festival de canção da região Norte, sendo realizado em época do alto verão Amazônico, no período dos festejos dos feriados cívicos, que proporciona para as pessoas da cidade possibilidades de atividades econômicas, sobretudo quando se trata de atender às necessidades de consumo do visitante ou turista
[59].
É comum verificar nas barracas do FECANI e nos pontos de “vendedores ambulantes”, a presença de um trabalho familiar. De acordo com as observações realizadas no FECANI de 2006, identificamos a família do Senhor S. B., de 50 anos de idade. Segundo ele, participa como vendedor no FECANI desde os tempos em que era realizado na Quadra de Esportes Herculano de Castro e Costa. Assumindo a função de barraqueiro, vende desde lanches rápidos, como sanduíches, cachorro-quente, salgados, bolos, sucos e refrigerantes, além de jogos de “Tiro ao Alvo” e vendas de balão de gás. Com duas barracas de venda no FECANI, conta com a ajuda da esposas e dos filhos para administrar os negócios durante o evento.
Quando lhe perguntamos se era vantajoso trabalhar no FECANI como barraqueiro, ele nos respondeu que isso depende muito dos dias da semana em que ocorre o evento. Por exemplo, se o término do FECANI é previsto para um dia de sábado, a possibilidade de venda de seus produtos é maior, pois significa que o número de visitantes na cidade é considerável, pois eles tem a possibilidade de retornar para as suas cidades no domingo. Mas quando o FECANI termina no domingo, as pessoas iniciam o seu retorno no sábado, pois precisam descansar para o trabalho na segunda e com isso, as vendas caem consideravelmente.
Diferente do Senhor S. B, que depende exclusivamente das vendas de barracas em diferentes eventos na cidade de Itacoatiara. Encontra-se também vendedores como a Senhora L. F., de 40 anos, que aproveita a época do Festival para potencializar os recursos financeiros da família, junto às suas irmãs que trabalham no ramo de confecção de roupas, aproveitam o momento de festa, para vender as roupas que estavam há muito tempo parado no atelier, com isso, conseguem obter um capital de giro para sua empresa familiar.
Os ritos de iniciação de adolescentes à vida adulta, na perspectiva do drama ou trabalho social, encontra no trabalho de artistas plásticos ou de pintores no decorrer do evento, é o momento em que o adolescente que pretende entrar no campo das artes plásticas, acaba servindo como ajudante, dos pintores e artistas plásticos no decorrer dos trabalhos. Como se constata em relatos de artistas plásticos que iniciaram sua vida artística, abrindo letras para faixa de anúncio, e depois conforme a experiência e a prática, acabaram assumindo a responsabilidade de pintar um dos painéis dos palcos do FECANI. Fazer a pintura dos painéis dos palcos do FECANI é para o artista, chegar ao mais alto nível de prestígio e pompa. Uma vez que os painéis são famosos, pelos artistas plásticos que já passaram por ali, como Edgar Alecrim, Anísio Melo, Jorge Joswiak, Braulio, Peter, Nelson Freire e outros, pois são tidos como a identidade visual do FECANI.
No ITA-PALHA, o processo de iniciação dos jovens das famílias que participam desse concurso, encontra-se comprometida. O desmatamento das áreas próximas à cidade de Itacoatiara, tem forçado as famílias tirar as palhas para a confecção do artesanato, de áreas cada vez mais distantes, e isso causa o desinteresse dos jovens na apreensão das técnicas de confecção da palha.


3.3.3 O Potlatch no festival.

Tomando o código econômico, sugerido por Mauss, pode-se reconhecer no FECANI, que o valor prático se daria no luxo ou gasto plenamente suntuário, traduzido na prestação total ou potlatch. No FECANI, a divulgação do evento, o palco principal, as estruturas do centro de eventos e principalmente o investimento nas altas premiações nos concursos, são completamente suntuário, daqueles que fazem a festa, que passam meses preparando-se para consumir em quatro ou cinco dias de festival.
Ainda que as atividades do FECANI sejam remuneradas por um valor simbólico, que não são tão expressivas do ponto de vista financeiro, do quanto valeria as prestações de serviços das pessoas que trabalham na organização do evento. O que se nota, é a lógica de prestação total ou potlatch, que opera uma inversão na idéia de economia fundada na idéia da gestão de recursos escassos, dada ao crescimento estrutural do FECANI que cresce a cada ano e que requer mão-de-obra cada vez mais qualificada e disposta a desenvolver seus serviços para o sucesso da Festa. Os organizadores do Festival trabalham sempre no sentido de superar a cada ano a expectativa do público, que almejam uma festa cada vez mais suntuosa, com apresentações de artistas e bandas de sucesso nacional, com prêmios cada vez mais expressivos e valiosos. Pode-se considerar que as trocas agonísticas, se colocariam entre a AIRMA e as pessoas que trabalham no Festival e perante às pessoas que anualmente participam dos concursos, no sentido de dar visibilidade às atividades paralelas ao FECANI. É caso de concursos como o FETAMI que tem como concorrente sempre os mesmos artistas e diretores de teatro, do ITA-FILME, com os mesmos produtores de cinema e para não estender muito o do ITA-PALHA com concorrentes da mesma família. Analisando dessa ótica, parece-nos que o evento é um momento em que os artistas e público participantes encontram uma forma de obter um recurso extra.
Sendo assim, os organizadores do FECANI encontram uma forma de articulação de recursos econômicos progressivos para o município, ao mesmo tempo que fortalecem o seu poder de barganha perante aos órgãos financiadores do Festival, dentre os quais, a Coca-Cola, Kaiser, Caixa Econômica Federal, Banco da Amazônia, Correios, Rádios AM e FM, Amazon Sat, Rede Amazônica, Rede TV Itacoatiara, Governo Federal, Governo do Estado do Amazonas e Prefeitura Municipal de Itacoatiara. Na perspectiva de um contrato de caução, a garantia oferecida pela a AIRMA aos financiadores que patrocinam o evento, seria a própria festa. Levando-se em consideração que o luxo do palco principal e um bom formato do evento para TV, e notícias na mídia, seria a dádiva maior do Festival, pois sem o compromisso de todos, nada adiantaria.
A etnografia feita para este estudo refere-se ao FECANI de 2006, mas com o sentido de estabelecer alguns pontos de comparação e análise estendemos a observação aos anos de 2004, 2007 e 2008. Nota-se que o sucesso do Festival perante a seus participantes, dependem, sobretudo, dos critérios contratuais estabelecidos nas fichas de participação dos concorrentes dos concursos. Nesse caso, o FECANI conta com uma complexa articulação jurídica no que tange a participação dos artistas. O quadro abaixo pretende mostrar, por via de comparação, que alguns itens do regulamento do concurso FECANI sofreram mudanças no decorrer do tempo, e que acaba por revelar, a dinamicidade do Festival.







FECANI 2004
FECANI 2006

Dos Concorrentes

* Cada autor poderá participar com 1 (uma) música:
* Cada autor poderá participar com no máximo 2 (duas músicas); (As músicas poderão ser inscritas em qualquer ritmo (samba, pagode, Rock, Forró, Xote, Brega e etc));
* A música deverá ser inédita. Considera-se quebra de ineditismo a participação da música em espetáculos públicos, festivais e outros eventos, bem como no caso de já ter sido editada em disco e/ou fita cassete, ou veiculada através dos meios de comunicação (rádio, Tv, Etc.);
*A coordenação não se responsabilizará por problemas, com relação ao item 7 ( que prescreve a mesma cláusula do FECANI 2004); Caso isso aconteça, e o concorrente tenha sido premiado, o mesmo terá obrigação de devolver integralmente a premiação; Neste caso haverá desclassificação pública, e o (s) autor (s) não poderá (ao) mais participar (em) do FECANI;
* A coordenação só aceitará confirmações de autoria, com reconhecimento em cartório da 1° Via da Letra;
* Todas as músicas e arranjos deverão ter melodia escrita em partitura com a harmonia cifrada. Deve também constar o(s) nome(s) do(s) autor(s) e ser reconhecida em cartório, caso não a música não será pré-classificada.
* Não fala do direito de imagem;
* Direito de uso de imagem e som pela cessionário para as finalidades a seguir expostas, totalmente isenta do pagamento de qualquer remuneração ou compensação, podendo dispor livremente dessas imagens e dar-lhes qualquer utilização conhecida ou que venha existir;
FCANI 2006
FECANI 2007

Das comissões de Pré-Classificação e Julgamento

*As música pré-classificadas serão apresentadas em 2 (duas) eliminatórias, 50% no primeiro dia e 50% no segundo dia;
* As músicas classificadas serão apresentadas 50% no primeiro dia, 50% no segundo dia, e logo após a segunda finalisima a comissão julgadora divulgará as música vencedoras;
*De cada eliminatória, serão escolhidas em duas eliminatórias de 5 a 7 músicas, que obtiverem maior somatória de pontos dados pela comissão julgadora e serão divulgados no mesmo dia da eliminatória;
* Da fase final, no terceiro dia de festival, participarão de 10 a 14 músicas, dentre as quais a comissão julgadora escolherá as vencedoras;
* No quarto dia de FECANI serão as músicas vencedoras premiadas e se apresentarão perante o público.

FECANI 2008

Das comissões de Pré-Classificação e Julgamento: retornam as regras de 2006.

No quadro a cima, observa-se que as mudanças que ocorreram no FECANI dos anos de 2004 para 2006, referem-se aos critérios de participação dos concorrentes. A abertura da participação de até duas músicas por concorrente que foi detectado em 2006 permanece até o FECANI de 2008. A preocupação com o ineditismo das músicas que concorrem no festival é constante, com severas punições de não participar mais do FECANI, além da obrigatoriedade da devolução do premio pago.
O item que obriga os concorrentes a escrever sua música e arranjos em melodia em partitura com a harmonia cifrada provocou mudanças significativas na estrutura de desenvolvimento desse concurso. Há pelo menos duas considerações gerais sobre esse fato. A primeira consideração é por parte dos músicos da Banda FECANI, que afirmam melhoria nos ensaios, com uma economia de tempo e maior qualidade para os intérpretes, e um avanço no profissionalismo de quem pretende concorrer no Festival. A segunda consideração geral nos mostra um amadurecimento nos critérios de inscrição dos concorrentes, mas por outro lado, inibe a participação de músicos da cidade de Itacoatiara, dentre os quais afirmam não ter condições de concorrência, por falta de um estudo mais aprofundado na música.
Um dos concorrentes itacoatiarense que mais participou escrevendo músicas em quase todas as edições do Festival, o senhor L. L., 47 anos de idade (2008), reconhece que “o músico itacoatiarense precisa se reciclar e compreender a dinamicidade que o FECANI passa, nota-se que o nível dos concorrentes é altíssimo, inclusive os músicos que vem do Estado do Pará”. Observa-se que a inclusão da obrigatoriedade da inscrição da música e melodia em partitura e harmonia cifrada, atendeu às sugestões feitas pela comissão de Pré-Classificação, que no FECANI 2006, contava com jurados da Faculdade de Música da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
Analisando a inserção da partitura como obrigatoriedade na inscrição das canções no FECANI, ressaltam-se as considerações feitas por Napolitano (2002, p. 83-84) sobre a “música erudita” e popular onde a performance é um elemento fundamental para que a obra exista objetivamente. Para o autor, a música enquanto escritura, notação de partitura, encerra uma prescrição rígida no caso das peças eruditas, para orientar a performance. Para ele, a experiência musical só ocorre quando a música é interpretada. “A partitura seria apenas um mapa, um guia para experiência musical significativa, proporcionada pela interpretação e pela audição da obra. Seria o mesmo equívoco olhar um mapa qualquer e pensar que já se conhece o lugar nele representado”.
Napolitano (2002) situa o conceito de performance como “um ato de interpretar, através do aparato vocal ou instrumental uma peça musical, numa execução de palco/show”. O autor trabalha com a definição feita por David Treece de que:


A canção popular é claramente muito mais do que um texto ou uma mensagem ideológica [...] ela também é performance de sons organizados, incluindo aí a linguagem vocalizada. O poder significante e comunicativo desses sons só é percebido como um processo social à medida em que o ato performático é capaz de articular e engajar uma comunidade de músicos e ouvintes numa forma de comunicação social (TREECE apud Napolitano (2002, p. 85)


Nesse caso, pode-se inferir que se tornar vencedor do FECANI, depende do ato performático ou de um conjunto de “ritos performáticos”, que sejam desenvolvidos e articulados pelo compositor, intérprete (ou compositor-intérprete), banda e público presentes. Levando-se em consideração, sobretudo, aspectos fundamentais da composição, como o arranjo, a melodia, o ritmo e o gênero. Ver como exemplo, o anexo da fixa de julgamento do concurso FECANI 2006.
No regulamento do FECANI de 2006, constatam-se os cuidados que a AIRMA tem de assegurar os direitos de uso da imagem e do som dos concorrentes em qualquer meio de comunicação, sem qualquer pagamento financeiro ao intérprete e compositor. Outro fato marcante que ganhou tamanhas repercussões na mídia foi em 2007, quando a AIRMA mudou a estrutura de julgamento das músicas que foram pré-classificadas. Fazendo com que a primeira e segunda noite do Festival fossem eliminatórias, com a divulgação das músicas campeãs, na segunda noite, deixando para a quarta noite a apresentação das Canções vencedoras e suas premiações.
Os músicos que participaram dessa edição, afirmam que esse formato de concurso quebra o ineditismo da final. Não dá possibilidade das músicas e intérpretes serem avaliados novamente, uma vez que nas primeiras apresentações existem inúmeros problemas, como ajuste de som, dos instrumentos e o nervosismo da apresentação. No ano de 2008, observamos que as regras que prescreviam o concurso FECANI, no ano de 2006, retornaram de acordo com as solicitações dos participantes.
Vale ressaltar que em 2006 a AIRMA concedeu uma premiação de no máximo R$ 400.00 (quatro centos reais) para os concorrentes que tiveram as suas músicas pré-classificadas, isso é uma forma de atrair os compositores para a cidade, uma vez que esse dinheiro serve para pagamento de hotel e alimentação. Pode-se dizer que a AIRMA sempre buscou meios de atrair concorrentes de outros estados brasileiros para concorrer no FECANI, assim como os inúmeros telegramas que foram enviados aos gabinetes de deputados, governadores e empresários, no sentido de dar visibilidade ao evento.
Buscando analisar o FECANI, na perspectiva do código morfológico, apontado por Mauss (2003), o consideremos a partir das formas sociais, da congregação de pessoas envolvidas de uma forma ou de outra, para juntas tratarem de aspectos que lhes são comuns, em um momento específico das suas vidas. O evento pode assumir deferentes características morfológicas. No FECANI, identificamos grupos de estudantes que fazem promoções, a fim de obter recursos financeiros para sua festa de formatura, grupos de amigos e familiares que se organizam para participar do TORCIMELHOR, grupos de evangélicos que usam o espaço para pregar a palavra de Deus, grupos de jovens fãs de banda de rock, hip hop. Galeras (gangs) da cidade que se rivalizam nos dias de festa (responsáveis inclusive pelo maior número de ocorrência e apreensão da Polícia Militar).
Ressalta-se, também, que os concursos desempenhados no contexto do FECANI, cria entre as pessoas que disputam os diferentes prêmios, o que Turner (1974, p. 167) identificou de “communitas espontânea”, “que pode surgir de modo imprevisível em qualquer tempo entre os seres humanos que são institucionalmente contatados”. Isto é, de indivíduos que compartilham do mesmo interesse ou motivo social. No concurso musical, onde os concorrentes acabam por compartilhar de espaços, como quartos de hotel, comer e beber em conjunto, pode ser identificado como um rito de “comensalidade” (Gennep, 1977, p. 43), fazendo com que haja a troca de viveres. Essa troca de viveres permite com que os concorrentes não só do concurso musical, mas de todos os concursos, troquem experiências, a cerca das suas técnicas, criem laços de amizade e continuidade de um vínculo social que acaba por se estender em reencontros nas futuras edições do FECANI.
Outro aspecto morfológico do festival seria no grau de organização que as pessoas desempenham em caravanas que se destinam a Itacoatiara na época do FECANI. Durante o tempo de observação da festa, identificamos pelo menos dois tipos de caravanas, aquelas que se utilizam de ônibus fretados e outras de barcos.
As caravanas que se utilizam de ônibus fretados são de pessoas oriundas, sobretudo, da cidade de Manaus. São na maioria das vezes moradores de uma mesma rua ou funcionários de fábricas do Distrito Industrial de Manaus, como uma caravana que encontramos em 2006, formada por pessoas que faziam parte da mesma linha de produção de uma fábrica de montagem de componentes eletrônicos do Distrito Industrial de Manaus. As caravanas que se utilizam de barcos, são de comunidades ribeirinhas e de cidades que tem ligação com Itacoatiara por barco. As caravanas mais comuns são das cidades de Urucurituba e Nova Olinda do Norte. No primeiro dia de realização do FECANI, por volta das quinze horas, é possível notar, na orla fluvial da cidade, a chegada dos barcos, com queima de fogos e muita música. Sabe-se que alguns barcos que fazem recreio para Itacoatiara, buscam horários alternativos que condizem com a chegada ao porto da cidade horas antes da apresentação das Atrações Nacionais no palco do FECANI, e outros são fretados por famílias e grupos de amigos que, além de servir como transporte, é o lugar de hospedagem.


3.4 – Destradicionalização e Espetacularização no FECANI

Por fim, o último código que gostaríamos de ressaltar no FECANI é o código estético, seriam as formas sensíveis por meio das quais a sua narrativa se torna compreensível no âmbito da festa total. É o que Mauss (2003) considera como tudo aquilo que é “causa de emoção estética e não apenas de emoções de ordem da moral ou do interesse”. É o momento pelo qual tentamos a partir da etnografia sobre o FECANI, identificar as formas de relações das instituições sociais. Buscando entender as diversas formas discursivas sobre o Festival e a cidade de Itacoatiara.
Observa-se neste trabalho que o código estético do FECANI estaria estreitamente ligado a um processo de transformação identitária da cidade de Itacoatiara, combinando os aspectos de tradição e inovação. Para Fortuna (2001) a combinação entre estes dois aspectos seria o processo de destradicionalização identitária da cidade. Para o autor


A destradicionalização é um processo social pelo qual as cidades e as sociedades se modernizam, ao sujeitar anteriores valores, significados e acções a uma nova lógica interpretativa e de intervenção. Esta destradicionalização é movida pela necessidade de cada cidade revalorizar os seus recursos, reais ou potenciais como forma de se reposicionar no mercado da concorrência inter-cidades, cada vez mais competitivo. A concorrência intercidades é um efeito derivado da descentralização política e da desconcentração de funções que se acentuam à medida que as sociedade se democratizam (FORTUNA, 2001, p. 234).


Ao analisar o momento da criação da AIRMA e consequentemente a realização do FECANI, constata-se que, de fato, o momento de redemocratização do país, permitiu com que a cidade de Itacoatiara entrasse em um processo de destradicionalização. Foi o momento em que grupos que estavam no âmbito da Igreja Católica (espaço tradicional), pudessem encontrar, na AIRMA, através do FECANI, aspectos modernizantes da cultura brasileira, por meio da qual a identidade da cidade passou a ser forjada localmente e a depender do reconhecimento dado por outros.
Não queremos dizer, que antes a cidade de Itacoatiara era desprovida de cultura ou de identidade, mas nos parece que era culturalmente estagnada, tradicionalista e autocentrada, baseada em eventos que eram desenvolvidos no domínio da Igreja Católica, como festas de Santos Padroeiros e, nesse caso, destacam-se as festas de Nossa Senhora do Rosário, Divino Espírito Santo, São Francisco, São Pedro. Nas datas cívicas, como nas paradas militares dos dias 07 de setembro (dia da Independência do Brasil) e 05 de setembro, comemoração de Elevação da Comarca do Alto Amazonas à categoria de Província. Essas duas datas são significativas para o município, porque durante uma semana as escolas públicas e particulares e as duas universidades UFAM e a UEA marcham na avenida central em honra aos poderes, Militares, Executivos, Legislativo e Judiciário. É o momento em que as fanfarras escolares ganham visibilidade; E por último, as manifestações festivas desenvolvidas por clubes tradicionais da cidade, como, o Náutico Esporte Clube que, em época do carnaval, realiza o Baile Vermelho e Preto, o Botafogo Futebol Clube, também, com seu baile de carnaval, Lions Club formado por funcionários públicos e a Associação Atlética do Banco do Brasil (AABB), o Centro Recreativo dos Professores de Itacoatiara (CREPI), todas com atividades para os seus associados.
Observa-se que o FECANI tornou-se um marco na política cultural do Município de Itacoatiara, dado o grande número de envolvimento de artistas e pessoas na sua organização, bem como na complexa forma de articulação de recursos públicos para sua realização. Fazer um evento com utilização dos recursos públicos, requer uma boa articulação política, pois é preciso garantir o repasse anual de uma verba que, muitas vezes, não entra no orçamento administrativo de um governo. Nesse caso, a concorrência intercidades marcada pelo processo de destradicionalização, depende, sobretudo, de uma ótima articulação política.
Pode-se considerar que uns dos aspectos que marcam um código estético do FECANI seriam identificados nos painéis dos palcos principais e alternativos, pois, eles não estão como mera ilustrações das apresentações, mas assumem compromisso simbólico das expressões culturais da cidade. Vale a pena lembrar do caderno de informações desenvolvido por Terezinha Peixoto (1998), da parte que trata das treze edições do Festival, que traz detalhadamente o significado de cada painel. Os FECANI’S de 1985, 1986 faziam referência à musicalidade itacoatiarense, tendo como ícone principal um violão. A partir do FECANI de 1987, os painéis tendem a valorizar o patrimônio artístico, arquitetônico, histórico e natural do município de Itacoatiara. Com iconografias da pedra pintada, do bolevrd da Avenida Torquato Tapajos, referência aos sítios arqueológicos pedra pintada, miracanguera, prédios históricos da época da colonização, do chamado tempo áureo da borracha, resquícios da batalha naval, lendas e mitos da cidade, e ao patrimônio natural, como lagos e rios da região Amazônica. Mas foi no FECANI 1990, que a AIRMA iniciou expressivamente o trabalho de valorização do patrimônio histórico edificado da cidade, com a implantação dos palcos alternativos que funcionavam durante o período do dia com apresentações musicais. Segundo Peixoto (1998):


“O painel do palco principal representava o símbolo da evolução tendo o sol iluminando o festival. Neste ano surgiu a idéia de montar além do palco principal os que palcos alternativos, onde foram pintados nos painéis, prédios representativos do patrimônio, como tentativa de resgatar a memória histórica de Itacoatiara, como: O Mercado Municipal (demolido em 1978). O prédio do Nicandro (demolido em 1992). O prédio Aquilino Barros e o Prédio Ilídio Ramos”.


Constata-se que a primeira tentativa de se trabalhar o patrimônio cultural da cidade, está ligada à idéia de resgate e evolução, noções essas que são fundamentadas nas leituras dos folcloristas que ganha corpo, a partir da década de 1930 no Brasil. De acordo com a política de resgate de manifestações culturais e populares, acreditavam que estas estariam em via de desaparecimento (implícita as idéias de perca, de desenvolvimento linear da história) num mundo moderno e civilizado, e, por isso, caberia aos pesquisadores coletar, sistematizar e preservar todo o material encontrado. Ainda que as noções de resgate e evolução estivessem ultrapassadas de acordo com as idéias atuais da antropologia sobre cultura, de que a cultura é dinâmica e a existência de um patrimônio imaterial coletivo. Mesmo com todas as dificuldades conceituais, verifica-se a importância que a AIRMA teve em chamar a atenção aos monumentos históricos da cidade.
Outro exemplo que gostaríamos de descrever refere-se à argumentação desenvolvida entorno dos painéis dos palcos alternativos e principais do FECANI 1996:


Os painéis do palco principal representavam – Painel Central “Muro das Pedras”, Sítio Itacoatiara”, que traduz as raízes da cultura itacoatiarense, marcada pelo significado de suas pedras, que são registros importantes da história do Amazonas; O Painel do lado esquerdo “Cancioneiro” que homenageia a todos que através do canto, buscam equilíbrio e força para levar a vida com bom humor e alegria; O painel do lado direito – “A música no Cotidiano (do Caboclo)”, que na imensidão da floresta Amazônica e dos seus majestosos rios, vive o caboclo em perfeita harmonia com a natureza. Na labuta do seu dia a dia, o caboclo, sempre se faz presente nos mais diversos movimentos culturais. De todo o povo caboclo, destacamos o amazonense que preserva suas raízes, muitas vezes imortalizadas pela suave canção nativa, muito bem vistas nos grandes festivais. E nos palcos alternativos – Palco Pirarucu – “Abstração” tudo que vemos na arte abstrata, é o que se vê na realidade “FECANI”, onde se mistura arte e harmonia como o som de nossas vidas. As cores usadas nos quadros representam alegria do ambiente com as musicas do FECANI; O palco “Jaraqui” – “Arte Indígena” – A cultura Indígena sempre foi inspiradora dos grandes artistas. Os traços, os sons, as cores naturais sobreviveram aos desenvolvimento e são grande orgulho do povo amazonense. A obra destaca a cerâmica e a música, pois estamos vivendo a mais um grande festival cultural, que tem como destaque a música. São vasos e instrumentos que em plena paisagem Amazônica, compõe a obra; Palco “Tambaqui”, Destruição Arquitetônica – uma bela jóia arquitetônica nos seio de Itacoatiara, foi destruída bruscamente por pessoas que não tem sensibilidade. Na terra da canção, sentimento caboclo de um violão contemplar esta destruição; e o Palco Pacú - “Paisagem no Rio Parananema”- retratando a vida do caboclo ribeirinho que vive heroicamente a margem dos lagos da nossa região. São casebres muitas vezes deteriorado pelo tempo. Com paredes, muitas vezes levadas pelas águas. A mesma água que leva, dá a vida, e por ironia talvez, expulsa o próprio homem do seu habitat.



As argumentações desenvolvidas sobre os painéis do FECANI de 1996 contem uma matriz de pensamento alinhada a uma interpretação de Amazônia das décadas de 30 e 40, quando o conceito de aculturação, portanto, de contato e perca da identidade, serviam para explicar o encontro das sociedades indígenas com o homem branco. E desse contato, resultaria no caboclo (mestiço), que seria o detentor das práticas culturais indígenas, como técnicas de trabalho, crenças, moradia, etc. Outra forma de pensamento presente nessa argumentação é a imposição do meio natural, biológico, geográfico sobre o cultural. É onde o homem estaria sujeito às intempéries do tempo, a seca e a cheia dos rios, a geografia do inferno verde, das feras da selva ou estaria vivendo no paraíso da fartura e da bonança, que a todo o momento é ameaçada pelo desenvolvimento do capitalismo.
Os temas que são desenvolvidos nos painéis dos palcos do FECANI, nos concursos do ITA-PALHA, ITA-ARTE, ITA-CONTA, NAITA, MOCAITA, COMPOFAI, ITA-FIME podem figurar como valorização de uma identidade local tomada por membros da AIRMA (que atualmente tem em média dez mil associados), que na cidade se reafirmam, por se tratar de elementos simbólicos e representacionais das expressões culturais e das dimensões históricas e mnemônicas da cidade.
Fortuna (2001, p. 233) considera que perante superficialização ou eventual perda das suas raízes identitárias, os indivíduos procuram, no passado e na memória da cidade, compensação para a correspondente e desconcertante ambivalência de valores, onde a contínua valorização estética do seu patrimônio histórico e monumental podem adquirir diferentes sentidos. Por isso, consideramos que o FECANI inicia um processo de destradicionalização na cidade de Itacoatiara, por estar forçando o poder público Municipal e Estadual a ceder toda uma infra-estrutura para realização do evento, assim como os demais setores da sociedade a se preparar para o tempo de FECANI.
O autor não toma o conceito de destradicionalização como a eliminação de tudo que seja do passado, tradição, memória e a história, mas como “a recodificação da tradição e ao seu entendimento como recurso de desenvolvimento”. Mas até que ponto esses elementos identificados no FECANI seriam suficientes para manter o processo de destradicionalização em desenvolvimento na cidade de Itacoatiara frente à concorrência intercidades?
Para Fortuna (2001) as imagens das cidades se movem universalmente entre dois pólos: as imagens de tipo modernista e as de tipo patrimonialista. As imagens modernistas estariam ligadas à competitividade, tecnicidade, na cultura empresarial e na internacionalização da cidade, instigando uma gestão de recursos de natureza empresarial. Ele identifica uma lógica cultural baseada numa “cultura extensiva”, onde a imagem da cidade se projetaria para além dos seus limites próximos (locais ou regionais) e ganha sentido no plano nacional e mesmo transnacional.
Por outro lado, as imagens patrimonialistas estão ligadas às expressões da vida local e regional, aos costumes, às festas rituais e sequências cerimoniais, também à arquitetura ou à qualidade ambiental, promovendo uma gestão de recursos e dispositivos simbólicos. Nesse caso, a lógica cultural subjacente é de natureza “intensiva”, com acentuado investimento nas culturas e nas identidades locais e regionais.
Para o autor, essas imagens (modernistas e patrimonialistas) não são estanques. “Articulam-se entre si e justapõem-se, o que proporciona hibridismo do capital-imagem da cidade (Sciorra, 1996), que surge, ao mesmo tempo, como consciência adquirida do passado, investimento no presente e perspectiva de futuro (Mons, 1992) (FORTUNA, p. 235)”. Diante dessas perspectivas, observa-se que Itacoatiara pode ser tomada como cidade que está se colocando diante de uma posição do tipo patrimonialista. Observando o período em que o FECANI era realizado no contexto da praça, no centro da cidade, uma série de elementos compunha o cenário da festa. Como patrimônio histórico edificado, os arvoredos em torno da praça e a orla fluvial. É o que causa a sensação nostálgica, para quem participou dessa época, pois em tempos de FECANI, a Praça da Matriz transformava-se num verdadeiro camping com armações de barracas de acampar, nas árvores era possível notar inúmeras redes atadas, as ruas no entorno dos palcos principais lotadas de barracas de vendas de todos os gêneros alimentícios, as pessoas banhavam-se na orla fluvial da cidade
[60], considera-se que, nesse momento, a cidade servia de palco para aqueles que produziam e participavam do FECANI.
Com a dimensão adquirida na mídia regional e nacional pelos meios de comunicação, o FECANI passa a receber concorrentes de outros estados brasileiros e passa a fazer parte de uma cultura extensiva, tendo que se modernizar, pois é sentido na cidade o desenvolvimento e a instrumentalização de equipamentos urbanos voltados para o lazer. Já no ano de 1993, o então governador do Estado do Amazonas, Gilberto Mestrinho, anunciou para os meios de comunicação que para o IX FECANI a rodovia AM-010 (Manaus-Itacoatiara) estava completamente restaurada e o Departamento de Estradas e Rodagem (DER-AM) estava atendendo à renovação das frotas de ônibus, com investimentos da ordem de 216 mil dólares por parte da empresa ARUANÃ, com ônibus de “última geração, acabamento de luxo, carpete, poltronas reclináveis, sistema de circulação de ar, sistema de iluminação direcionada e guarda volumes” (Jornal Amazonas em Tempo, 05 de setembro de 1993). Vale ressaltar, que atualmente é preciso uma atenção redobrada para a pavimentação da Rodovia Am-010, dado o grande fluxo de veículos, assim como a aquisição de novos ônibus por parte das empresas de transporte para o conforto dos passageiros. A construção do Centro de Convenções para realização do FECANI (inaugurado em 2003) e a necessidade de uma estrutura urbana para o recebimento de turistas e visitantes. Além do desenvolvimento de novos bairros nas proximidades do Centro de Convenções, com processo de ocupação de terras.
Para Fortuna (2001) o patrimônio histórico, o passado e a memória da cidade constituem-se ingredientes sensíveis dessa articulação de imagens (cultura extensiva e intensiva) como estratégias promocional da cidade. Pois, segundo ele,


“(...) é assim que os patrimônios históricos e as memórias locais têm sido objecto da “reinvenção” do seu significado social e das funções (Hobsbawm e Ranger, 1983), num sentido em que a sua marca de tradição se converte em capital de inovação. É neste processo de reconstituição de significados e funções que se constitui o que designo por destradicionalização do patrimônio e, por arrastamento, destradicionalização da imagem da cidade. Esta implica o aquecimento activo, ou desinvestimento simbólico (McCracken, 1990, 870), de alguns dos atributos e usos tradicionais do patrimônio local e, em paralelo, a posição de outros novos, ou a sacralização (MacCannell, 1989, 43-45). Só assim a destradicionalização do patrimônio funciona como caução de modernização (FORTUNA, 2001, p. 235).


Mas até que medida o FECANI continua sendo um grande articulador da tradição e a inovação como aspecto de destradicionalização da cidade de Itacoatiara? Como os artistas itacoatiarenses sentem as mudanças ocorridas nas atividades da AIRMA com a concentração dos concursos culturais na época de realização do FECANI?
Nas entrevistas realizadas com os diferentes segmentos de artistas da cidade de Itacoatiara, fica evidente que o novo formato de realização dos concursos culturais no período do FECANI não agradou, pois segundo eles, o novo espaço não tem ambiente adequado para o desenvolvimento da performance que a arte exige. A começar pelo posicionamento da Tenda Cultural, onde ocorrem os concursos a nível local que fica situada ao lado de um parque de diversões, onde o barulho ensurdecedor desse maquinário impossibilita qualquer concentração para o desenvolvimento da arte.
A própria estrutura física composta literalmente por uma tenda de lona, não dá as divisões apropriada para os cenários que cada concurso exige, dentre os quais, no ITA-ARTE os quadros que ficam para exposição não tem uma iluminação apropriada; para o FETAMI as dimensões do palco não possibilita uma boa apresentação das peças teatrais que tem cenografias próprias; o ITA-FILME necessita de um salão apropriado para projeção dos filmes e acomodação do público.
Outro fato muito recorrente na fala dos artistas é que a AIRMA concentrou no FECANI todas as atividades culturais que eram desenvolvidas ao longo de um ano, inclusive com a divulgação de um calendário cultural na cidade. Fez com que os artistas ficassem dependentes das políticas culturais do município de Itacoatiara, que na sua grande maioria são políticas de governo, que de forma direta não assumem qualquer compromisso com a sociedade civil, ficando restritos apenas aos eventos, como carnaval, aniversário da cidade, festival folclórico e o FECANI com a contribuição de recursos públicos. Pode-se considerar que para os artistas a promoção de atividades culturais que eram desenvolvidas pela AIRMA no decorrer do ano na cidade de Itacoatiara, era mais significativa, porque figurava como um compromisso social assumido desde a fundação da associação. Esse fato é tão significativo que ouvimos rumores de artistas no contexto do XXII FECANI, porque estavam pensando em se articular para criar outro movimento cultural na cidade frente à espetacularização do FECANI, pois para eles, o evento já não tem tanto sentido.
Para os artistas que participam do concurso FECANI, apreendemos pelo menos duas grandes considerações. A primeira é dos músicos de Itacoatiara, de que o FECANI teria perdido o sentido de revelar talentos em nível local, pois o alto grau de profissionalização e de formação erudita que o concurso atingiu, por exemplo, com a inscrição da música em melodia escrita em partitura com a harmonia cifrada, os exclui do processo. Por isso, exige-se da AIRMA, em conjunto com a prefeitura Municipal e o Estado do Amazonas, a instalação de um “conservatório de música” na cidade, que os possibilitaria uma formação teórica da música e daria condições de igualdade em concorrer com artistas que tem experiências em outros festivais. A segunda consideração vem dos concorrentes oriundos de outros Estados brasileiros, de que o FECANI é um Festival de Música que não coloca quaisquer dificuldades para participação do artista, pois permite que músicos que tenham ganhado anos anteriores concorram novamente. Dentre os Festivais do Brasil, é o que oferece a maior premiação e que tem a melhor estrutura de acomodação. Conta com uma excelente estrutura de palco, banda base bem instruída na formação erudita e uma ótima sonorização. E um corpo de jurados transparente no processo de julgamento.
Os músicos concorrentes que tem experiência de participação de festivais de nível nacional e internacional chamam atenção para os cuidados que os organizadores do FECANI deveriam ter para o desenvolvimento do festival. De não deixar o FECANI cair na espetacularização do evento com a realização de mega shows que estão ligados à indústria cultural, mas de continuar mantendo a estética de um Festival de Canção que é o da valorização da Música Popular Brasileira, onde o momento do concurso deve ser o ponto alto do festival. Idéias que identificamos na entrevista realizada com o senhor E. F., de 50 anos de idade, do Estado do Ceará, no contexto do FECANI 2007. Tendo participando dos festivais de canção da TV Globo das décadas de 70 e 80 e em sua quarta participação do FECANI, faz comparação do FECANI frente aos demais festivais do Brasil:


O evento deve ter cuidado para não cair no erro do Festival de Alegre da cidade de Alegre-Es, onde o festival é de mega shows. A meu ver, o FECANI pode estar se encaminhando para isso. Quando Festival pega a moeda que é os concorrentes do concurso de música e troca por um mega show, você coloca o festival em risco. Este ano, vimos que a quantidade maior de público ocorreu na apresentação da Banda Calypso, isso é maravilhoso! Mas não traduz o festival, e fora isso, o FECANI não terá o mesmo público em outros dias. Se a proposta do festival é valorizar a Música Popular Brasileira, é melhor que tragam cantores como Djavan, João Bosco, Geraldo Azevedo, Fagner, Zé Ramalho que nasceram dentro dos festivais, com músicas que faz o povo pensar. Pode dar vinte mil pessoas em seus shows, mas tem a ver com que vai ser apresentado no concurso FECANI. O Festival de Alegre está sepultado por falta disso. Lá no mesmo dia se apresentam no palco Milton Nascimento, Skank, Ivete Sangalo. Ontem na apresentação dos concorrentes do FECANI, até a sexta música não tinha nem 20% do que tinha no Show e quando as pessoas apareceram na frente do palco foi para pegar lugar para assistir o show. Olha! Já participei de mais de trezentos festivais em todo o Brasil, desde aqueles que são realizados em estádios de futebol, até aqueles que são realizados em bares. Notasse que o FECANI tem o seu orgulho de ser, a brasilidade do norte não se vê em outros lugares. As pessoas que fazem o FECANI precisam conhecer outros lugares e as pessoas de outros lugares precisam conhecer o FECANI, pois as músicas que fazem são ótimas. Aqui no Amazonas, o FECANI é uma alternativa ao Boi Bumbá de Parintins, porque vem gente de todo o lugar. Parintins é muito distante da capital. Aqui traduz a Amazônia também. Em Alegre o festival é realizado no meio das montanhas, é difícil o acesso, e o lugar não traduz aquela região. O FECANI é uma alternativa para o Brasil conhecer a Amazônia.


Observa-se nessa entrevista a importância que o artista vincula ao FECANI perante aos Festivais de Canção do Brasil e a advertência que ele faz ao se tentar dar visibilidade ao evento, a partir da contratação de cantores e bandas musicais da grande indústria cultural de massa. Para ele, já é notável o desinteresse do público local para apreciação do concurso FECANI devido à espetacularização do Festival.
Para Eduardo Subirats (1989) o termo espetáculo, nos remete etimologicamente a spere, à contemplação humana. E se refere, por conseguinte ao caráter expositivo dessa representação, sua destinação a ser exibido e instaurado no sentido específico que, todavia lhe é conferido por seu caráter de representação ou duplicação da realidade, não de sua experiência ou de seu reconhecimento. A idéia de espetáculo vem de simulacro
[61] que para o autor assume um caráter global de suas atividades e manifestações, pois segundo ele, simulacro é a representação à réplica científico-técnica, linguística ou multimidial do real convertida em segunda natureza, em mundo, no real no sentido absoluto. Em suas palavras:


É a representação como performance, ou uma obra de arte total realizada como organização econômica, institucional, psicológica e técnica, ou é o mundo como acaba a programação técnica da existência e do real, do sujeito e do objeto, da organização subjetiva da percepção e da réplica da natureza. O simulacro é a representação do mundo tornado mundo como vontade, como ser em e para si, como unidade consumada do sujeito e do objeto, perfeitamente fechada e opaca à experiência (SUBIRATS, 1989, p. 65)


No decorrer das observações etnográficas do FECANI pode-se inferir que o caráter de espetáculo vem se consolidando cada vez mais. De ante de uma conjuntura regional, coloca-se como um dos expoentes da chamada cultura Amazônica, assumindo o discurso do exótico como forma de promoção econômica e captação de recursos no desenvolvimento da cidade frente à nação e a globalização. Mas de forma local, as diretrizes assumidas na organização e estruturação do evento, prescrevem uma realização efêmera de uma série de manifestações artísticas, culturais e desportivas que eram para ser realizadas de maneira continuada no município de Itacoatiara.
Tomando o FECANI como um evento que a cada ano agrega novas modalidades esportivas e artísticas faz com que a AIRMA entre em descrédito com a população Itacoatiarense e perca o papel de entidade civil organizada que se propôs a ser mediadora na fomentação de cultura em todos os sentidos e período do ano. Pois transformou o FECANI num mega e complexo evento que tem um tempo determinado de inicio, meio e fim.
Desse modo, o FECANI estaria se inserindo no contexto de uma festa-mercadoria. Serpa (2007, p. 107) ao pensar o “consumo cultural” como paradigma do desenvolvimento urbano das cidades, reconhece o que ele chama de cidade da “festa-mercadoria”. É quando “essa nova (velha) cidade folcloriza e industrializa a história e a tradição dos lugares, roubando-lhes a alma. É a cidade das requalificações e revitalizações urbanas, a cidade que busca vantagens comparativas no mercado globalizado das imagens turísticas e dos lugares – espetáculo”. No Amazonas, algumas cidades vem passando por esse processo, como as cidades de Parintins com o Festival entorno dos bois-bumbás, Manacapuru com o Festival das Cirandas e Manaus com o processo de revitalização do Centro histórico e a constante necessidade de espetacularização de manifestações artísticas ao entorno dessas áreas qualificadas, com a realização do Festival de Ópera, Festival de Cinema e Festival de Jazz que são conhecidas internacionalmente.
Para o autor, os equipamentos culturais que são cada vez mais visíveis nas cidades contemporâneas propõem aos “usuários/espectadores/turistas/visitantes lugares programados e sem surpresas”, no sentido de que as manifestações se organizem, evitando os imprevistos e os excessos, impondo uma nova temporalidade, de acordo com as exigências do espetáculo. No FECANI, nota-se que as relações entre os participantes são regidas por códigos predeterminados. Esses códigos favorecem ao aparecimento de novas sociabilidades (por meio de novos concursos e disputas esportivas) e de proximidade, atuando como agentes de “pacificação social”, uma vez que a população Itacoatiarense não encontra alternativa de participação de práticas no decorrer do ano. Serpa (2007) sugere que ao mesmo tempo em que a dimensão popular dessas manifestações culturais se opõem ao caráter “tecno-científico” dos modernos complexos culturais (teatros, salas de concertos, cinema e outros) propõe a cidade a instrumentalização cultural da cidade. O problema, como já foi dito várias vezes é o curto período de realização dessas manifestações na cidade.
Os organizadores do FECANI já incorporaram o discurso de que o espetáculo é o incremento para atividade turística. Isso não deixa de ter seu fundo de verdade, mas pode estar incorrendo no erro de concentrar os lucros nas mãos de poucos empreendedores e de empregar a população local em funções subalternas, sem programas efetivos de qualificação de mão-de-obra ou de estímulo a criação de microempresas de turismo. “Neste caso, o discurso é sempre o da geração de empregos e do planejamento estratégico, baseado na parceria público e privado”. O que dizer então, do contingente cada vez maior de ajuntadores de latinhas de alumínio que tem que recolher em torno de umas 70 latinhas para chegar um quilo, pelo qual são pagos de R$1,20 a 1,50 real. Ou de artistas plásticos que ganham em torno de mil e quinhentos reais para fazer os painéis do palco principal, com a ressalva de assinar recibos em branco. Por outro lado, um cantor ou cantora de fama regional ou nacional recebe por show em torno de 20 mil a 150 mil.
Nesses termos, pode-se considerar que a cidade-festiva que se reinventa para o espetáculo e para o turismo, prepara uma “festa” cada vez mais centralizadora e concentradora de renda. Cria-se a festa-mercadoria que nega a invenção lúdica e vai transformando história, cultura e tradição em divertimento e lazer. Mas divertimento e lazer para quem? É preciso tomar cuidado da instrumentalização dos espaços urbanos para o turismo e a diversão programada e previsível. Pois a população local sente a necessidade de ter os mesmos equipamentos urbanos de infra-estrutura, saúde, segurança pública, prevenção contra acidentes de trânsitos, luz elétrica, eventos esportivos e culturais, aumento na renda familiar que ocorre no momento do FECANI, no decorrer de todo o ano. É por isso, que a cada início de FECANI constata-se a dura realidade da depredação e furtos das instalações elétricas do Centro de Eventos, o motivo seria por falta de funcionalidade e uso periódico do lugar pela população.
Neste capítulo constatamos que o FECANI inaugura um processo de destradicionalização da cidade de Itacoatiara na articulação dos aspectos de tradição e inovação, considerando todo um aparato de uma cidade do tipo intermediária na Região Amazônica. Observa-se que durante o processo de destradicionalização pela qual a cidade está passando, o de revalorizar os seus recurso reais e potenciais frente ao mercado inter–cidades,o FECANI vem passando por uma crescente espetacularização, transformando as manifestações populares que foram sendo agregadas no decorrer do tempo em uma festa-mercadoria para o consumo cultural de massa.
Serpa (2007, p. 115) considera que “os espaços da cultura de massa são ‘campos transversais’, ao mesmo tempo geradores e destruidores de identidades”. Isso porque, as atividades turísticas fazem com que a população passe a reinventar o seu cotidiano, e nessa reinvenção a lógica da atividade turística acaba por sobrepor às tradições locais e a própria identidade dos lugares, atingidos por novos valores, símbolos, referência e expectativa. São valores transversais, mas, ao mesmo tempo, hegemônicos, já que é imposto por uma pequena parcela da sociedade com sua concepção restrita e exterior de cultura. Na cidade de Itacoatiara, ainda não se tem muito claro os espaços turísticos, e por isso não dá para definir um processo seletivo de apropriação social e espacial por grupos.
No sentido de fazer com que as pessoas se identifiquem com o festival e não participem somente pela premiação monetária que é oferecida ou pelo o show do cantor do momento, é preciso atentar para a sugestão que Lefebvre apud Serpa (2007) propõe uma transversalidade lúdica que respeite as diferenças, mas que não as reitere, reinstalando a segmentação. Pois assim, a festa estaria cumprindo o seu papel, o de valorização dos aspectos locais e regionais da cultura.










CONSIDERAÇÕES FINAIS

A etnografia sobre o Festival da Canção de Itacoatiara nos permitiu constatar e reafirmar a complexa rede de relações sociais que mantém uma estrutura organizativa que se estabelece no contexto do evento, subsidiando uma manifestação festiva que ganha força nos discursos representacionais sobre a cidade de Itacoatiara e a região Amazônica nos permitindo revelar o local e regional, por meio das discussões a cerca da identidade, das representações sociais, festivais de canção no Brasil, da formação e desenvolvimento das cidades na Amazônia, estrutura e evento. Pode-se dizer que o FECANI é tomado na época de sua realização como um fato social total, marcando um processo de destradicionalização da cidade de Itacoatiara.
No primeiro capítulo, O FECANI no contexto dos Festivais de Canção no Brasil e as representações de Amazônia na construção do festival, nos sugere que o contexto de criação do FECANI é fruto dos processos culturais, políticos e históricos pela qual passou a sociedade brasileira, através dos diferentes movimentos musicais que tem sua expressão máxima nas décadas de 1960, 1970 e 1980 com os festivais de canção do Brasil, exercendo fortes influências sobre as manifestações culturais das cidades brasileiras. De acordo com a explanação desenvolvida no decorrer deste capítulo identificamos pelo menos três momentos a cerca dos festivais de canção, seriam: os Festivais de Protesto nascidos no âmbito das Universidades Públicas, Festivais no seio da Igreja Católica, Festivais realizados apartir da reabertura democrática no Brasil.
Os “Festivais de Protesto”, nascido no âmbito das Universidades Públicas, seriam aqueles em que a UNE através da criação do CPC, buscava por meio das artes, sobretudo, da música a ação conscientizadora de revolucionar o meio social e política do Brasil. Onde no início da década de 60 a “cultura popular” passa por uma valorização nacionalista de uma brasilidade, onde o popular ganha ar de autenticidade. As universidades tornam-se centros de produção de saber e da valorização de um patrimônio cultural que mesclam as diferentes expressões culturais dos Estados brasileiros. Com o avanço da ditadura militar na metade da década de 60 a canção assume um papel fundamental na expressão crítica desta realidade.
Os Festivais no seio da Igreja Católica, com severas penas para aqueles que se opunham ao regime militar, sobretudo, para as produções artísticas que tivessem um fundo crítico que ressalta-se os problemas sociais do Brasil, os espaços da Igreja Católica como as Pastorais da Catequese e as Comunidades Eclesiais de Base ganham importância como refúgio para artistas e intelectuais da época.
Com a implantação da Prelazia de Itacoatiara em 1964, ocorre na cidade de Itacoatiara e comunidades ribeirinhas uma intensa atividade catequética. De onde decorre a formação de várias pastorais, entre elas, a Pastoral da Juventude (PJ). A PJ é responsável pelos diferentes atos esportivos, artísticos e culturais desempenhado pelos seus participantes, no qual ganham relevância o FEMUCRI e o FEMUPI no decorrer das décadas de 1970, 1980 e 1990. Se em outros lugares do Brasil a Igreja Católica tornou-se o reduto de pensadores e artistas em tempos de ditadura militar, em Itacoatiara ela tem papel fundamental na implantação e formação de artistas, pensadores e cidadãos itacoatiarenses. Os Festivais de Canção adquirem como expressão local, movimentos de grupos de jovens da igreja católica. Mesmo com uma roupagem religiosa no sentido de criar artifícios para evangelização, encontram-se nos festivais de canção da igreja uma forma crítica de retratar a sociedade brasileira (atenção aos pobres, as minorias étnicas, a migração, aos ribeirinhos, agricultores, aos grandes projetos de desenvolvimento e integração da Amazônia, problemas ambientais de desmatamento e extinção da flora e fauna Amazônica), além das expressões poéticas devotadas ao amor, paixão e ao devaneio.
Dentre os festivais realizados apartir da reabertura democrática no Brasil, pode-se identificar o FECANI. A reabertura democrática teve seu processo iniciado nos fins da década de 70, cominando com o clima de campanha das eleições diretas entre 1983 e 1984. Com graves problemas na economia internacional na segunda metade da década de 70, levaram o Brasil a parar de crescer economicamente e o agravamento da perda da legitimidade dos militares perante a sociedade brasileira. A partir do ano de 1985, com o retorno das organizações sociais, entidades, associações e sindicatos, identifica-se na cidade de Itacoatiara a realização do FECANI pela AIRMA, fundada em 1984, assume um papel fundamental nas questões culturais, sociais e políticas do Município. Com isso, pode-se considerar que na época da ditadura militar a Igreja Católica tem um papel fundamental na organização da sociedade civil, em associações de trabalhadores, incentivo a produção artística, cultural e esportiva, resultando inclusive em produções de Festivais de músicas cristãs. Com o processo de reabertura democrática, a AIRMA passa a desenvolver as mais diferentes atividades, ligada a cultura, arte, esporte e política no município de Itacoatiara, uma vez que o FECANI envolve uma complexa rede de relações.
O segundo capítulo, A “Velha Serpa” e o Festival da Canção de Itacoatiara, buscou realizar uma descrição densa do FECANI, no sentido de estabelecer, de acordo com as orientações teóricas de Geertz (1978), um texto etnográfico que descrevesse as condutas sociais dos sujeitos pesquisados, por meio da observação participante, neste caso, o pesquisador sendo testemunha ocular nas várias edições do FECANI buscou ou pelo menos tentou manter a exterioridade da pesquisa por meio da literatura antropológica sobre trabalho de campo.
Constata-se que o FECANI mantém “um amplo universo artístico” em nível de cidade e pode ser tomado como um meio de se promover aspectos culturais de uma possível identidade local e regional. Uma vez que as suas atividades estão voltadas para práticas artísticas e desportivas ligados ao campo da música, artes plásticas, artesanato de palha, culinária regional, poesia, estória oral, teatro amador, produção literária, desenho e cinema.
Os aspectos culturais de uma identidade local talvez possam ser percebidos nas atividades que foram agregados ao FECANI no decorrer dos anos, mesmo que hoje, elas passem a ser impulsionadas por uma estrutura organizativa de evento, tendo sempre as mesmas pessoas em suas edições. O ITA-CONTA com a participação das mesmas pessoas, mas que não deixa de ser importante, pois ajuda a promover a valorização de uma memória coletiva sobre a cidade e a Região a partir dos seus “contadores”, onde suas histórias retratam as transformações da cidade de Itacoatiara, ressaltando as manifestações do folclore, carnaval e das lendas que fazem parte do imaginário popular e de suas representações simbólicas.
O MOCAITA com a participação das mesmas famílias que fazem parte da Associação das Doceiras de Itacoatiara, ajuda a promover a valorização e a salvaguarda de uma culinária local e regional, buscando incentivar a produção de pratos que articule os produtos da Região Amazônica; o ITA-PALHA com a participação das mesmas famílias, que apesar da produção dos produtos artesanais serem direcionadas exclusivamente para o Festival, busca garantir e valorizar a técnica artesanal sobre produtos confeccionados de palha de buriti por famílias de Itacoatiara, chamando atenção para a extração de um produto que se encontra cada vez mais escasso no limites da cidade, devido o acelerado grau de ocupação e desenvolvimento urbano que a cidade vem sentindo.
E o COMPOFAI, concurso que é tido pelos artistas itacoatiarenses, como o descobridor de talentos locais, sobretudo, quando fazia parte de um calendário local da AIRMA, lugar que durante algum tempo presenciava-se poesias ufanistas sobre a cidade e a região Amazônica. Na medida em que o júri de avaliação do concurso passou a ter pessoas mais técnicas, com professores de literatura e poetas profissionais, e abertura para participantes de outras cidades, tem sido um inibidor da participação intensa de itacoatiarenses, principalmente dos estudantes da rede pública. Este fato nos sugere que deveria ser feito um trabalho em conjunto com a AIRMA e as escolas públicas, a fim de reafirmar a participação da classe estudantil.
Assim como no estudo realizado em 2004 sobre o Festival, reafirma-se que o FECANI tem sido um veículo de divulgação da chamada Música Popular Amazonense (MPA). Classificação difundida pelos meios de comunicação como o rádio e TV. A presença da equipe técnica do Amazon Sat na elaboração do tema anual do FECANI para um formato adequado para TV, tem influenciado fortemente a estética de desenvolvimento do concurso FECANI, é o que pode dar subsídios para a manutenção de prêmios como o da Música de Melhor Temática Amazônica.
A final, os meios de comunicação vêm sendo responsáveis em grande parte pela configuração imagética sobre a Região Amazônica. Neste caso, as canções de um modo geral, seriam aquelas que em suas letras retratam aspectos simbólicos do Estado do Amazonas como as suas belezas naturais por meio da flora e fauna, do cotidiano das populações Amazônicas, como o ribeirinho, seringueiro, e o caçador, identidades que de maneira genérica são enquadrado sob a ótica do caboclo Amazônico. Ou que retratam os conflitos étnicos e sociais e o desenvolvimento da Região por meio da articulação entre o moderno e o tradicional, desenvolvimento e preservação.
Porém é importante ressaltar a identificação de músicas que revelam a presença constante da temática em torno do negro, pois segundo alguns compositores que trataram este tema, a música é uma forma de revelar os sujeitos sociais que sempre estiveram às escondidas na história da região amazônica, como a presença expressiva de negros e afro-descendentes que vieram para região nos momentos econômicos mais expressivos, em um primeiro momento como escravo e depois como migrante. Considera-se também que as letras das canções adquirem no contexto de um Festival de Música Popular como o FECANI, a possibilidade de uma reflexão social, a partir de aspectos históricos e culturais das etnias e populações Amazônicas, em um âmbito regional e local, considerando as suas tradições orais, mitos, lendas, tecnologia e outros.
Observa-se que apartir dos anos dois mil, o concurso FECANI tem apresentado mudanças nas letras das canções com temas mais universais. Como, por exemplo, na composição vencedora do FECANI 2005 intitulada Canção das Cores de autoria do compositor Paulo Marinho da cidade de Manaus e interpretada por uma coreana e a canção vencedora do FECANI 2006, Oriente Amazônico (o paraíso de Milton) de autoria e interpretada por Zebeto Corrêa de Belo Horizonte, onde o artista compôs a música tendo como base o livro Relato de um certo oriente, do escritor amazonense Milton Hatoum.
De fato, pode-se considerar que o FECANI faz parte de um circuito nacional de festivais de canção do Brasil. Uma vez que a cada ano vem aumentando a participação de artistas de outras cidades e Estados brasileiros, que vem em busca das altas premiações e da acomodação da estrutura montada entorno do Festival. Configurando numa circularidade de artistas que vivem de premiações de festivais. Os artistas que mais participam são dos Estados do Amazonas, Pará, Belo Horizonte, São Paulo, Acre e Amapá. O FECANI tem assumido a imagem de um evento musical que discute questões ligadas ao exótico e a preservação do meio ambiente, por meio do painel do palco principal, das letras de músicas concorrentes no que concerne a premiação da música com a letra de “melhor temática Amazônica”, tema presente nas poesias nos concursos locais, das chamadas comerciais de abertura do Festival pelo Amazon Sat de Televisão. Neste caso, o exótico adquire importância enquanto produto cultural.
Constata-se nas falas de pessoas que vem participando do FECANI como ex-concorrentes e visitantes em geral, um clima de nostalgia ao comparar as antigas edições do Festival no antes e depois da consolidação do Centro de Eventos. Para alguns, antes quando o evento era realizado no centro da cidade a proximidade dos hotéis, pousadas e o porto da cidade facilitava o deslocamento dos turistas. Bem como o lazer, a proximidade com o rio que possibilitava banhar-se no período do dia e a comodidade de fazer acampamentos debaixo das árvores durante o tempo da festa. É como se a cidade se representasse perante a um cenário montado.
Desta forma a reprodução das relações sociais do espaço manifesta-se na vida cotidiana dos sujeitos envolvidos neste processo, onde a reprodução tem o sentido da constante produção das relações sociais estabelecidas a partir de práticas espaciais centrada na acumulação, preservação, renovação. Mas como a cidade e a produção do urbano são marcadas por um fenômeno de continuidade e de movimento, pode-se considerar que a cidade transforma-se na medida em que a sociedade se transforma.
Constata-se que o FECANI passou por um processo de influencia do Festival Folclórico de Parintins, ou por uma parintinização referente à forma de organização do espaço, vinculação na mídia e estratégias de desenvolvimento do turismo local. A construção do Centro de Eventos de Itacoatiara seria uma resposta e uma indicação do poder público Municipal, para o crescimento e desenvolvimento da cidade, resultando numa valorização dos terrenos ao seu entorno, constituição de novos bairros e a instalação de equipamentos urbanos de assistência a população. As diversas formas de divulgação do Festival, sendo aquelas feitas por cartas para artistas, autoridades, políticos como Deputados, Senadores e empresários em geral, figuram nas diversas formas de promoção e captação de recursos financeiros para a estrutura do FECANI, com o discurso fundado na valorização do turismo e desenvolvimento local e regional.
Quanto ao poder público Municipal e Estadual, pode-se considerar que ambos têm aumentado investimentos no evento ao longo dos anos, por meio de recursos financeiros para sua realização, bem como as empresas e comércios de expressão local, regional e nacional. Os jornais de época nos mostram que com o passar dos anos houve um aumento no turismo local e a promoção dos setores de bens e serviços, para acomodação dos visitantes. Por outro lado, na última década e meia, a cidade comportou a abertura de novos hotéis, pousadas, restaurantes e opções de lazer. Pode-se dizer que o FECANI impulsionou a necessidade de construção de hotéis para recepção de turistas na época do Festival, apesar de que atualmente os proprietários de hotéis considerem que na cidade se tem um turismo de negócios, e expressam o desejo de manifestações culturais que tragam turistas no decorrer do ano.
No terceiro capítulo, Festa e Espetáculo: o FECANI no contexto Amazônico buscou-se descrever o processo de configuração do FECANI a partir de modelos teóricos como evento e estrutura. No sentido de revelar pela descrição da festa a dimensão local e regional expressadas nas manifestações do Festival, aonde as relações sociais vão se estabelecendo entre as diferentes categorias de pessoas e instituições que participam na organização e atividades da festa. Nota-se que o FECANI adquire importância cultural, econômica e turística para os moradores da cidade, mesmo que seja fruto de questionamentos a respeito de sua estrutura.
Tomando o FECANI como motor de um processo de destradicionalização da cidade de Itacoatiara na articulação dos aspectos de tradição e inovação, considerando todo um aparato de uma cidade do tipo intermediária na Região Amazônica. Observa-se que durante o processo de destradicionalização pela qual a cidade esta passando, o de revalorizar os seus recursos reais e potenciais frente ao mercado inter–cidades o FECANI vem passando por uma crescente espetacularização, transformando as manifestações populares que foram sendo agregadas no decorrer do tempo em uma festa-mercadoria para o consumo cultural de massa. Mas ao mesmo tempo em que o evento se coloca como produto diante das demais manifestações festivas do Estado do Amazonas, dentre elas, os mais de 16 festivais de Canção do Estado, e dentre os mais de 500 festivais de Canção do Brasil ele adquire importância dada capacidade de cada ano agregar mais recursos para sua realização, de assumir os discursos representacionais impostos pelos meios de comunicação no sentido de revelar o diferente, o exótico, mas ao mesmo tempo tendo que dialogar com os agentes locais da cidade de Itacoatiara.
Neste jogo, é preciso repensar até que ponto criar um espaço de cultura de massa, dando ênfase ao espetáculo cada vez mais suntuoso e assumir a lógica de uma atividade turística a qualquer custo é importante para a população local? Identificar as reais necessidades da população local é garantir o direito de uma transversalidade lúdica respeitando as diferenças, sem reiterar a segmentação, garantindo à cidade um processo de destradicionalização sem qualquer experiência desastrosa frente região, nação e ao mundo globalizado.
















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[1] Segundo Waldenyr Caldas (1985), embora de origem cubana, a habanera chega ao Brasil através de Portugal depois de se propagar por toda a Europa. É da sua fusão com o tango brasileiro, que se originou o maxixe; considerado o primeiro gênero musical genuinamente brasileiro após o grande ciclo das imigrações para o nosso país.
[2] Segundo Elisabeth Travassos (2000, p. 22) o modernismo é tomado por estudiosos entre os anos de 1922 e 1945 período que se reconhece duas fases. A primeira marcada pela ênfase na atualização estética e na luta contra o “passadismo”, representado a grosso modo, pelo romantismo na música, e pelo parnasianismo, na poesia. Grandiloqüência, sentimentalismo e sujeição da música a intenções descritivas eram a as principais críticas endereçadas pelos modernistas ao romantismo. Enquanto que na poesia, o parnasianismo castrava o poder inventivo dos poetas com o rigor das regras de metrificação e rima, aliadas a temas e vocabulários anacrônicos. A segunda fase enfatiza a preocupação coma realidade brasileira e introduz o tema da nação nos debates culturais e estéticos, gerando uma mudança de tom que fará com que, mais tarde, se fale de modernismo nacionalista. De onde esta fase construtiva alterou o posicionamento com relação ao passado, transmutado numa tradição brasileira embrionária e desconhecida dos artistas, desta forma pretendia-se criar uma Estética do modernismo capaz de criticá-lo por dentro. Onde Mário de Andrade assumindo o papel de expoente do movimento modernista, afirmava sobre a necessidade de crítica da produção cultural e saudava as conquistas do movimento, resumidas no direito dos artistas à pesquisa estética, e no que ele considerava como atualização da inteligência artística e na estabilização de uma consciência criadora nacional.
[3] Mario de Andrade reuniu em sua viagem ao Nordeste realizada entre 1928 e 1929 a descrição de contos e músicas folclóricas. Que lhe incomodava pela heterogeneidade de origens (populares, cultas, semicultas) e estilos musicais em certas danças. No repertório musical do bailado natalino chamado pastoril, havia peças de procedências diversas, “umas nacionais, outras estranhas”. Era um fenômeno cultural de “imposição erudita de importação portuguesa” e não chegava a ser popular. Nos Reisados, nas Cheganças e nos congos, outros bailados in loco, constatou a presença de elementos de cultura urbana e erudita, como fragmentos de áreas ((TRAVASSOS, 2000. P.55).
[4] Hermano Vianna (1995), comenta que uma das primeiras transmissões de rádio no Brasil ocorreu nas comemorações do centenário da independência em 1922, e que no ano seguinte (1923) foi inaugurada a primeira estação de rádio brasileira a “Radio Sociedade do Rio de Janeiro” de propriedade do antropólogo Roquette Pinto e do cientista Henrique Morize. O autor comenta ainda, que um dos primeiros programas de grande audiência foi “Programa Case” (onda média e curtas em todo território nacional) da Rádio Nacional em 1932.
[5] Segundo Santos (2004) o filme retrata a odisséia de um grupo de cangaceiros e apresentava uma temática nordestina e conflitos sociais existentes na região.
[6] Segundo José Ramos Tinhorão (1998), a União Nacional dos Estudantes (UNE) foi fundada em agosto de 1942, onde os estudantes ocuparam a sede do Clube Germânia, na Praia do Flamengo. Logo depois de visitar o QG da resistência democrática, Nelson Rockefeller ofereceu aos estudantes uma vitrola, que simbolizou o combate a política de Getúlio Vargas. Naves (2001), comenta que a década de 1960 reacende novas questões relacionadas às perspectivas desenvolvimentistas e nacionalista do Brasil que tiveram início no final da década de 1940, principalmente entre os intelectuais vinculados à Comissão Econômica para América Latina(CEPAL), preocupados com a nossa condição de “subdesenvolvidos” é nesse contexto que a UNE se fortalece e propõe, com a criação do CPC em 1961, com o objetivo de um movimento de conscientização e transformação da sociedade brasileira.
[7] José Ramos Tinhorão (1998), comenta que, nos meados de 1966, era lançado no Brasil o filme “A Hard Day’s Night” sob o título de “Os Reis do Iê- Iê-Iê”. Mais adiante o “iê, iê, iê” seria caracterizado na música de Roberto Carlos e o seu parceiro Erasmo Carlos que reproduzia no país de forma empobrecida a baladação do rock’n roll norte-americano em sua versão europeia promovido pelo grupo inglês The Beatles (o nome iê, iê, iê vinha dos gritos “yeah yeah yeah” dos Beatles na interpretação da canção “She Loves You”).
[8] O 1º show realizado na tv foi o “Fino da Bossa” que conseguiu altos índices de audiência na TV Record de São Paulo (de 1965 a 1968), tirou seu título de um espetáculo organizado por universitários paulista.
[9] Rick Goodwin (1986) mostra passo a passo as etapas e as dificuldades da produção e veiculação de um disco: 1. levantar o dinheiro; 2.aprontar um repertorio para gravação; 3.encaminhar as músicas para a censura; 4.caso as músicas não sejam de autoria própria, obter autorização das editoras musicais ou do autor; 5.constituir uma firma ou se filiar a uma para ser o produtor fonográfico; 6. cadastrar as músicas no ECAD (direito autoral); 7. elaborar os arranjos; 8.conseguir hora em estúdio; 9. reunir os músicos (de preferência amigos); 10. ir ao estúdio e gravar (no Rio de Janeiro teve importância fundamental os estúdio da Sonoviso e a assistência técnica de Toninho).
[10] José Ramos Tinhorão (1998) comenta a entrevista de Roberto Carlos, onde em entrevista concedida pelo repórter Tato Taborda, publicada sob o título “Em fim o Rei se define!”, in Jornal Última Hora, de São Paulo, de 14 de junho de 1997, p. 8 e 9.
[11] Naves (2001) considera a participação no movimento da Tropicália dos seguistes artistas: poetas (Torquato Neto e Capinam), músicos de formação erudita (Rogério Duprat e Júlio Medaglia) e de extração popular (Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé e os Mutantes) e artistas plásticos (Rogério Duarte). NAVES, 2001, p. 47.
[12] O termo “bricolage” é utilizado por Claude Lévi-Strauss (1976) em sua concepção de uma ciência do concreto. Para o autor (STRAUSS, apud, BRAGA, 2002, p. 376) “a imagem da bricolage é usada para ilustrar esta forma de conhecimento, onde elementos do meio ambiente, objetos, instrumentos, crenças e relações sociais são rearranjados e dispostos de outra maneira, para responder a um outro tipo de indagação”, ou seja, a música brasileira sofreu influências dos diferentes gêneros musicais oriundos das diferentes culturas que migraram para o país. Nesse processo, o músico teve um papel sensível e inteligível na criação de seu produto artístico, ou seja, as composições do cancioneiro popular.
[13] Unidade administrativa da Igreja Católica em uma dada região. As cidades que fazem parte da Prelazia de Itacoatiara estão localizadas na região do médio rio Amazonas, são elas: Itacoatiara (sede da prelazia), Itapiranga, Silves, Urucará, São Sebastião do Uatumã e Urucurituba.
[14] Puebla foi uma Conferência dos Bispos da Igreja Católica da América Latina que aconteceu na cidade mexicana de Puebla, tendo sua abertura no dia 28/01/1979. A realização da Conferência, em Puebla, contou com participantes importantes no cenário eclesial que se posicionavam contrariamente às propostas de retrocesso do Celam (organismo que congrega os bispos da América Latina), principalmente a tentativa de condenar a Teologia da Libertação e de cercear a liberdade das Comunidades de Base. Os bispos brasileiros Dom Hélder Câmara, Evaristo Arns, Leônidas Proaño e Oscar Romero, todos defensores das Comunidades de Base e da Opção Preferencial pelos Pobres. O documento final da conferência, a popular “Carta de Puebla”, não chegou a ser propriamente revolucionário, mas não perdeu o fio condutor do documento de Medellín, que foi a conferência anterior, realizada 10 anos antes na Cidade colombiana de Medellín, e essa conferência, sim, produziu um documento muito mais radical e revolucionário. Puebla foi importante, porque dela os pobres da América Latina, saíram fortalecidos através das ações das Comunidades de Base e não havendo condenação a Teologia da Libertação. O documento que veio à luz é apenas um momento da caminhada em busca de justiça, de uma sociedade mais igualitária e da superação das gritantes desigualdades sociais na América Latina.
[15] Lugar de retiro e formação de lideranças e fieis da Igreja Católica de Itacoatiara.
[16] No Teatro Amazonas na cidade de Manaus é possível observar na área que cuida da exposição dos instrumentos, o violino de madeira confeccionado a canivete por seu Didico, doado por ele após a sua apresentação para compor o acervo museográfico do Teatro Amazonas.
[17] Segundo o seu Eliezio ou “Seu Eli” como é conhecido na cidade, as festas de beiradão eram realizadas quando uma associação de famílias se reunia para festejar o Santo padroeiro da comunidade, ou na festa de aniversário de alguém ou da própria comunidade. Na maioria das vezes, a casa ou a sede escolhida ficava próxima à beira do rio. Os convidados eram de famílias próximas ao local da festa ou de comunidade distantes, que utilizavam a canoa como forma de locomoção. Algumas festas começavam pela manhã indo até por volta das 16 horas da tarde e outras começavam por volta das 17 horas indo até por volta das 5 horas da manhã seguinte. Regadas com muita bebida e comida. A banda musical era formada basicamente por tocadores de violões, atabaque, cavaquinho, bandeiro, triangulo, Sax-Fone, sanfona, Clarinete e violino. Não existia projeção das músicas com caixas de som, pois na maioria das comunidades não tinha luz elétrica. Alguns músicos não cobravam nada em dinheiro, contavam apenas com a alimentação e a bebida.
[18] Gilbert Durand apud Danielle Pitta 92005, p. 20) define schème sendo como a dimensão mais abstrata, corresponde ao verbo, à ação básica: dividir, unir confundir. O arquétipo, dando a essa intenção fundamental, já vai ser imagem, herói, mãe ou tempo cíclico, mas universal. Por seu turno o símbolo vai ser a tradução desse arquétipo dentro de um contexto específico.
[19] Boaventura (2006, p. 187) explica que o paradigma de Sepúlveda (1979) que tem fundamentos no pensamento aristotélico, afirma que é justa a guerra contra os índios porque estes são os “escravos naturais”, seres inferiores, animalescos, homúnculos, pecadores graves e inveterados, que devem ser integrados na comunidade cristã, pela força, se for caso disso, a qual se necessário pode levar a sua eliminação. È para seu próprio benefício que são integrados ou destruídos.
[20] Roberto Damatta (1987, p. 61). Comenta que o antropólogo surge na consciência social brasileira como um cientista natural, que tem como objeto de estudo determinado a questão das raças. E de determinar o drama brasileiro, ou seja, de como tais raças entram em relação para criar um povo ambíguo no seu caráter. Nessa visão de mundo e de ciência, nada há que os homens e os grupos aos quais pertençam possam realizar concretamente. Tudo é uma questão de tempo biológico, nunca de tempo social e historicamente determinado. Assim, o tempo biológico tem suas razões que o tempo dos homens concretos e históricos desconhece, de nada valendo qualquer rebelião contra ele.
[21] Segundo os organizadores do FECANI, o motivo da realização do evento na primeira semana do mês de setembro, justifica-se pelos feriados contemplados no calendário letivo das instituições públicas, como o feriado do dia 5 de setembro, em que se dá a comemoração de Elevação da Comarca do Alto Amazonas e o dia 7 de setembro dia da independência do Brasil. Mas não foi sempre esta data, as primeiras edições de realização do FECANI do ano de 1985 até 1991 ocorreu no último final de semana de setembro.
[22] Em meados do mês de setembro ocorre o momento da piracema nos rios amazônicos, é visível uma enorme variedade de peixes nas vendas das bancas de peixe, dos mercados, nas proximidades do porto pesqueiro do bairro do Jaury e nos carrinhos de mão de madeira e de bicicletas que circulam pelas ruas da cidade. Bem como a venda clandestina de espécies de peixes como a carne do peixe boi e de quelônios.
[23] Para maiores informações ver Milke Cabral Alho. Uma análise Política Econômica de Desenvolvimento no Município de Itacoatiara. 2009. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional). Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Regional (PRODERE) - Universidade Federal do Amazonas, Manaus-AM.
[24] Jurisdição administrativa de um Bispo da Igreja Católica Apostólica Romana.
[25] A construção da passarela central e arborização da Avenida Parque foi iniciada em 1929, que segundo os moradores mais antigos da cidade, foi baseada nos bulevar das cidades francesas em viagem feita pelo então Prefeito de Itacoatiara Issac Peres (1926/1930). Com a extensão de aproximadamente dois quilômetros, formando um túnel verde com árvores que vai desde a barreira policial (entrada da cidade da rodovia AM-010) até a extremidade da praça da matriz (beira do rio).
[26] As pessoas da cidade indicam que a orla fluvial vai desde o bairro do Jauary, passando pelo centro da cidade onde fica situada a área portuária para ancoramento de navios, até o bairro da Colônia. Na área portuária do bairro do Jauary, ficam os pescadores e barcos de recreio, encontra-se também, próximo ao “Mercadinho Público” o sítio arqueológico “Sítio Itacoatiara” com inscrições hieroglíficas, a “Pedra das Caretas” e a rocha da “Careta Sorridente”, fáceis de serem verificadas na época das vazantes do Rio Amazonas no mês de setembro. Foi daí que retiraram e colocaram na praça da matriz a pedra símbolo da cidade, gravada com inscrições Tropa “1744 e 1754”, com o desenho de uma cruz. Ainda sobre sítios arqueológicos na cidade, há também as “províncias das Caretas”, localizada no Rio Urubu, nas proximidades da ponte, no Km 245 da estrada Manaus/Itacoatiara (AM-010). As pedras podem ser vistas por ocasião da vazante das águas do rio Urubu. O Bairro da Colônia é considerado o primeiro bairro da cidade com a data de criação em 1854. Nesse bairro, ainda se encontram casas da época da colonização e resquício do parque industrial da cidade como, por exemplo, as firmas Brasil Juta e a Chibly & Cia. Acima do bairro da Colônia, situa-se um lugar chamado Centenário, de onde dá para ver a curva do rio Amazonas que passa em frente à cidade, bem como igarapé do Doca Rattes que tem ligação com o Lago de Serpa nas proximidades do aeroporto. Ainda, no bairro da Colônia, é realizada a festa do Divino Espírito Santo. Festa proferida no âmbito de um bairro, configuram-se como uma das mais populares da cidade, por envolver motivos devocionais de pessoas das paróquias da cidade e de comunidades ribeirinhas que fazem parte da paróquia do Divino Espírito Santo.
[27] A Galeria de Artes é gerenciada pela Associação de Cultura e Arte de Itacoatiara, mantida com incentivos e doações de instituições públicas e privadas. Recebeu o nome da Professora Terezinha Peixoto em Homenagem póstuma, que em vida realizou em Itacoatiara estudos sobre a cultura popular e organizações de associações de artesãos, doceiras, clube de mães e outros. Além da organização do FECANI.
[28] Segundo o Documentarista Thyrso Muñoz (54 anos), o termo arraial popular teria surgido segundo os organizadores do FECANI, devido a uma referência irônica do Secretário de Estado da Cultura (2004) pelo fato do evento reunir a cada edição uma diversidade de expressões artísticas, para além do simples festival de música.
[29] A Galeria de Artes Professora Marina Penalber era mantida pela AIRMA com ajuda financeira da prefeitura municipal, foi extinta por falta de recursos financeiros.
[30] Segundo o material informativo sobre o FECANI produzido por Frank Chaves (2005), historiador local, Itacoatiara possui 10 hotéis, uns com dez apartamentos e outros com até quarenta e quatro apartamentos.
[31] Os apresentadores oficiais do concurso FECANI são constituídas de duas pessoas de ambos os sexos. É um lugar de destaque no Festival. Há um tempo, eram convidados apresentadores de emissoras de televisão de renome, como Jornalistas da Tv Globo de televisão. No XXII FECANI, quem assumiu esse cargo foram dois radialistas locais.
Em pesquisa nos arquivos da AIRMA, observa-se que a tentativa de divulgação do evento em todo o país, se deu por meio de telegramas enviados a políticos como Deputados Federais, Deputados Estaduais, superintendente da SUFRAMA, Secretarias de Cultura e emissoras de televisão, como o telegrama enviado à Rede Globo de televisão no dia 22/08/1991, que pedia a presença do Diretor Presidente, Dr. Roberto Marinho na abertura do VII FECANI do mesmo ano.
[32] Bola de fios curtos usada como enfeite.
[33] Os clubes que movimentam a cidade de Itacoatiara nos finais de semana são o Clube Recreativo dos Professores de Itacoatiara (CREPI), o Clube dos Cabos e Soldados de Itacoatiara, Barracão, Richardson Conveniência e a danceteria Platun.
[34] A pedra símbolo da cidade, gravada com inscrições Tropa “1744 e 1754”, com o desenho de uma cruz. O símbolo da Pedra Pintada consta na bandeira do Município de Itacoatiara.
[35] O regulamento do 12º Ita-Conta não estabelece limite de idade para participar, mas que os participantes sejam residentes no município de Itacoatiara. O objetivo desse evento é valorizar, preservar e divulgar as manifestações folclóricas de Itacoatiara, onde o concorrente contará “estórias” que viu ou ouviu falar do Estado do Amazonas. O tempo estabelecido para contar cada “estória” ´é de no máximo 5 (cinco) minutos. De 20 (vinte) estórias classificadas foram premiadas as três melhores com o valor de R$ 300,00 (trezentos reais) cada.
[36] É como é chamado atualmente o Grupo da Terceira Idade, que desenvolve trabalhos de esporte, lazer e socialização com os idosos de Itacoatiara.
[37] Segundo ele, esta história foi verídica, ocorrida no tempo áureo da borracha (da economia gomífera do Amazonas), onde seu avô José Lindolfo de Macedo trabalhava em uma das colocações de seringal de J. G de Araújo perto do Rio Pareni, vivia com toda sua família.
[38] A Tia Suzana é a boneca que faz abertura do carnaval Itacoatirense, com a tradicional chegada da Tia Suzana no Porto da cidade.
[39] Os musicos remanescentes do Grupo Amazonas caboclo, como Raimundo (Chapeu de Coro), Dinho (filho de Quitó) e outros, tocam com músicos que aparecem no momento de forma espontânea.
[40] Segundo o seu Eliezio ou “Seu Eli” como é conhecido, as festas de beiradão eram realizadas quando uma associação de famílias se reuniam para festejar o Santo padroeiro da comunidade, ou na festa de aniversário de alguém. Na maioria das vezes, a casa ou a sede escolhida ficava próxima à beira do rio. Os convidados eram as famílias próximas e as distantes usavam como forma de locomoção a canoa. Algumas festas começavam pela manhã indo até por volta das 16 horas da tarde e outras começavam por volta das 17 horas, indo até por volta das 5 horas da manhã. A banda musical era formada basicamente por tocadores de violões, atabaque, cavaquinho, pandeiro, triângulo, Sax-Fone, Clarinete e violino. Não existia projeção das musicas com caixas de som, pois na maioria das comunidades não tinha luz elétrica. Os músicos não cobravam nada, contavam apenas com a alimentação e a bebida.
[41] Este é o apelido pelo qual Dorival Carvalho é conhecido no meio artístico. Ele é funcionário público estadual e teve grande relevância no movimento teatral em Manaus nas décadas de 60, 70 e 80 do século passado.
[42] De acordo com o regulamento do concurso deste ano, tem como objetivo reunir os melhores filmes de um minuto escritos e interpretado, produzidos e editados por amazonenses que residem nos municípios de Silves, Itapiranga, Urucurituba, São Sebastião do Uatumã, Boa Vista do Ramos, Urucará, Parintins, Borba e Nova Olinda do Norte e Itacoatiara. Todos os municípios, com exceção de Itacoatiara (que concorre com no máximo dez filmes), devem concorrer com um filme. Sendo que os municípios deverão fazer uma pré-classificação para indicarem o filme que irá concorrer no festival. O intuito da Airma é estimular a produção de filmes para registrar a memória histórica, cultural, social e natural do Estado do Amazonas. De acordo com o item 3 do regulamento, as películas deverão ter um minuto de história, acrescida de dez segundos de título e oferecimento (patrocinador) e com vinte segundos de créditos finais (elenco e produtores) , totalizando um minuto e trinta segundos cada filme. Podendo ser inscritos em DVD. De acordo com o item 7 do regulamento referente a premiação consta que o 1º Lugar recebe R$ 1000.00 (um mil reais), 2º Lugar R$ 700.00 (setecentos reais), 3º Lugar R$ 500.00 (quinhentos reais), 4º Lugar R$ 300.00 (trezentos reais) e para o 5º Lugar R$ 200.00 (duzentos reais). Sobre a exibição do filme, consta que os cinco filmes vencedores serão exibidos nos telões do Palco Central do Centro de Eventos e no Espaço Cultural Algenor Alves. No regulamento, fica claro que a AIRMA não se responsabilizará pelo transporte do autor do filme.
[43] Fazendo referência à última frase da oração do Pai nosso dos cristãos que diz (...) que nos livrai do mal amém! E no sotaque do chamado caboclo Amazônico o garoto entendia como Marla Mein.
[44] Desde a 16º MOCAITA que o evento faz homenagem as associadas. Ano passado, recebeu o nome de Praça de Alimentação Eney Ramos. As duas homenageadas, Eney Ramos e Maria José Gama Menezes, colocam banca de venda aos domingos na Praça de São Francisco (área central da cidade) e nos arraiais que são feitos em homenagem a santos católicos, dentre eles os mais tradicionais, como a festa de Nossa Senhora do Rosário e do Divino Espírito Santo.
[45] Os pratos que concorreram no 17º MOCAITA (2007) foram: Suflê de pirarucu; Lasanha de pirarucu; Croquete de Pupunha; Frango no leite da castanha; Filé de Pescado com ovos em neve; Lasanha de cupuaçu; Empadão de macaxeira e piracui; Sobremesa de banana; Pudim de cupuaçu; Bobó de piracui e brigadeiro de tapioca; Torta de peixe com maracujá e castanha; Pudim de açaí.
[46] A Banda Calcinha Preta é do Nordeste, toca o ritmo denominado de forró romântico, tem grande evidência na mídia, sobretudo nos programas de televisão.
[47] A Banda Calypso é oriunda do Estado do Pará, ela tornou conhecido no Brasil o ritmo do calipso original do sul do Caribe e adaptado a ritmos regionais no Pará. Explodiu nas paradas de sucesso em nível nacional há mais ou menos cinco anos.
[48] Considera-se que o verão Amazônico tem início nos meses de junho, julho e agosto indo até meados do mês de dezembro.
[49] A banda Expressom serviu como banda base do FECANI nos anos de 1987 a 1994. Vale ressaltar que a primeira banda base do Festival da canção, foi a banda “Os Adoráveis” da cidade de Itacoatiara que tocou no ano de 1985 a 1986. Um dos músicos que tocou no primeiro FECANI foi o Sr. Valdemar Repolho.
[50] Registra-se nas primeiras reuniões com os humoristas em 2008 a exigência de apresentar para a AIRMA um projeto do show que tivesse cenários de acordo com os vários momentos da apresentação. Essa exigência foi tomada como objeto de exclusão para alguns artistas, como o humorista Puqueca de Cáprio que não apresentou sua proposta em tempo hábil.
[51] O grupo foi formado na década de 1980, no município de Benjamin Constant-Am. Com roupa simples de algodão vegetal e os pés descalços é tido como a marca do grupo, que exerce um trabalho basicamente acústico, com alguns instrumentos de percussão e letras que retratam o “cotidiano do caboclo amazonense”, preservação da floresta e os sons da floresta (reproduzindo cantos de pássaros, som de água e outros animais). Já se apresentou de Norte a Sul do Brasil, e no exterior em países como Estados Unidos, Alemanha, Venezuela e outros.
[52] Candinho & Inês segundo o site http://www.musiconline.mus.br/, vem atuando no meio artístico há mais de 20 anos com uma trajetória marcada pelas participações em festivais de músicas regionais (dentre eles o I FECANI de 1985). As composições de Candinho busca retratar a realidade do homem amazônico no contexto universal e regional, numa abordagem, ora voltada para a temática social ora, para suas paixões, conflitos e sonhos de liberdade trabalhados numa linguagem poética carregada de lirismo. A trajetória da dupla teve início em 1982 quando começaram a participar de festivais de canção em Manaus.
[53] No Estado do Espírito Santo na cidade de Alegre acontece anualmente o Festival de Música de Alegre, que segundo o site da Prefeitura http://www.alegre.es.gov.br/, surgiu em 1980 em uma festa universitária com os objetivos de revelar a Música Popular e revelar novos nomes para o cenário nacional, tanto compositores como de intérpretes. Na década de 90, o evento tomou outras proporções com o aumento significativo da divulgação, o que explica o sucesso de inscrições e de público a cada ano. Em 2005, o Festival emplacou seu recorde ao receber 1880 músicas para a pré-classificação, em 57% a mais que em 2004, incluindo inscrições de outros países. Nos últimos 5 anos, mais de 6000 músicas foram inscritas (...) O sucesso no aumento do número de inscrições também é extensivo ao público que circula por Alegre durante o evento. Na década passada, o município recebia 10 mil visitantes durante o Festival. No ano de 2000, esse número subiu para 100 mil visitantes e para 2006 são esperados 150 mil espectadores.(consulta dia 27/09/2008). Vale ressaltar que atualmente o Festival de Música de Alegre é administrado pela ATS Eventos, empresa que organiza eventos. No blog AH! Conta Outra! Publicou a Carta da ATS Eventos, no qual explica o motivo de cancelamento do 25º Festival de Música de Alegre/2008, sendo transferido para o ano de 2009. Segundo a Carta, A 25º Edição do Festival de Alegre não ocorrerá este ano e será realizado de 11 à 14 de junho de 2009. O feriado de Corpus Christi no calendário de 2008, data tradicional para a realização do evento, ficou próximo do verão, comprometendo o potencial de público e inviabilizando a edição dos 25 anos do maior evento musical do Espírito Santo (http://dehvipper.wordpress.com/ Blog Ah! Conta Outra! 2008 não tem festival de Alegre). Nota-se que a empresa joga com a possibilidade de adquirir um maior número de público.
[54] No trabalho de Iniciação Científica, PIB-H003/2003 do Programa Institucional de Iniciação Científica da UFAM, sob orientação do Prof. Dr. Sérgio Ivan Gil Braga, já havíamos identificado a importância histórica da fundação da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário ao nome da cidade Serpa, bem como o caráter oficial e popular da festa descrita pelo naturalista inglês Henry Walter Bates no ano de 1849: O autor Francisco Gomes da Silva (1999), historiados local, em seu livro “Cronografia de Itacoatiara”, diz que o catolicismo no município pode ser identificado já na fundação da cidade (no sítio Itacoatiara). Em 1759, ano de instalação da vila de Serpa, hoje Itacoatiara, é “criada a Paróquia de Nossa Senhora do Rosário de Serpa, com a edificação da primeira capela”. Em 1849, Henry Walter Bates (1979) presenciou na antiga Serpa a Festa de Nossa Senhora do Rosário, à época do natal, que contava com uma expressiva participação de índios (Sairé), negros (festa de São Benedito) e mestiços (Nossa Senhora do Rosário) residentes no lugar (GAMA, 2004, p. 25).
[55] Gomes (1945, p. 89-90) Superados os efeitos danosos da Cabanagem, e coroando a luta dos amazonenses que jamais se conformaram com a sujeição de sua Comarca ao Pará, em 05.09.1850 o parlamento imperial criou a Província do Amazonas. A População voltou a crescer, a agricultura ganhou uma sensível melhora ao lado do comércio que se centrava no serviço do regatão. A indústria extrativista se mantinha cuidando dos gêneros retirados do rio e da floresta. Das vilas, além de Manaus, Tefé e Luzia prosperavam. Dos termos era previsível que Serpa levasse a dianteira. Araujo Amazonas descreve: Seus habitantes eram em número de 1.720, distribuídos em 170 fogos. Cultivavam, além do necessário à subsistência, algodão, café e tabaco. Pescavam pirarucu, tartaruga e peixe-boi. Teciam panos e rêdes de algodão. Manipulavam azeites de tartaruga, peixe-boi e de andiroba. Extraiam breu, salsa, cravo e copaíba.
[56] Segundo o site http://www.geocities.com/ a em Julho de 1932 Explode em São Paulo uma revolta contra o presidente Getúlio Vargas. Tropas federais são enviadas para conter a rebelião. As forças paulistas lutam contra o exército durante três meses. O episódio fica conhecido como a Revolução Constitucionalista de 1932. A política centralizadora de Vargas desagrada às oligarquias estaduais, especialmente as de São Paulo. As elites políticas, do Estado economicamente mais importante, sentem-se prejudicadas. E os liberais reivindicam a realização de eleições e o fim do governo provisório. Quando se inicia o levante, uma multidão sai às ruas em seu apoio. Tropas paulistas são enviadas para os fronts em todo o Estado. Mas as tropas federais são mais numerosas e bem equipadas. Aviões são usados para bombardear cidades do interior paulista. 35 mil homens de São Paulo enfrentam um contingente de 100 mil soldados. Em outubro de 1932, após três meses de luta, os paulistas se rendem, finalizando em prisões, cassações e deportações.
[57] Segundo Eduardo Góes Neves (2005) as cerâmicas Miracanguera muito comum na região de Silves, Itacoatiara e Urucurituba seria da tradição policroma. São como o próprio nome diz, caracterizadas pela decoração pintada em vermelho, cor-de-vinho, laranja ou negro sobre uma base branca. Do mesmo modo que na fase Marajoara (de duração de quase 1.000 anos, do século IV ao século XIV DC), no entanto, cerâmicas polícromas são também decoradas pelo modelado, incisão, excisão etc. Apesar das semelhanças gerais, há uma considerável variabilidade entre as cerâmicas e os sítios arqueológicos associados à tradição polícroma. Assim, por conta disso, essas cerâmicas recebem diferentes denominações regionais, a partir de suas características decorativas particulares (A Amazônia Pré-Colonial. Autor Eduardo Góes Neves, Submetido para publicação na série “Descobrindo o Brasil”, Editora Jorge Zahar, Manaus – São Paulo, Agosto-Dezembro de 2005, p. 56-57).
[58] O Jornal A crítica do dia 13 de outubro de 1993, da pagina 1, Caderno Criação, traz um artigo do artista plástico Thyrso Munhoz Com o título Tesouros históricos à mercê do mau tempo. Tece comentários sobre os prédios históricos da cidade de Itacoatiara, segundo ele: A natureza não perdoa a irresponsabilidade do homem e castiga, ameaçando um dos prédios mais bonitos de Itacoatiara denominado Casa Moisés. Este referido estabelecimento construído em 1890 era propriedade do Judeu Marcos Ezagui, que gerenciava comercio exportador e importador na época da borracha. Na parede verifica-se um mural onde eram colocados os avisos sobre a chegada e a partida dos navios. No referido logradouro funcionou a casa Comercial Issac José Perez, que foi prefeito de Itacoatiara de 1926 à 1930, tendo obrigado posteriormente a Agência do Banco do Brasil. (...) Outros patrimônios importantes necessitam de serem olhados com mais carinho, a exemplo o antigo Hotel São Jorge, construído no início do século (1903-1906) por operários vindos da Espanha. O madeirame (pinho de Riga), foi utilizado no teto e no assoalho, era de procedência portuguesa.
[59] Em Itacoatiara, o visitante seria os moradores de cidades circunvizinhas e o turista seria aquele que vem de cidades mais distantes ou de outros estados brasileiros.
[60] Ao lado do Restaurante e Pizzaria Panorama, existia na orla fluvial um bar flutuante chamado Ponto do Sol, onde as pessoas desciam para dançar, beber e tomar banho, apesar de todo o risco de afogamentos, devido à forte correnteza do rio e a embriaguês dos banhistas.
[61] Simulacrum é a tradução latina do eidolon grego, uso que Platão faz dessa palavra no Teeteto e na República. Eduardo Subirats (1989) diz que esse termo tem três acepções entre si: em primeiro lugar, é a imagem, a representação de uma coisa; segundo lugar, constitui sua réplica ou simulacro; por último, a pretensão ilusionista que confunde a réplica ou o simulacro do mundo com sua realidade converte essa mesma realidade na ficção de um espetáculo, na irrealidade da experiência e da vida definidas como pura negatividade do singular, limitado e intranscendente.